SL - 48 CIDADE E TERRITÓRIO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: NEODESENVOLVIMENTISMO, SOCIAL DESENVOLVIMENTISMO OU CRESCIMENTO PREDATÓRIO?

  • Ermínia Terezinha Menon Maricato
  • Humberto Miranda
  • Jeroen Klink
  • Tânia Bacelar de Araújo
  • Carlos Antônio Brandão
Palavras-chave: cidades, desenvolvimentismo, crescimento econômico

Resumo

A globalização – destino histórico de expansão internacional do capitalismo – teve impacto decisivo sobre o território e as cidades no Brasil, além das transformações sociais, econômicas e políticas engendradas, usualmente mencionadas.
A produção de commodities, demandadas pelo mercado internacional, lograram reorientar a ocupação da terra pela produção agrícola, as migrações, o processo de urbanização, o valor da transformação industrial, o meio ambiente entre outras variáveis. Todas as regiões brasileiras ampliaram sua importância econômica, em detrimento do sudeste - embora esta região se mantenha como centro econômico hegemônico no país.
Nas cidades brasileiras, num primeiro momento, o impacto se deveu mais exatamente à influência das diretrizes neo liberais sistematizadas no Consenso de Washington em 1989. A desregulamentação, a queda do crescimento econômico com o consequente aumento do desemprego, e o recuo dos investimentos em políticas sociais conduziram as cidades a uma condição de difícil retorno mesmo nos dias atuais. Os expressivos indicadores de violência e crescimento do crime organizado iniciaram, nos anos 80, uma escalada sem volta, de dominação espacial urbana. Apesar da estrutura autoritária e precária das políticas públicas de habitação, saneamento e transporte urbano existentes, a partir dos anos 80, o desmonte dessa estrutura e de equipes técnicas no aparelho de estado levou esses setores à ruína no país.
Para garantir a posse, caso fosse eleito, Lula firmou, em 2002, um compromisso com as forças do mercado financeiro que impuseram uma limitação ao seu governo. O começo do governo foi marcado pela afirmação do ideário neoliberal que por outro lado estava presente em cada poro da máquina pública. As poucas brechas se deram na forma de gastos focados na extrema pobreza, como, aliás, era orientação do BIRD - Banco Mundial. Já em 2003, decidiu-se aplicar recursos onerosos no saneamento básico, seguindo outra regra do receituário do BIRD, ou seja, a de retorno dos recursos investidos (cost recovery) apesar dos protestos da equipe de profissionais ativistas que ocupavam o Ministério das Cidades.
Mas as rígidas regras do FMI - Fundo Monetário Internacional- não eram as únicas que impediam realizar o interesse social na execução orçamentária. De outro lado estava o tradicional clientelismo que impunha aplicação pulverizada de recursos pelo território brasileiro em troca do apoio parlamentar nas votações do Congresso. Como planejar nesse contexto? Isso não impediu que todos os Ministérios que tinham orientação progressista ou de esquerda fossem tomados por uma febril elaboração de planos. Tratava-se de retomar o papel planejador, regulador e promotor do Estado.
Com o passar do tempo, parte do ideário neoliberal foi abandonado. Isso tem início com a entrada de Dilma Rousseff na Casa Civil e a substituição do Ministro da Fazenda, Antonio Palocci por Guido Mantega.
Não há dúvida de que as políticas sociais fizeram diferença na vida de milhões de brasileiros. Os principais programas sociais do governo Lula que tiveram continuidade na gestão de Dilma Rousseff foram: Bolsa Família, Crédito Consignado, Programa Universidade para todos – ProUni (bolsa de estudo em universidades privadas trocadas por impostos), Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar- Pronaf e Programa Luz para Todos. Garantiu-se um aumento real do salário mínimo (de cerca 55%, entre 2003 e 2011, conforme DIEESE). A previdência social, que sustenta muitas famílias de baixa renda foi mantida sem as reformas apregoada pelos liberais. Além desses programas, o crescimento da economia e do emprego, propiciado por condições de troca internacional, trouxeram alguma perspectiva de esperança de dias melhores.
Ao invés de reforçar explicações que vêem, no aumento da renda de uma grande camada, a emergência de uma nova classe média, Márcio Pochmann (2012) classifica como um reforço das camadas que se encontram na base da pirâmide social. Estes aumentaram sua participação relativa na renda que estava abaixo de 27% para 46,3% entre 1995 e 2009. Os classificados em “condição de pobreza” diminuíram sua representação de 37,2% para 7,2% nesse mesmo período. Parte dessa população que migrou da condição de pobreza para a base da pirâmide empregou-se na construção civil.
O Ministério das Cidades começou por seguir a orientação do Projeto Moradia elaborado com a coordenação de Lula em 2001. A tese central do Projeto era a seguinte: ampliar o mercado residencial privado para abranger a classe média (considerando as mudanças necessárias para isso) para que o Estado se ocupe das camadas de baixa renda com alocação de subsídios. Uma proposta relativa aos recursos financeiros necessários para impactar o déficit habitacional e outra que tratava da reforma fundiária permitiram elaborar um projeto acompanhado de orçamento e cronograma. Políticas setoriais de transporte e saneamento complementavam o quadro de propostas. Como quase 1/3 do déficit habitacional brasileiro está nas metrópoles estas foram consideradas prioridade para o Projeto Moradia.
Para viabilizar a ampliação do mercado residencial em direção à classe média foram propostos ao Congresso Nacional alguns projetos de lei sobre a atividade empresarial e tomadas algumas medidas reguladoras do financiamento cujos fundos principais foram os mesmos utilizados pela significativa atividade de construção residencial havida durante os governos militares (especialmente entre 1970 e 1980): SBPE- Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (um sistema de poupança privada) e o FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, gerido pelo Estado em parceria com entidades de trabalhadores (um sistema de poupança compulsória que servia também como fundo desemprego para trabalhadores formais).
A retomada dos investimentos começou lentamente, freada pelas travas neo liberais que proibiam gastos sociais, ainda que os recursos não fossem exatamente públicos.
Em contraposição, a luta social pela Reforma Urbana resultou em muitas vitórias institucionais. A retomada dos investimentos urbanos acontece durante o governo Lula: intervenções no campo do saneamento passam a ser realizadas com recursos federais a partir de 2003, e em seguida, no contexto do PAC lançado em 2007; no campo habitacional, a retomada tem início em 2005, continuada pelo PAC e depois mais fortemente em 2009 com o MCMV. Quanto às intervenções no campo dos transportes urbanos, alguns investimentos estão se dando mais significativamente no contexto da Copa do Mundo (PAC da Copa), embora não se possa falar de uma retomada decisiva de investimentos, nem de uma mudança no paradigma dos transportes no país, que permanece sendo a questão de maior fragilidade atualmente nas cidades brasileiras.
O crescimento urbano sob a forma de boom imobiliário sem reforma urbana e o aumento fantástico do número de automóveis decorrentes de incentivos e das políticas públicas federais remetem as cidades a um crescimento insustentável seja em temos sociais, econômicos e ambientais.
Vivemos um paradoxo, quando finalmente o Estado brasileiro retomou o investimento em habitação, saneamento e transporte urbano de forma mais decisiva, depois de 29 anos, um intenso processo de especulação fundiária e imobiliária promoveu a elevação do preço da terra e dos imóveis considerada a “mais alta do mundo”. Entre janeiro de 2008 e setembro de 2012 o preço dos imóveis subiu 184,9% no Rio de Janeiro e 151,3% em São Paulo, à semelhança tantas outras cidades brasileiras (FIPE ZAP). E tudo especialmente porque a terra se manteve sem controle estatal apesar das leis e dos planos que objetivavam o contrário. No mais dos casos as Câmaras municipais e prefeituras flexibilizaram a legislação, ou apoiaram iniciativas ilegais para favorecer empreendimentos privados. Uma simbiose entre Governos, parlamentos e capitais de incorporação, de financiamento e de construção promoveu um boom imobiliário que tomou as cidades de assalto. Se nos EUA o mote da bolha imobiliária foi a especulação financeira, cremos que no Brasil foi a histórica especulação fundiária (patrimonialista). O “nó da terra” continua como trava para a superação do que podemos chamar de subdesenvolvimento urbano.
É preciso lembrar no entanto que a questão urbana/fundiária é de competência constitucional dos municípios, ou estadual quando se trata de região metropolitana. Mas nenhuma instância de governo tocou nas propostas da Reforma Urbana, sequer em discurso. A centralidade da terra urbana para a justiça social desapareceu. Aparentemente a política urbana é resultado da soma de obras descomprometidas com o processo de planejamento. Os planos cumpriram o papel do discurso mas não orientaram os investimentos. Outros fatores como os interesses do mercado imobiliário, o interesse de empreiteiras, a prioridade às obras viárias ou de grande visibilidade, deram o rumo para aplicação dos recursos. O que mais se vê atualmente são planos sem obras e obras sem planos.
A sessão livre que ora se apresenta pretende analisar se diante do quadro apresentado o Brasil vive um neo desenvolvimentismo, um social desenvolvimentismo ou um crescimento predatório, avaliando os processos que ocorrem na esfera do território e na produção dos espaços urbanos e metropolitanos.
A sessão pretende congregar pesquisadores de importantes centros de pesquisa do país, USP UNICAMP, UFABC e UFPE, envolvidos na discussão sobre os sentidos desse novo momento vivenciado no país, e os rebatimentos territoriais da política federal vigente. 

Publicado
2018-10-19
Seção
Sessão Livre