SL - 49 OS MUITOS URBANISMOS MODERNOS

  • Carlos Roberto Monteiro de Andrade
  • Joel Outtes
  • José Geraldo Simões Júnior
  • Elisângela de Almeida Chiquito
Palavras-chave: urbanismo, planejamento regional, cultura profissional

Resumo

Nas três primeiras décadas do século XX, a cultura urbanística moderna que vinha se constituindo desde o último quartel do século XIX - com as reformas haussmannianas ou com o plano de Cerdà para a expansão de Barcelona, ou então com os manuais germânicos de construção de cidades, de Baumeister a Stübben, passando por Sitte, ou ainda com as propostas e realizações de Soria y Mata e Howard -, se difunde em âmbito internacional através da criação de redes e instituições profissionais e de ensino, publicação de revistas e livros, mas também realização de concursos, congressos, exposições e cursos, além das viagens e visitas de profissionais. Neste rico período de formulação de teorias e propostas sobre e para a cidade, quando teremos um intenso processo de circulação de ideias no campo do urbanismo e do planejamento urbano e regional nascente, os profissionais “faiseurs de villes”, como assim os define Thierry Paquot, vão se situar em torno de algumas concepções fundamentais sobre a cidade e seu processo de expansão, bem como sobre seu futuro e propostas de intervenções, reformas e legislações a serem nelas aplicadas.
Os objetivos da sessão que propomos é construir um quadro de algumas dessas principais concepções e realizações no período inicial de constituição do urbanismo moderno e do planejamento regional como campos técnicos-profissionais próprios. Delimitamos nossas abordagens nas primeiras décadas do século XX e procuramos estabelecer um contraponto entre as temáticas que são discutidas em distintos países europeus e aquelas que são formuladas no mesmo período nos EUA.
Nossa sessão pretende indagar a respeito de quais urbanismos estão sendo formulados no âmbito de congressos, exposições, instituições, ou em textos diversos, em um intenso e rico intercâmbio de ideias que abordará os múltiplos aspectos de formas urbanas cada vez mais complexas. Dialogando, mas também se contrapondo a uma historiografia que enfatiza as proposições dos arquitetos ditos modernistas, ou vinculados ao Movimento Moderno, e que terão nos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, os CIAMs, seu principal fórum de proposições e debates, as reflexões que pretendemos suscitar remetem a um conjunto de formulações no campo da cultura técnico-profissional do urbanismo e planejamento físico-territorial que propõem outras cidades, outros urbanismos, outras formas de ocupação do território.
Resultados parciais de pesquisas em desenvolvimento, as exposições a serem feitas abordarão em especial algumas das instituições criadas no bojo da construção do campo técnico-profissional do urbanismo e do planejamento urbano e regional nascentes. Também pretendemos destacar as concepções de cidade que eram então formuladas e discutidas, estabelecendo suas referências teóricas, os profissionais por elas responsáveis e as realizações práticas que eram tomadas como exemplos paradigmáticos de aplicações de suas idéias. Ressaltamos aqui a importância de um estudo da genealogia das proposições, relativas ao planejamento físico-territorial, que estabeleceram modos de ler e projetar a cidade dos quais as práticas urbanísticas e de planejamento urbano contemporâneas são tributárias ou mesmo buscam retomar.
Assim serão abordados em nossa sessão as origens da International Federation for Housing and Town Planning e da United Cities and Local Governments, instituições que ainda hoje atuam e que vinculam-se ao que Saunier denominou “Internacional Urbana”. Serão vistos também alguns dos principais textos sobre o urbanismo da reconstrução que surge no bojo da primeira Grande Guerra, destacando-se suas principais concepções e propostas. A análise de trabalhos que vão delimitar esse campo específico da urbanística nascente revela as principais questões em debate frente o fenômeno da destruição massiva de áreas urbanizadas. Mas também as propostas de reconstrução de sítios urbanos enfrentarão os dilemas da conciliação entre o velho e o novo, entre o já existente e o projeto da cidade.
Se esses trabalhos tratam de formulações oriundas das culturas urbanísticas inglesa e francesa, um terceiro trabalho aborda a cultura urbanística germânica dos primeiros anos do século XX, a partir especialmente de seus congressos e exposições realizados no período. Por fim veremos o surgimento do planejamento regional nos Estados Unidos a partir das ideias de Benton Mackaye, bem como suas ressonâncias nas propostas da Regional Planning Association of America e na Seção de Planejamento Regional da Tennessee Valley Authority, durante os anos Roosevelt.
Assim, se na Alemanha temos o desenvolvimento da noção de construção de cidades (Städtebau), em que as dimensões técnica e estética das cidades, mais ou menos enfatizadas, são consideradas e buscam se articular de modo equilibrado em uma gestão que se pretende racional dos conflitos urbanos, nos EUA uma concepção mais ampla do território levará a uma ênfase na escala regional e a uma noção dos recursos naturais onde a perspectiva conservacionista vai se destacar. O planejamento de bacias hidrográficas nos EUA e sua difusão internacional exemplificarão tais formulações pioneiras pela abordagem holística do território e também pela consideração ampla dos fatores ambientais.
Nesse quadro internacional da urbanística nascente que pretendemos desenhar, as concepções de plano regulador ou ordenador, de zoneamento, de cidade jardim e subúrbio-jardim, de centro histórico ou de centro cívico, de habitação social (housing) deverão ser analisadas com precisão, tendo em vista sua importância para as teorias do urbanismo do período. Também as propostas de cidades novas, em seus tipos diversos – capitais, de colonização, empresariais, etc. – por se constituírem em laboratórios da urbanística nascente, deverão ser objeto de reflexão nas exposições da sessão.
A discussão dos recortes a serem apresentados, contrapondo-se concepções e propostas diversas, que remetem a culturas profissionais distintas, mas relativas a um mesmo período de grandes transformações das cidades e do território, acreditamos permita o aprofundamento dos temas pautados pelos trabalhos. Desse contraponto muitos urbanismos modernos emergem, apontando para uma cultura profissional que se constrói no embate entre propostas diversas, marcadas por experiências nacionais particulares, onde já se anunciavam perspectivas internacionalistas.
Embora a historiografia do urbanismo moderno tenha destacado as formulações vinculadas a Le Corbusier e aos CIAMs, os trabalhos a serem apresentados apontam para outros ideários, vinculados a teorias e movimentos que, sem deixarem de ser racionalistas e também funcionalistas, remetem a concepções urbanísticas e de planejamento físico-territorial pragmáticas, que se materializaram em realizações exemplares e quantitativamente significativas. A permanência ou retomada de muitas dessas proposições nos dias atuais, e o abandono das propostas modernistas, indicam tanto seu sucesso quanto suas ambiguidades.

Publicado
2018-10-19
Seção
Sessão Livre