SL - 23 AGENDA REGIONAL - CERRADOS BRASILEIROS: DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Resumo
O fenômeno da globalização das últimas décadas foi impulsionado pela economia mundial e, conseqüentemente, pelas oportunidades de investimento e lucro. Esse processo gerou o desenvolvimento da economia mundial, porém sem resultado correspondente no desenvolvimento social e ambiental do planeta. Pelo contrário, o crescimento econômico vem gerando um impacto negativo na dimensão social, com a concentração de renda e o aumento da exclusão social.
Na dimensão ambiental, o desequilíbrio expressa-se na intensidade de uso dos recursos do planeta, ultrapassando a capacidade da Terra de se auto-regenerar. O Centro-Norte, com o bioma Cerrado, o pantanal e a mata tropical, se insere num contexto em que o processo de ocupação dos Cerrados torna irreversível sua auto-regeneração.
O processo de ocupação, visando o desenvolvimento econômico da região, não tem levado em conta as conseqüências ambientais e sociais que impactam desde as pequenas cidades, que se desertificam populacionalmente por falta de opções dignas de sobrevivência, sobretudo para os jovens, até as médias e grandes que sofrem com as pressões do movimento migratório que demanda, nas cidades, cada vez mais moradias, saúde, educação, emprego.
Diante deste cenário, a partir do final da década de 80, e particularmente durante a década de 90, ocorre um movimento mundial que propõe um novo posicionamento para o setor privado, ao introduzir o conceito de desenvolvimento sustentável. Este conceito estabelece que o crescimento econômico, o progresso social e a preservação ambiental são fatores interdependentes e indissociáveis. Eles devem ser vistos com igual importância, pois da mesma maneira que o desenvolvimento econômico não se sustenta sem uma contrapartida ambiental e social, estes dois também não se sustentam sem a contrapartida econômica. Ousamos enquadrar a ocupação dos Cerrados no Centro-Oeste como resultado da transferência de tecnologia podre dos centros mais devolvidos para a periferia do sistema capitalista. Essa ousadia está na constatação de que, nos países de origem do grande capital, existe uma grande intolerância quanto ao uso de produtos que podem causar algum dano à saúde de quem os maneja, como também de quem os consome. Essa intolerância vem tanto dos consumidores quanto das autoridades ligadas à saúde humana. Na medida em que o uso desses produtos é rigorosamente controlado, até mesmo proibido em seus países de origem, a tendência do poder econômico é buscar novos espaços onde eles possam ser utilizados com o mínimo de controle tanto dos governos como dos setores da sociedade civil. O processo de ocupação dos Cerrados no Centro-Oeste brasileiro não é recente, remontando aos tempos em que a presença humana se fazia presente por meio dos caçadores e coletores de frutos e de muitos outros alimentos próprios dos Cerrados. Cabe salientar que esse processo de ocupação primitivo não implicava ameaças ao bioma Cerrado, pois havia sintonia entre o Homem e a Natureza. A extração dos produtos naturais não tinha caráter econômico, destinando-se exclusivamente à sobrevivência de seus habitantes.
A dinâmica econômica do Centro-Oeste assume caráter perverso, sobretudo a partir dos anos 1970, quando o Estado Brasileiro (era dos governos militares) decide aprofundar a lógica da interiorização do desenvolvimento, iniciado em meados dos anos 1930 com o Governo Vargas. São vários os processos humanos de ocupação dos Cerrados com fins econômicos: a exploração do ouro e de pedras preciosas (Século XVIII); a criação extensiva de gado (a partir do Século XIX) e, mais recentemente, a produção de commodities, processos esses que consolidaram a presença humana nos espaços urbanos.
Por que o período pós 1970 é considerado o mais devastador do ponto de vista ambiental e social? Porque as atividades produtivas, não só no Centro-Oeste, mas em todo o país, a partir da década de 70 passam a se orientar por uma dinâmica econômica que procura a maximização dos investimentos a todo custo. É o período da entronização real do capitalismo na sociedade brasileira, quando este, já amadurecido, encontra-se pronto para sua inserção internacional. Para essa inserção, mais do que nunca, existe a necessidade de se abrirem novas fronteiras e modernizar a produção e sua forma de organização política, social e ideológica.
As conseqüências ambientais que resultam da forma predatória de como o capital se apropria das terras dos Cerrado no Centro-Oeste são muitas. Nas décadas de 70 e 80, houve o deslocamento da fronteira agrícola para o Centro-Oeste, com base em desmatamentos, queimadas, uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, cujos efeitos antrópicos modificam as áreas dos Cerrado, tendo como conseqüência o aparecimento de grandes voçorocas, o assoreamento dos cursos d’água e o envenenamento de ecossistemas. Essa decisão de expandir as atividades agrícolas exigiu o uso indiscriminado de agrotóxicos que, por sua vez, contamina o solo e as águas e compromete mais ainda as bacias hidrográficas já ameaçadas em decorrência de sua exploração exaustiva para uso da agricultura irrigada. Atualmente, cerca de 70% do Cerrado são utilizados para a agropecuária, principalmente para o cultivo da soja.
Somente a partir da década de 1990 é que os Cerrados passam a ocupar a agenda ambiental, primeiro nas academias e, posteriormente, nas instituições governamentais. Nesse sentido, governos e setores organizados da sociedade começam a debater sobre como conservar o que restou do Cerrado, com a finalidade de buscar tecnologias embasadas no uso adequado dos recursos hídricos, na extração de produtos vegetais nativos, nos criadouros de animais silvestres, no ecoturismo e em outras iniciativas que possibilitem um modelo de desenvolvimento sustentável e justo.
Lamentavelmente, os Cerrados continuam sendo um bioma ainda esquecido pelos brasileiros, até mesmo pelas pessoas que habitam o Centro-Oeste e que vêem com bons olhos
o processo de desenvolvimento pelo qual está passando. Ou seja, o próprio homem do Centro-Oeste não leva em consideração a biodiversidade presente nesse bioma e as ameaças que pairam sobre ele com a perspectiva do “progresso”. No dizer de CORRÊA (2000), “durante a construção de Brasília, não houve preocupação com a preservação do cerrado: afinal, ali estava a “vegetação lixo do Brasil”, que precisava ser eliminada para ceder espaço à urbanização”. Palavras duras, mas que expressam a concepção que os empreendedores tinham dos Cerrados e que, abruptamente, a partir dos anos 1970, foi se alterando, tendo como base os estudos da Embrapa que sinalizavam para o seu aproveitamento produtivo. O fato é que, em pouco menos de quarenta anos, a paisagem dos Cerrados no Centro-Oeste mudou radicalmente em função dos interesses estruturais do desenvolvimento econômico brasileiro. Para isso, o Estado brasileiro formulou políticas de investimentos que implicaram a implantação de infra-estrutura e disponibilizaram fartas linhas de crédito, muitas, inclusive, a fundo perdido. Ressalte-se que tudo isso foi levado a efeito sem se levar em consideração as conseqüências ambientais. A esse respeito, CORREA (2000), conclui que,
A efetivação de medidas legais como a criação de reservas legais e promoção de cuidados contra a erosão no manejo do solo pode servir de justificativas para a concretização de atividades que, apesar dessas medidas, continuam sendo impactantes ambientalmente. O PRODECER é um exemplo dessa realidade. Ao mesmo tempo em que os seus planejadores admitem a ocorrência dos danos ambientais provocados pela agricultura moderna no Cerrado, este Programa tem sido um indutor da expansão da fronteira agrícola, a fim de contribuir com a ampliação da oferta de grãos nos mercados mundiais. No entanto, pouca atenção foi destinada ao impacto ocasionado ao meio ambiente. Em decorrência, houve a perda de parte da biodiversidade, cujas potencialidades econômica, científica e medicinal não são nem sequer totalmente conhecidas. Embora não exista uma avaliação global sobre os danos provenientes dessa rápida incorporação produtiva, que se iniciou nos anos setenta é possível afirmar que esta proporcionou desmatamentos constantes, compactação e erosão dos solos, contaminação das águas por agrotóxicos, destruição das matas de galerias, invasão de plantas e faunas exóticas alterando o equilíbrio dinâmico do ecossistema.
Os efeitos ambientais desse processo de ocupação perversa, em decorrência das atividades humanas, permanecem castigando o território centroestino até os dias de hoje, contraditoriamente, como constata Correa, quando observa que há “desequilíbrio, francamente favorável a alguns setores da sociedade e desfavorável para o meio ambiente”. No caso específico do Centro-Oeste, é papel das Universidades propor essa discussão visando não somente provocar a consciência dos atores sociais sobre as possibilidades de desenvolvimento, mas também analisar as ameaças que pairam sobre a Região, já que os problemas ambientais atuais são conseqüências do processo de ocupação dos Cerrados, estimulada sobretudo a partir dos anos 1970, na perspectiva exclusiva de se produzir commodities.
Numa iniciativa conjunta, os Programas de Pós-Graduação a seguir, que reúnem preocupações com os métodos adotados pelo Desenvolvimento Regional, sem considerar as especificidades dos Cerrados Brasileiros em geral e do Centro-Oeste em particular, propõe esta Sessão Livre com a finalidade de discutir o processo de sua ocupação dos Cerrados e analisar os desafios e as perspectivas teóricas e práticas para este bioma, que em tese, passa por momentos irreversíveis no tocante à sua recuperação.
Os Programas são: PPG-MDPT/PUC-GO, ITS/PUC GOIÁS, PPG-DR/UFT, IESA/UFG IE/UNICAMP