SL - 33 NOVOS ATORES, TERRITÓRIOS E TECNOLOGIAS NA GESTÃO DO SANEAMENTO NO BRASIL

  • Ana Lúcia Nogueira de Paiva Britto
  • Sonaly Rezende
  • Ana Lúcia Britto
  • Hermelinda Maria Rocha Ferreira
  • Alexandre Sávio Pereira Ramos
  • Sebastião Venâncio de Castro
Palavras-chave: saneamento básico, gestão pública, políticas públicas

Resumo

O acesso aos serviços de saneamento básico é hoje uma questão central nas cidades do país. Parcelas mais pobres da população urbana, sobretudo nas periferias metropolitanas, e grande parte da população rural, ainda encontram-se excluídas do acesso aos serviços com reflexos na saúde humana, e na qualidade do meio ambiente. O estudo Panorama do Saneamento Básico, que subsidia o PLANSAB, Plano Nacional de Saneamento Básico, estima que nas áreas urbanas existam 3,3 milhões de habitantes com abastecimento de água precário, reconhecendo que a insuficiência na qualidade e quantidade de água distribuída se constituem em formas de acesso precário. Nas áreas rurais esse número é de 8,8 milhões de pessoas. O mesmo estudo considera como déficit de atendimento em esgotamento sanitário, além da inacessibilidade ao seu afastamento, dos domicílios, a parcela da população interligada a rede, mas não servida por sistema de tratamento. Em áreas urbanas, este tipo de déficit atinge cerca de 31,2 milhões de habitantes.
Apesar do déficit, os últimos anos indicam aspectos positivos na busca pela universalização do acesso ao saneamento. Desde 2007, o setor conta com a Lei 11.445, que trouxe importantes orientações para a política e para a prestação dos serviços. Destaca-se, neste marco regulatório, a adoção de um conceito amplo de saneamento básico, englobando quatro componentes, o abastecimento de água potável; o esgotamento sanitário; a limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e a drenagem e manejo das águas pluviais urbanas; a priorização do acesso aos serviços à população de baixa renda; afirmação do papel do essencial do Estado e do caráter de serviço público do saneamento; a afirmação dos conceitos de regulação, planejamento e avaliação dos serviços; a implantação de regras claras para a delegação dos serviços, dentre as quais a necessidade de plano municipal e de consulta pública; o reconhecimento do controle social como um dos instrumentos da gestão.
A Lei 11.445/2007 determina os princípios que devem orientar a prestação dos serviços: universalização do acesso; integralidade, compreendida como o conjunto de todas as atividades e componentes de cada um dos diversos serviços de saneamento básico, propiciando à população o acesso na conformidade de suas necessidades e maximizando a eficácia das ações e resultados; equidade, sustentabilidade e adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais. Esses princípios, extremamente justos e adequados, colocam para os atores públicos envolvidos na gestão dos serviços, isto é, municípios e estados, assim como serviços públicos municipais e companhias estaduais responsáveis pela prestação dos serviços, na maior parte dos municípios brasileiros, um enorme desafio: quais caminhos levam à universalização do acesso aos serviços, incluindo todos os segmentos populacionais, urbanos e rurais, e a eventuais soluções individuais que podem ser consideradas adequadas.
Observa-se que o setor de saneamento apresenta uma forte resistência à mudanças, o que no âmbito da ciência política é caracterizado como dependência de trajetória. As estruturas e as lógicas de gestão do PLANASA ainda permanecem vivas. A reforma iniciada no governo Lula, com o estabelecimento de novo marco legal para o setor, não consegue se implantar de forma plena, entre outras razões, pela inércia dos arranjos prévios. A resiliência do setor se expressa na resistência a criar e fazer valer instâncias de controle social, a adotar territórios de gestão compartilhados, a estabelecer parcerias público-público, onde municípios e estados da federação se coloquem em igualdade de condições e dividam efetivamente as decisões relativas a gestão dos serviços, a adotar novas matrizes tecnológicas, que não sejam padronizadas e que possam incorporar as particularidades e a se adaptar ao contexto local, dentro de uma perspectiva maior de sustentabilidade.
Em uma análise mais geral, a resiliência sobressai apesar do novo marco regulatório e da iniciativa de elaboração e discussão pública de um plano nacional para o setor, o PLANSAB, pautado na perspectiva da mudança. Contudo, se a afirmativa anterior é válida, nas análises mais particulares, focadas nos contextos locais e/ou regionais, uma série de experiências sinalizam possíveis caminhos para a mudança no setor de saneamento. Observa-se que essas mudanças ou inovações nem sempre são no sentido da promoção dos princípios apontados pela Lei 11.445/2007, mas elas mostram que, junto com a resistência à mudança, há também o movimento no sentido de dar uma nova dinâmica ao setor.
Assim, nos últimos anos, diferentes experiências inovadoras, tanto em termos de organização institucional da gestão como em termos de soluções tecnológicas, vêm sendo colocadas em prática. A discussão e a avaliação dessas experiências vêm mobilizando equipes de pesquisadores de diferentes instituições brasileiras, que já vem atuando de forma colaborativa desde 2005.
A articulação atual das pesquisas se faz dentro do projeto denominado Desafio, financiado pela Comissão Européia e coordenado pela universidade de Newcastle, Inglaterra. O tema que articula as pesquisas, oriundas de diferentes disciplinas associadas ao planejamento urbano e regional, no âmbito do projeto Desafio, envolve a discussão da efetividade, eficácia e eficiência de políticas, programas e projetos de saneamento básico no Brasil. A partir desse tema, as pesquisas em curso identificaram a emergência de novos atores, novas formas de ação pública e novos modelos sócio-técnicos na gestão do saneamento, ao mesmo tempo em que se observa uma certa reconfiguração dos territórios relacionados a essa política pública. Observando os principais atores do setor, verifica-se que algumas companhias de saneamento abriram seu capital na bolsa, e mesmo ainda tendo os governos estaduais como acionista majoritários, acabam por modificar sua lógica de ação, de maneira a garantir seu lugar no mercado e responder aos interesses dos acionistas. Estas estratégias envolvem a reconfiguração dos territórios e dos setores de ação dessas empresas públicas.
Do lado de outros atores importantes do setor, isto é, dos serviços municipais, observa-se também novas linhas de ação, possibilitadas pela Lei 11.107/05 que regulamenta a cooperação interfederativa. Esta lei traz a possibilidade de constituição de consórcios intermunicipais que podem assumir uma série de funções na gestão dos serviços, reorganizando territórios de gestão de forma alternativa ao modelo das companhias estaduais.
No que diz respeito aos modelos tecnológicos, experiências realizadas em áreas de ocupação irregular nos territórios metropolitanos ou ainda no contexto rural, onde tecnologias alternativas se associam à participação comunitária, colocam em discussão a possibilidade de novos caminhos para acesso aos serviços, onde a democratização do acesso pode se dar via modelos sócio- técnicos inovadores.
Assim, reconhecendo a pertinência do momento atual, onde está em pauta o novo plano para
o setor, o PLANSAB, a ser adotado ainda no governo da presidente Dilma Roussef, e da ANPUR, como fórum de debate sobre os caminhos do planejamento urbano e regional no Brasil, propõe-se essa sessão livre sobre os atores do setor de saneamento e suas formas de ação, os novos territórios de gestão, assim como os novos modelos sócio-técnicos em desenvolvimento, tendo como horizonte a perspectivas de uma mudança nos rumos do saneamento básico no Brasil na direção de uma gestão orientada pela à eficiência, efetividade e eficácia.

Publicado
2018-10-17
Seção
Sessão Livre