SL - 62 RESILIÊNCIA COMUNITÁRIA: SUPERANDO VULNERABILIDADES E ENFRENTANDO DESASTRES

  • Rubenilda Maria Rosinha Barbosa
  • Paulo Henrique Novaes Martins de Albuquerque
  • Regina Coeli
  • Circe Maria Gama Monteiro
  • Neison Freire
  • Edinéa Alcântara de Barros e Silva
Palavras-chave: resiliência comunitária, resiliência individual, redes comunitárias e redes sociais, desastres, indicadores de resiliência comunitária

Resumo

O crescimento econômico assume centralidade no modelo de desenvolvimento do país, e traz consigo os impactos por demais conhecidos nas cidades brasileiras: adensamento e verticalização sem planejamento, sem a provisão adequada da infraestrutura urbana – sistemas de saneamento básico, sistema de transporte, e programas de habitações para a população de mais baixa renda, levando a crises de mobilidade urbana, ocupações de áreas de risco, entre outros.
Essa forma desordenada de uso e ocupação do solo, sem planejamento urbano e provisão de habitações e infraestrutura urbana adequadas, quando associadas a eventos climatológicos de chuvas, mais intensas e frequentes, podem potencializar deslizamentos de barreiras, alagamentos e inundações. Em outras cidades mundiais os desastres contemplam furacões, tsunamis, terremotos, geadas e frentes frias, cujos danos costumam ser maiores, pela magnitude dos desastres, se comparados aos deslizamentos e inundações. A gravidade e a amplitude dos danos já extrapolam as populações de baixa renda, normalmente os mais vulneráveis e mais gravemente atingidos, e atingem grupos sociais de distintas faixas de renda, algumas vezes levando à paralisação temporária e ao precário funcionamento de cidades inteiras.
Impulsionados pela amplificação dos desastres no nível mundial, as Nações Unidas, o Banco Mundial, entre outras organizações, têm envidado esforços na construção de agendas que busquem fortalecer os países e as cidades a enfrentarem tais desastres. O Banco Mundial vem priorizando o fortalecimento governamental para cumprir seu papel diante das tragédias, através de mecanismos de capacitação e controle da gestão de recursos e de formulação de políticas públicas para mitigar e reduzir os desastres; a ONU vem apostando mais fortemente no fortalecimento da sociedade para que esteja mais preparada, pois a experiência mundial de enfrentamento dos desastres aponta evidências do protagonismo que comunidades e sociedades têm alcançado: na promoção de solidariedade, na redução perdas humanas, no alívio aos atingidos e na contribuição para superação dos traumas e das dificuldades associadas ao pós-desastre.
Esse cenário tem mobilizado, mundialmente, reflexões e estratégias entre gestores, pesquisadores, líderes da sociedade civil e até da iniciativa privada sobre a necessidade de construir cidades resilientes e com capacidade para se recuperarem dos desastres e se adaptarem às mudanças climáticas, de forma mais sustentável.
Essa temática tem sido prioridade em nível mundial e federal, tanto que foi lançada a cartilha “Construindo Cidades Resilientes: minha cidade está se preparando”, produzida originalmente pela United Nations International Strategy for Disaster Reduction (UNISDR) e traduzida por diversos órgãos governamentais brasileiros. O Brasil também é signatário do Quadro de Ação de Hyogo, adotado em 2005, por 168 estados que estavam reunidos no Japão, com o objetivo de construir a resiliência de nações e comunidades até o ano 2015, tanto que a Secretaria Nacional da Defesa Civil (SEDEC) elaborou o documento “National progress report on the implementation of the Hyogo Framework for Action (2009-2011).
O relatório do Painel de Alto Nível do Secretário Geral das Nações Unidas sobre Sustentabilidade Global “Povos Resilientes Planeta Resiliente: Um Futuro Digno de Escolha”, ao trazer o termo no título, evidencia seu uso, de forma ampliada, associado não apenas às localidades, mas também aos seres humanos e suas coletividades.

Portanto, o que essa agenda traz de novo é que as incertezas e os riscos deveriam assumir um lugar privilegiado no planejamento. No nível local, evidencia que para uma cidade ser sustentável, deve, antes de tudo, ser resiliente, ou potencializar manifestações de resiliência. Na contemporaneidade o conceito de resiliência é abrangente, permitindo que seja apropriado tanto pelas ciências exatas, onde se originou, quanto pelas ciências da saúde, humanas e sociais. Sempre traz consigo a ideia da resiliência como um processo. Dessa forma, a emergência de determinadas condições psicossociais, culturais e ambientais possibilitam, nos indivíduos, grupos e comunidades, o desenvolvimento de resistências e capacidades de enfrentar as adversidades que se apresentam, saindo mais fortalecidos (as) nesse embate.
Esse construto teórico é utilizado no âmbito individual e comunitário. No primeiro, a partir de um estudo exaustivo feito por Kotliarenco (1997) do conceito de resiliência, Melillo (2005) faz uma síntese das características do sujeito resiliente, apontando: habilidade, adaptabilidade, baixa suscetibilidade, enfrentamento afetivo, capacidade, resistência a destruição, condutas vitais positivas, temperamento especial e habilidades cognitivas. Comenta, então, que se destacam dois elementos cruciais que se produzem em função de processos sociais e intrapsíquicos, uma vez que “a resiliência depende de certas qualidades do processo interativo do sujeito com outros seres humanos, responsável pela construção do sistema psíquico humano” (MELILLO, 2005, p.61).
Complementando, Froma Walsh (1998), citada em Ravazzola (2005, p. 81) tendo em mente reforçar as qualidades presentes nos sujeitos sociais, ressalta a necessidade das relações serem permeadas pelas práticas de: 1. Atitudes demonstrativas de apoios emocionais; 2. Diálogos que estabeleçam acordos entre prêmios e castigos; 3. Conversações que permitam construir significados compartilhados sobre os acontecimentos prejudiciais, com coerência narrativa e sentido dignificador para seus protagonistas.
No que concerne à resiliência comunitária, Ojeda (2005, p.48) refere que atualmente ela pode ser considerada como “ferramenta, de genuíno cunho latino-americano, que pode ser utilizada sem temor na luta contra a pobreza e a desigualdade”. Desse modo, Ojeda (2005, p. 50-3) identifica alguns pilares fundamentais de resiliência comunitária, que são: 1. Auto-estima coletiva, quando ocorre atitude e sentimento de orgulho pelo lugar em que se vive; 2. Identidade cultural implica na incorporação de costumes, valores, expressões idiomáticas, danças, canções etc., que se transformam em componentes inerentes ao grupo; 3. Humor social é a capacidade de alguns grupos ou coletividades de “encontrar a comédia na própria tragédia”; 4. Honestidade coletiva ou estatal refere-se ao manejo decente e transparente da função pública. Além desses pilares, cita algumas condições descritas em bibliografias correntes tais como: “a capacidade de gerar lideranças autênticas e participativas, o exercício de uma democracia efetiva na tomada de decisões cotidianas e a “inclusividade” de uma sociedade em que não haja discriminação” (p. 53). Corroborando, Adger (2000) define resiliência comunitária como a habilidade de comunidades conseguirem suportar choques externos na sua infraestrutura social.
Dessa maneira, comunidades resilientes seriam aquelas capazes de desenvolver formas efetivas de lidar com os desafios que se apresentam, incluindo aí também os desastres. Isso é particularmente importante, pois as populações mais fortemente atingidas são aquelas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade socioambiental, ou seja, os mais pobres. Estes, moram de forma mais insegura, muitos convivendo com o risco permanente de terem suas casas alagadas ou sob risco de deslizamento, quando ocorrem chuvas intensas. Esses desastres são periódicos, às vezes sazonais, mas estão assumindo uma magnitude cada vez maior, o que requer maiores investimentos das políticas públicas no fortalecimento da resiliência dessas comunidades.
Godschalk (2003, p. 137) argumenta que os programas tradicionais de “hazard mitigation” têm concentrado o foco em produzir sistemas físicos resistentes a desastres. No entanto,futuros programas de redução de riscos devem também ter o foco em ensinar/preparar as comunidades sociais da cidade e instituições a reduzir os “hazard risks” e responder de forma efetiva aos desastres, pois elas serão as grandes responsáveis em construir e efetivar a resiliência urbana. Com isso, o autor defende a visão de que “cidades resilientes” seriam uma rede de sistemas físicos e comunidades humanas. Os sistemas físicos incluem os ambientes naturais e os construídos e funcionariam como o “corpo” das cidades, seus ossos, artérias e músculos. Já as comunidades urbanas são os componentes sociais e institucionais da cidade, que operam como seu “cérebro”, direcionando suas atividades, atendendo a suas demandas e aprendendo com suas experiências. A maioria dos estudos sobre cidades resilientes tem concentrado o foco na produção de sistemas físicos resistentes a desastres e outras adversidades. No entanto, argumenta o autor, os grandes responsáveis em efetivar a resiliência urbana serão as comunidades resilientes, que também devem ser o foco de estudos e pesquisas, pois cidades sem comunidades resilientes seriam extremamente vulneráveis e pouco sustentáveis.
Esta sessão livre se insere com o propósito de aprofundar o debate com pesquisadores que estudam o ambiente urbano, a psicologia social e comunitária, a sociologia das redes comunitárias e sociais, a teoria social do risco, suas dimensões e vulnerabilidades, na busca de uma compreensão mais aprofundada de como se estabelece e se desenvolvem as situações de risco, de incerteza, buscando possibilidades de identificar potenciais para a resiliência comunitária na superação de crises e diante de situações de desastres.
Os resultados das discussões subsidiarão as pesquisas desenvolvidas pelos participantes desta sessão, no intuito de reformular teorias, compartilhar conhecimento, experiências, refletir sobre novas abordagens e práticas de planejamento, e repensar a gestão e as políticas públicas com alternativas que valorizem as dimensões ambiental, social e cultural, bem como as formas de associações e particularidades locais, que constroem as redes comunitárias, a solidariedade e a resiliência de comunidades e populações no enfretamento de crises e de desastres. 

Publicado
2018-11-20
Seção
Sessão Livre