SL - 24 URBANO, CIDADE E ESPAÇO (E SUAS INTERCONEXÕES) NO PENSAMENTO DE HENRI LEFEBVRE: REFLEXÕES SOBRE A APROXIMAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA URBANA
Resumo
O pensamento de Henri Lefebvre tem sido motivo de debates e controvérsias, especialmente em torno dos conceitos de urbano, cidade e espaço. Se por um lado isto tem significado, talvez em razão de leituras superficiais ou equivocadas, questionamentos ao pensamento livre desse filósofo, por outro lado, tem resultado em efeitos positivos uma vez que colocam em evidência, de forma cada vez mais intensa, a sua contribuição para o pensamento crítico sobre a sociedade e suas transformações. Uma “cobrança”, relacionada ao entendimento de seu pensamento refere-se à relação entre teoria e evidências empíricas e, principalmente, entre teoria e prática. Tais cobranças vão do entendimento dos significados de urbano e “urbanização completa” (Veiga, 2004, 2006) até a suposta recusa de Lefebvre em se aproximar do espaço real materializado em sua teoria sobre a produção do espaço.
David Harvey (2009: 304) assim escreve sobre esta questão: “Ele [Lefebvre] elabora uma devastadora crítica de concepções cartesianas, do absolutismo político que advém de concepções absolutas do espaço, das opressões que se abatem sobe o mundo devido a uma espacialidade racionalizada, burocratizada, definida tecnocrática e capitalisticamente. Para ele, a produção do espaço tem de permanecer uma possibilidade interminavelmente aberta. O efeito, infelizmente, é deixar frustantemente indefinidos os espaços reais de alguma alternativa. Lefebvre se recusa a fazer a fazer recomendações específicas. (...) Recusa-se a enfrentar o problema de base: o fato de que materializar o espaço e comprometer-se com o fechamento (ainda que de modo temporário), o que constitui um ato autoritário. (...) Se, por conseguinte, se deseja pôr alternativas em prática, não se pode fugir eternamente do problema do fechamento (e do autoritarismo que ele pressupõe)”.
Haveria de fato uma recusa de Lefebvre em enfrentar o problema? Em entrevista publicada em 1990 (Espaço e Debates, n. 30, 1990, p. 67), há uma interessante fala de do autor sobre isto: “Entrevistador: Não acha que a ação implica uma opção reduzida? Não existem duas lógicas, a do cidadão Lefebvre e a do filósofo Lefebvre? H. Lefebvre: É uma questão que não tem resposta porque eu não tenho experiência. Nunca tive influência direta. Tive indireta, mas só como subproduto. Admito que se me fosse dada a responsabilidade – e gostaria de pensar nisso antes de aceitar -, poderia ver elementos básicos dos problemas, as formas e o espaço. Talvez depois de um longo e ponderado exame aceitaria, mas não com certeza, pois é uma enorme responsabilidade”.
Enfim, acreditamos que a principal contribuição de Lefebvre é teórica. Isto está presente em suas reflexões sobre o urbano, o espaço diferencial e a necessidade da prática (práxis) socioespacial como forma de realização da sociedade urbana (Lefebvre, 1999, 2003). Em “A revolução urbana” Lefebvre assim se refere ao conceito de sociedade urbana: “Trata-se de uma hipótese teórica que o pensamento científico tem o direito de formular e de tomar como ponto de partida. Tal procedimento não só é corrente nas ciências sociais, como necessário. Não há ciência sem hipóteses teóricas” (1999, 16, destaque no original). A respeito desta contribuição teórica vale reproduzir as palavras e Hofman e Lebas (1986): "Ser Lefebvriano, tem que ser dito, é mais uma sensibilidade do que um sistema fechado; e de fato, muitos têm achado seus insights teóricos difíceis de serem aplicados devido à fluidez, dinâmica e abertura de seu pensamento. Uma evidência provavelmente perfeita disto está em uma de suas respostas mais comuns, 'sim e não'” (1996: 8, destaque no original). Estaria esta passagem de Hofman e Lebas corroborando a afirmação de Harvey sobre a recusa de Lefebvre? Ou, ao contrário, estaria tão somente reafirmando aquilo que de fato é a intenção de Lefebvre: por meio de um recurso à filosofia, jogar luzes para refletirmos sobre possibilidades de transformações sociais mais amplas? As reflexões de natureza fluida, aberta e dinâmica não permitiriam ou dificultariam a construção de categorias de análise empírica, às vezes necessárias para a aproximação com a realidade?
A proposta da Sessão Livre é a de reunir reflexões sobre as questões aqui colocadas. De alguma forma a sessão dá continuidade às discussões iniciadas no Encontro Nacional da Anpur de 2011, no qual a proposta era a de refletir sobre uma possível banalização do conceito de “o direito à cidade”. Ou seja, trata-se de uma questão semelhante à que se propõe para a presente Sessão Livre: ambas procuram discutir a possibilidade de aproximação entre teoria e prática a partir do pensamento de Henri Lefebvre. Algumas das questões postas para reflexão poderiam ser: Haveria na vasta produção de Lefebvre uma proposta de teoria sobre a cidade ou o urbano (teoria urbana)? O que é a cidade quando Lefebvre nos fala de o direito a ela? (Lefebvre, 2008). É real, concreta? Ou é uma virtualidade, sinônimo de urbano? (Lefebvre, 1999). Havendo ou não uma teoria da cidade (teoria urbana), o pensamento de Lefebvre traz contribuições importantes para isto? O uso das suas reflexões teóricas para a análise e o planejamento urbanos significa redução de seu pensamento? Não seria a teoria também uma forma de prática (Folha de São Paulo, 2003: Entrevista com Adorno)? Como outros autores identificados com a problemática urbana avaliam e/ou utilizam a contribuição teórica de Lefebvre? Reflexões sobre nossas práticas – heterônomas e autônomas – poderiam contribuir para avaliar a contribuição de Lefebvre e de pensadores lefebvrianos para a aproximação entre teoria e prática? Por fim, uma pergunta provocativa: Precisamos de mais (novas?) reflexões teóricas para a realização de uma aproximação com a prática? Qual teoria? Qual prática?