SL - 44 TRANSFORMAÇÃO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS E CONSTRUÇÃO DA DEMOCRACIA NAS CIDADES SUL- AMERICANAS: PESQUISA COMPARADA ENTRE BOGOTÁ, QUITO E RIO DE JANEIRO

  • Iná Elias de Castro
  • Leonel Miranda Ruiz
  • David Parra Bozanno
  • Ana Marcela Ardila Pinto
  • Letícia Parente Ribeiro
  • Ana Brasil Machado
  • Hernando Cepeda Sánchez
  • Marcos Paulo Ferreira de Góis
  • André Felix
Palavras-chave: espaços públicos, projeto urbano, democracia

Resumo

As cidades sul-americanas, assim como suas congêneres europeias e norte-americanas, realizam na atualidade importantes projetos de transformação de sua configuração urbana. Atividades como a renovação, a requalificação e a reciclagem de áreas degradadas, a conservação de edificações e conjuntos arquitetônicos com valor histórico, artístico e cultural, a construção de grandes equipamentos, áreas de lazer e centros empresariais, e ações voltadas para a promoção de identidades socioculturais dos habitantes se tornaram elementos centrais das políticas dos governos locais, especialmente a partir da década de 1990.
Embora a construção de infraestruturas urbanas e a renovação do espaço físico das cidades não configurem fenômenos novos, os projetos desta natureza adquirem um caráter inovador, tanto por sua proposta política, espacial e simbólica quanto pelo contexto no qual estão inseridos. Sua execução ocorre no marco de profundas reformas econômicas e políticas que redefiniram os arranjos normativos na maior parte dos países sul-americanos.
A partir do final da década de 1980, diversos países do subcontinente realizaram reformas constitucionais que resultaram em processos de descentralização e desconcentração e transformaram as funções e competências políticas, administrativas e financeiras das cidades. Entre as mudanças mais importantes associadas às reformas, podemos mencionar a eleição popular de prefeitos, o aumento da participação dos governos locais nos orçamentos nacionais, a criação de tributos locais e a aplicação de instrumentos do planejamento estratégico e de gestão urbana. Em conjunto, as novas regras constituíram a base para a realização de projetos urbanos e para a configuração de um cenário democrático local, o qual assume novos significados à luz das demandas cidadãs, dos debates na esfera pública e das configurações espaciais das cidades.
Em relação a sua proposta espacial, estes projetos se caracterizam pela ênfase atribuída pelos gestores e agentes políticos à produção de espaços públicos, antes considerados marginais ou acessórios no planejamento urbano. Muitos destes projetos são concebidos como instrumentos para conter o caos urbano, diminuir a segregação, controlar o crescimento e melhorar a qualidade de vida nas cidades. Mas, principalmente, os espaços produzidos no marco destas intervenções sintetizam um novo ideal da vida urbana e do exercício da cidadania. Palcos da vida pública, estes espaços constituem lugares de interação, veiculação e negociação de diferentes visões da cidade, concentrando significações e expressando identidades múltiplas.
Ainda que muitas das intervenções urbanas ocorridas nas últimas décadas nas cidades sul-americanas tenham sido inspiradas em experiências importadas de outras latitudes, guiadas pelas recomendações de organismos multilaterais, ou pelo desejo de se integrar aos mercados globais, as formas, conteúdos e efeitos que assumiram em cada cidade são bastante distintos. É necessário, portanto, avançar no conhecimento das diferentes vias de realização destes projetos, enfatizado as continuidades e descontinuidades políticas, espaciais e simbólicas entre os diferentes contextos dos países sul-americanos, e sua influência na construção de formas mais democráticas de convivência entre os cidadãos. Para alcançar esse objetivo é preciso romper o tradicional isolamento de grande parte das instituições acadêmicas, dedicadas a compreender suas realidades mais imediatas, e desenvolver pesquisas abrangentes, que permitam construir um ambiente permanente de debates entre os pesquisadores da região.
Bogotá, Quito e o Rio de Janeiro são cidades que têm aprendido umas com as outras, porque apresentam problemas similares de segurança, segregação, pobreza, macrocefalia urbana, informalidade, cobertura insuficiente de serviços públicos, favelização, privatização do espaço público, poluição, entre outros. Mas também têm aprendido em virtude de suas diferenças, uma vez que suas vocações econômicas, sua composição étnica, seus modelos morfológicos e sua paisagem derivam de matrizes distintas. Por outro lado, os projetos de mobilidade urbana como o Transmilenio de Bogotá, Metrobus e a Ecovia de Quito e os corredores exclusivos de transporte público do Rio de Janeiro, as ciclovias, o dia sem carro, a renovação de seus centros históricos e os programas de formação dos cidadãos, entre outros temas, convocam os atores locais a discutir e a cooperar.
As cidades aqui enfocadas também têm se distinguido no cenário internacional pelo desenvolvimento de projetos urbanos que atribuem um lugar de destaque aos espaços públicos. São reconhecidos mundialmente os programas de construção de sistemas de transporte público, bibliotecas, ciclovias e parques em Bogotá; a renovação do centro histórico de Quito, área que foi tombada como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO; a construção de corredores exclusivos de transporte público, a requalificação da Avenida Brasil, o projeto Rio-Cidade, o Corredor Cultural e o programa Favela-Bairro no Rio de Janeiro.
A presente sessão livre propõe um exercício comparado de pesquisa a partir da experiência acumulada nestas três cidades, no âmbito da concepção, realização e gestão de projetos urbanos nas ultimas duas décadas. A proposta é debater de que modo fenômenos de ordem global, como o planejamento estratégico e os novos paradigmas de gestão urbana, dialogam e são recontextualizados e resignificados de acordo com as caraterísticas do lugar, da cultura, das condições econômicas e das práticas e expectativas dos cidadãos. Além disso, pretende-se superar a análise meramente funcional dos espaços públicos, que lhes atribui valor apenas em termos econômicos ou urbanísticos, desconhecendo seu papel como palco e enredo da vida pública e democrática na modernidade.
Em termos de seu referencial empírico, os trabalhos aqui apresentados analisarão o papel desempenhado pelos espaços públicos em projetos vinculados a diferentes setores de política urbana como a mobilidade (a partir dos exemplos dos corredores de transporte público massivo), a desmarginalização (enfocando as intervenções urbanas e a transformação dos usos sociais do bairro da Lapa, no Rio de Janeiro), a revitalização (a partir de uma reflexão sobre processo de revitalização do centro histórico de Quito) e a contenção do crescimento urbano (com ênfase para os projetos de criação de parques e corredores ecológicos em áreas limítrofes das cidades de Bogotá e do Rio de Janeiro).
A sessão reúne pesquisadores de diversas áreas de conhecimento, cujas investigações contribuem para a exploração das transformações dos espaços públicos nas cidades sul-americanas, tomando como ponto da partida a experiência de pesquisa acumulada e do intercâmbio entre os laboratórios Geoppol e Território e Cidadania do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o grupo de Sociologia Urbana da Universidade Federal de Minas Gerais, o mestrado em Gestão Urbana da Universidade Piloto de Colômbia e o Programa de Arquitetura da Universidade de las Américas, de Quito. A partir do intercâmbio das experiências dos grupos da pesquisa, pretende-se formular e desenvolver perspectivas teóricas e metodológicas mais relacionais e compreensivas. 

Publicado
2018-10-19
Seção
Sessão Livre