SL - 40 BNDES: O BANCO, O TERRITÓRIO E O MEIO AMBIENTE

  • Carlos Bernardo Vainer
  • Carlos Antônio Brandão
  • Clélio Campolina Diniz
  • Maurício Borges Lemos
  • Tânia Bacelar de Araújo
Palavras-chave: BNDES, Território, Meio ambiente

Resumo

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é atualmente uma das maiores agências de fomento do mundo, e tem se consolidado como um instrumento ativo tanto da política interna quanto da política externa brasileira. Este banco estatal figura como um dos pilares centrais dos processos de acumulação capitalista e de reconfiguração territorial por que passa o país, além de ser crucial na redefinição em curso dos padrões de integração subordinada do Brasil à economia internacional. Trata-se de uma instituição emblemática para entender como e quais projetos de governo foram postos em prática desde sua criação.
Após um período de consenso da supremacia neoliberal em que o Banco protagonizou o processo de privatização de empresas públicas brasileiras, o BNDES retomou sua função de instituição de fomento do desenvolvimento econômico em um contexto de inserção competitiva na economia internacional, sob condições externas e internas favoráveis associadas a novos arranjos políticos-institucionais.
O BNDES tem protagonizado processos de concentração, centralização e internacionalização de capitais brasileiros, notadamente a partir de 2003. Enquanto banco público, dispõe de meios financeiros, organizacionais e político-institucionais para promover o financiamento de longo prazo – o que permite intervir em setores estratégicos para o desenvolvimento, favorecendo processos de crescimento e ciclos de dinamização e intensificação do processo de acumulação de capital.
Em um contexto de forte crescimento das chamadas “economias emergentes”, quando a retomada do crescimento se afirma e reconfigura o padrão de inserção global do país pós-1990, o BNDES surge como agente decisivo dos processos econômicos, sociais, territoriais, ambientais e, por que não geopolíticos.
Mais que mero executor de políticas emanadas de outros centros decisórios, o BNDES pode ser considerado como um dos principais centros de formulação, definição e execução de programas de investimento. Apoia de maneira decisiva a internacionalização de grandes grupos e constitui o principal suporte dos investimentos em infraestrutura logística, reunidos em iniciativas como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de âmbito nacional, e a IIRSA, convertida em agenda de “integração física” do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) da União das Nações Sul-Americanas– de abrangência regional.
Destacam-se ainda em sua atuação as associações diretas entre empresas privadas e estatais, as parcerias público-privadas – a exemplo do que ocorre no setor elétrico –, e maciços suportes financeiros por parte do Estado a empresas privadas, nacionais e estrangeiras, com destaque para os setores de infraestrutura, energia e commodities.
Uma análise pormenorizada da atuação do Banco suscita questionar em que medida estar-se-ia diante de um novo modelo de desenvolvimento. A intervenção estatal em tais bases possibilita ilações a respeito da recriação do tripé que sustentara o período desenvolvimentista – Estado, capital nacional e capital estrangeiro –, ainda que sob novas circunstâncias (com destaque para a hegemonia do capital financeiro)?
Tais questões não são destituídas de pertinência, vista a relevância do debate acerca de processos de desindustrialização, “reprimarização” (Cano, 2012) ou mesmo do que estaria se tornando um novo período de predomínio do pensamento desenvolvimentista (Tavares, 2010). Ainda, os investimentos de grandes grupos econômicos brasileiros para além das fronteiras nacionais, resgata o debate acerca de um possível “sub-imperialismo” brasileiro. Quais os efeitos socioespaciais de tais processos?
O grande aporte aos investimentos infraestruturais e a consolidação de grandes grupos econômicos nacionais, com destaque para os setores de commodities, energia e construção civil, são as principais vertentes de atuação do Banco. Por outro lado, há que mencionar, igualmente, sua ação no apoio aos chamados “arranjos produtivos locais”, cujos efeitos territoriais localizados podem, em certos casos, ser expressivos apesar de uma escala limitada.
Tomando como referência o início dos anos 2000, ao analisar o estudo denominado “Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento”, Diniz (2003) avalia que a orientação do referido estudo teve implicações contraditórias às intenções manifestadas e à própria ideia de redução das desigualdades regionais do país. Entre outros aspectos atesta que apesar de tratarem de eixos de integração e desenvolvimento, sua integração e vinculação eram entre regiões produtoras e portos, tendo um caráter enfaticamente exportador, desprezando o potencial de integração entre as regiões de um país continental como o Brasil. Ainda, destacava a pouca atenção conferida ao MERCOSUL - a despeito desse objetivo ser enunciado - uma vez que todos os eixos eram orientados para o Atlântico.
Retomou-se a análise para lançar luz aos projetos financiados pelo BNDES no âmbito do PAC e da IIRSA (COSIPLAN) e seus efeitos territoriais. Se, por um lado, parece estar superado o abandono da integração sul-americana, por outro lado, a ênfase exportadora está presente nos projetos infraestruturais em execução no país. Segundo Brandão (2011), tais projetos de crescimento econômico, circunscritos e ancorados apenas no suporte infraestrutural e na rápida e eficiente exploração de recursos naturais, encontram dificuldades em se transformar em estratégia de nacional e latino-americana de desenvolvimento e planejamento territorial.
Já Araújo (2012) destaca a importância das políticas setoriais ao atuarem na dimensão regional, ainda que de maneira implícita, uma vez que políticas explícitas de desenvolvimento regional perderam importância. Nesse sentido, avalia como “janelas de oportunidade” os investimentos em energias renováveis, os investimentos industriais que têm como carro-chefe o setor de petróleo e gás e os investimentos na fronteira Oeste do país, via integração da América do Sul, capazes de alterar a dinâmica territorial concentrada no litoral.
Diante da breve apresentação da complexidade que envolve o desenvolvimento brasileiro, a abordagem escolhida para discutir este processo é a análise das ações e repercussões territoriais do BNDES, uma vez que ele é uma importante estrutura que permite visualizar o reescalonamento da estatalidade (Brenner, 2004, apud, Brandão 2011) - a ação do Estado para além do aparelho do Estado, um conjunto de relações sociais distintivas incorporadas ou expressas através das instituições do Estado. Nesse sentido, o banco é assumido enquanto produtor de espaço social em múltiplas escalas espaciais (Brandão, 2011). Desta forma, procura-se “fugir, seja das concepções de estruturas carentes de sujeitos, seja das análises de “atores” ou agentes apartados de estruturas.” (Idem, 2010: 44).
Assim, a sessão tem por objetivo discutir a atuação do Banco na reconfiguração das relações entre sociedade, Estado e capital privado (nacional e estrangeiro) e seus efeitos sobre as dimensões espaciais do processo de acumulação do capitalismo brasileiro. Buscar-se-á discutir se, e em que medida, um novo padrão de territorialização do capitalismo brasileiro estaria emergindo das atuais formas de inserção da economia brasileira na economia mundial e dos padrões de associação entre Estado e capital privado no Brasil.
Parte-se das premissas de que o território - entendido como fruto de relações de poder que competem no espaço geográfico, sendo este lócus de conflitos - é investido pelo Estado e pelo Capital, e de que o Capital se realiza do território. Mas, como ele se territorializa? O Estado abdica de um projeto territorial, ou não? Para Vainer (2007), ações setoriais têm sido mais decisivas na estruturação do território nacional do que políticas explicitamente voltadas para
o ordenamento territorial.
Mesmo que não haja necessariamente tal projeto, certamente será necessário considerar, neste debate, que a apropriação e expropriação dos abundantes recursos territoriais e a acumulação primitiva permanente foram elementos fundantes da nossa história até aqui. O território heterogêneo e de grande porte desempenhou papel estratégico nessas táticas subordinadas e covardes de nossas elites. Transformado em mera base operativa e plataforma de simples circulação de capitais usurários e lócus da predação e degradação humana e ambiental, o objeto passou a ser visto como objeto inerte. (Brandão, 2010: 67)
É neste sentido que se propõe discutir a dimensão territorial das relações entre o Estado brasileiro e o Capital através das ações do BNDES.
Para tanto, participarão do debate proposto para a Sessão Livre “BNDES: o banco, o território e o meio ambiente” os professores e pesquisadores Carlos Brandão, Clélio Campolina Diniz, Maurício Borges Lemos e Tânia Bacelar de Araújo, cujas contribuições à compreensão das dimensões territoriais/regionais no Brasil tem sido decisivas, apresentarão suas análises a respeito da atuação do BNDES e seu papel no processo de desenvolvimento do capitalismo brasileiro recente.

Publicado
2018-10-17
Seção
Sessão Livre