SL - 32 URBANIZAÇÃO E MUNDIALIZAÇÃO – QUESTÕES DE PESQUISA
Resumo
Recentemente a pró reitoria a Universidade de São Paulo aprovou o projeto Urbanização e mundialização: novos processos de produção do espaço urbano constituindo um núcleo de apoio à pesquisa que congrega pesquisadores de diferentes nacionalidades e de diferentes unidades das universidades estaduais paulistas. Essa proposta pretende apresentar dimensões dessa pesquisa bem como publicizar alguns de seus pressupostos e resultados iniciais. Dessa perspectiva, a proposta pretende potencializar o cruzamento de saberes disciplinares relacionados à compreensão do fenômeno urbano, reexaminando os processos de conformação e configuração da cidade, a fim de possibilitar a apreensão de novas morfologias socioespaciais e suas relações com os novos conteúdos do processo de urbanização, como por exemplo:
-os novos mecanismos financeirizados de produção da habitação, em que se misturam habitação social e de mercado; novas combinações entre legalidades e ilegalismos (pelas “dobras entre o legal e o ilegal”), em especial nos territórios destinados à moradia e à vida das camadas populares; processos de conformação e configuração da cidade nos quais se constatam práticas voltadas quase sempre ao desenvolvimento de mercados locais conectados à internacionalização e à terceirização da economia mundial; o aprofundamento da segregação e deterioração dos espaços públicos, que constitui reconfigurações e continuidades redefinidas da morfologia urbana em suas relações entre sociabilidades e espaços; os vínculos entre essas transformações e metamorfoses e os conflitos sociais que eclodem como lutas pelo espaço.
Umas das linhas de força que estruturam essa proposta tem por base a necessidade de compreender o espaço urbano e suas transformações recentes no bojo do processo de mundialização, levando-se em conta uma reestruturação produtiva que se desdobra espacial e socialmente por meio de uma nova relação entre poder político e setores financeiros visando a ampliação da base social necessária ao processo de acumulação, em contradição com as necessidades da reprodução da vida urbana. Tal processo pode ser apreendido, a partir do movimento de valorização, desvalorização e revalorização imobiliária, o que implica na destruição de lugares, na redefinição de investimentos públicos e privados, na transformação de usos, de caminhos e trajetos. Nesse sentido, o processo contemporâneo de reprodução da cidade e da metrópole ilumina e dá potência à contradição entre a produção socializada do espaço e sua apropriação privada, o que aponta para a necessidade de compreensão dos conflitos e resistências que daí emergem. Assim para compreender essas novas realidades é preciso elucidar dimensões e determinações que se desdobram nos conteúdos que dão lugar : às operações urbanas como movimento de reprodução do espaço que parecem apontar para novos conteúdos do processo de urbanização; as renovações urbanas que redefinem o papel da cultura e do patrimônio nos processo de valorização do espaço; os mecanismos legais de articulação do financeiro com o imobiliário e o modo de realização da propriedade privada do solo urbano; a criação de projetos de moradia popular através do crédito imobiliário (Programa Minha Casa Minha Vida entre outros); a criação de um setor de serviços modernos e redefinição das formas de comércio; os discursos e as políticas chamadas de sustentabilidade urbana e a reprodução e aprofundamento da segregação; as práticas e movimentos de resistência aos processos hegemônicos de valorização
Deste modo é possível pensar que a mudança da orientação do processo de acumulação aponta para o fato de que a reprodução capitalista se apresenta como dimensão estratégica, que apela para processos sempre renovados sem excluir as práticas tradicionais. Seria então possível apontar que, no momento atual, a estratégia da acumulação se realiza através da reprodução do espaço urbano demonstrando que o processo de valorização reproduz as cidades e em especial as metrópoles como negócio, através do espaço como elemento produtivo do processo de acumulação. No plano teórico, a universalidade deste processo – que todavia, não elimina as determinações específicas do lugar - exige várias formas de aproximação superando a tradicional divisão do conhecimento, do mesmo modo que a extensão do fenômeno e suas implicações superam o plano nacional.
Desse modo, essa proposta entende que, para abordar a problemática das cidades contemporâneas é preciso lançar mão de novas proposições, formas e parâmetros de compreensão das dinâmicas recentes de transformação territorial e espacial. Trata-se de buscar uma compreensão dos processos de produção das cidades, num campo de estudos necessariamente interdisciplinar visto que a cidade não pode ser reduzida a objeto de uma única disciplina. A partir dessa proposição, a sessão livre se propõe a apontar alguns dos pontos de inflexão em práticas e ideias que fundamentam, produzem e reproduzem a cidade contemporânea e as concepções relativas à compreensão de seus processos de produção, numa articulação teoria/realidade urbana e localização/mundialização, rediscutindo os marcos de compreensão e de práticas espaciais e de intervenção, através de uma compreensão crítica sobre essas mesmas práticas e intervenções e sobre políticas “públicas” que se realizam na contramão de usos e necessidades sociais, vinculando-se ao fluxo dos novos processos que vinculam em espiral a reprodução e acumulação do capital e a produção das novas faces e esferas do espaço urbano em seus desdobramentos sobre a vida cotidiana.
Aponte-se ainda que a fundamentação dessa proposta tem por base a articulação de um conjunto de pesquisas que vêm sendo realizadas sobre a cidade e o urbano no Brasil, num diálogo com pesquisadores estrangeiros sobre os processos que indicam mudanças no quadro dos atores, das transformações e dos resultados de intervenção nas cidades contemporâneas. Dessa perspectiva, é importante observar que se pretende compreender a sinalização de uma transformação no modo como o capital financeiro se realiza nos espaços urbanos de hoje pela passagem da aplicação do capital do setor produtivo industrial ao setor imobiliário, associado ao conjunto das indústrias voltadas à construção civil. Essa sinalização apontaria então que o espaço-mercadoria mudou de sentido com a mudança da orientação das aplicações financeiras, desenhando o espaço enquanto “produto imobiliário”. Esse processo requer uma outra relação Estado x espaço – pois só o Estado é capaz de atuar no espaço da cidade através de políticas que criam a infraestrutura necessária para a realização deste “novo ciclo econômico” – bem como um outro patamar de relações entre produção de espaço urbano e capital financeiro, em que o primeiro se torna momento significativo, condição e produto da realização desse mesmo capital. Essas sinalizações e novas dimensões da reprodução do espaço, no contexto mais amplo do processo de urbanização e constituição de tecidos urbanos ainda apontam: para a desconcentração do setor produtivo e a acentuação da centralização do capital, bem como para a criação de um outro conteúdo para o setor de serviços (basicamente o que se desenvolve é o setor financeiro e de serviços sofisticados e com ele, uma série de outras atividades de apoio como aqueles de informática, serviços de telecomunicações, consultorias); para um novo momento do processo produtivo no qual novos ramos da economia ganham importância – particularmente o que se denomina “nova economia” ( o setor do turismo e lazer, por exemplo, bem como a redefinição de outros setores, como é o caso do comércio e serviços para atender o crescimento destas atividades), processo que se caracteriza por poderosos mecanismos de controle simbólico e de transformação da paisagem urbana; para um movimento de transformação do dinheiro em capital, que percorre preferencialmente, outros caminhos (a criação dos fundos de investimento imobiliários atesta, por exemplo, que o ciclo de realização do capital se desloca para novos setores da economia reproduzindo os lugares como condição de sua realização); para uma nova relação estado/espaço – que aparece, por exemplo, através das políticas públicas que orientam os investimentos em determinados setores e em determinadas áreas da cidade com a produção de infraestruturas e “re-parcelamento” do solo urbano em operações urbanas e requalificação de áreas (principalmente centrais) por meio da realização de “parcerias” entre a agências do Estado e setores privados; para a centralização do capital financeiro em alguns núcleos metropolitanos em relação ao resto do território brasileiro; para a caracterização de novas formas de segregação associada ao aprofundamento da desigualdade sócio-espacial, uma vez que a transformação do espaço em mercadoria entra em conflito com as necessidades de realização da vida urbana como momento necessário à reprodução do capital
Assim, pretendemos discutir e compreender os entrelaçamentos entre: por um lado, a produção de novos espaços sob a forma de “produto imobiliário”, numa estratégia que associa várias frações do capital; e, de outro, a inclusão precária de uma classe de baixo poder aquisitivo ao mercado e ao cotidiano através de políticas públicas de "inclusão social".