SL - 06 PROJETOS URBANOS E CONFLITOS FUNDIÁRIOS: O ALCANCE DO DIREITO À CIDADE

  • Ângela Moulin Simões Penalva Santos
  • Rosângela Cavallazzi
  • Tatiana Cotta
  • Cláudio Ribeiro
  • Maria Lúcia Refinetti Rodrigues Martins
  • Alexandre Mendes
  • Mariana Medeiros
  • Rafael de Oliveira Alves
  • Rosângela Marina Luft
Palavras-chave: Direito à Cidade, conflitos fundiários, projetos urbanos

Resumo

OBJETIVO
Discutir como os avanços normativos na política urbana brasileira enfrentam a resistência dos interesses econômicos e políticos para dar efetividade as diretrizes de direito urbanístico, notadamente o princípio da função social da propriedade e da cidade, em contexto de transformações socioespaciais associadas a grandes projetos urbanísticos do planejamento empreendedorista.

JUSTIFICATIVA
O aumento na taxa de urbanização da população associada à maior concentração nas grandes cidades é fenômeno que vem ocorrendo em todo o planeta, inclusive no Brasil. Como resultado, tem aumentado os conflitos fundiários pela apropriação da terra urbana, que se tornou um “ativo” muito valorizado.
A terra urbana, no entanto, não é uma mercadoria, ainda que seja tratada como tal, uma vez que por ser “localizada” proporciona acesso diferenciado aos meios de reprodução da população e do capital. A “localização” constitui um produto social resultante de iniciativas públicas e privadas, razão pela qual não se pode admitir a apropriação exclusivamente privada desse “ativo” muito fragmentado. Em função dessa evidência a legislação urbanística avançou no sentido de criar meios de captura de parte desta valorização pelo poder público, um dos mais relevantes agentes da produção social do espaço urbano.
Após quase um quarto de século que está em vigor a Constituição de 1988, o avanço normativo na política urbana não parece ter mitigado a crise urbana, particularmente nas áreas metropolitanas, que seguem oferecendo os maiores e melhores postos de trabalho, com o que se mantêm como destino dos fluxos migratórios.
A resposta do poder público tem sido apostar em grandes projetos urbanísticos que, ao mesmo tempo em que justificam o investimento na infra-estrutura urbana, criam mais empregos, aumentando a renda da população e sendo percebidos como melhora nas condições de vida. Isto, entretanto, não é feito sem gerar conflitos fundiários que suscitam um preço muito alto para a parcela da população mais vulnerável.
O momento atual da produção espacial brasileira é bastante dinâmico. Acompanhando e influenciando a retomada do crescimento econômico nacional, o espaço urbano vem sofrendo inúmeros impactos que são frutos de diferentes projetos resultantes de possibilidades de investimento financeiro no território brasileiro. Esta contextualização se concretiza através de inúmeros projetos concomitantemente executados nos últimos anos, dentre eles as intervenções no município do Rio de Janeiro, realizadas sob a égide da Copa do Mundo de Futebol, de 2014, e dos Jogos Olímpicos, de 2016.
As construções normativas sobre projetos urbanos prescrevem expressões formais para a urbe definindo a produção de sentido no processo de interpretação da paisagem urbana. Da mesma maneira, o processo concomitante do desenho envolve relações de forma e conteúdo híbridas que se concretizam duplamente no espaço da cidade e no espaço jurídico de maneira muitas vezes conflituosa e contraditória.
O entendimento desta relação dos códigos, tanto jurídicos como urbanísticos, com a cidade e entre si requer método rigoroso, dinâmico e transdisciplinar que se reflete em ações de pesquisa que consistem em integrar, estabelecendo diálogos, diversos campos do saber, privilegiados aqui o urbanismo e o direito. O objetivo desta Sessão Livre é discutir o alcance da regulação jurídica sobre um território que experimenta profundas transformações num processo de tamanho dinamismo econômico que suscita valorização imobiliária e conflitos fundiários. Sendo o espaço o resultado de um processo social, o crescente valor da terra urbana deveria ser parcialmente capturado pela tributação imobiliária, enquanto que o princípio urbanístico da função social da propriedade deveria orientar a resolução dos conflitos fundiários.
O caso referência em questão são projetos urbanos desenvolvidos para a área portuária da Cidade do Rio de Janeiro (o Porto Maravilha e o Porto Olímpico). Este caso integra o conjunto de projetos realizados para os eventos da Copa do Mundo de 2014 e, principalmente, para as Olimpíadas de 2016, constituindo-se como um exemplo central das mudanças que ocorrem em ambos os terrenos do saber e do fazer humanos aqui privilegiados. Por um lado ele atinge um espaço com forte apelo simbólico para a história da produção urbana brasileira, pois interfere em áreas essenciais como o Morro da Conceição - um dos primeiros locais de ocupação da cidade do Rio de Janeiro - e o Morro da Providência - a primeira favela do país que, inclusive, batizou o substantivo que nomeia a forma de habitar do pobre brasileiro – chamava-se Morro da Favella; por outro lado estes projetos atualizam os problemas advindos da utilização de todo o aparato jurídico construído nas últimas décadas sob a égide da democratização e da reforma urbana ao representar interpretações contemporâneas destas normas que esvaziam sua relação histórica com a luta pelo direito à cidade e lhe atribuem uma eficácia outra, não necessariamente social, mas aparentemente financeiro-especulativa.
Estes projetos revelam uma estratégia que promove um curto-circuito e pode ser encarado como uma espécie de “bairro global” concretizador de um discurso internacional que dá sustentação a um desenvolvimento que se impõe ao espaço de forma concentrada na escala local. Esta transformação no território, portanto, não envolve apenas as leis, não envolve apenas o projeto urbano e nem mesmo um projeto político (que sempre estará atrelado aos outros dois), mas se concretiza sob um conjunto de intervenções e relações sociais complexas das quais o direito e o urbanismo desempenham um papel importante que esta sessão livre pretende debater, possibilitando novos entendimentos e evidenciando novos problemas a serem enfrentados neste contexto contemporâneo.
As relações entre escalas do projeto urbano e as competências jurídicas desenham um cenário de entendimento fundamental para o urbanista que pretende não apenas interpretar, mas agir sobre o território em constante mutação. A dinâmica desta relação atinge um grau atual de complexidade que, ao mesmo tempo em que concretiza a possibilidade de realização de projetos de grande vulto que renomeam a escala do que venha a ser urbano ou regional e questionam o conceito de projeto; por outro lado evidenciam um desenho institucional que envolve um acordo entre competências jurídicas que traz como conseqüência uma espacialidade única no campo político normativo que conforma novas vulnerabilidades urbanas para além das tradicionais (técnica/informacional/sócio-econômica e jurídica) que seriam: uma vulnerabilidade espacial que se concretiza na ausência de locais de permanência, uma vulnerabilidade jurídica referente ao direito à cidade que se concretiza na transformação dinâmica do uso da norma que esvazia sua eficácia social e é alimentada pela dinâmica espacial e econômico-financeira e, por fim, a vulnerabilidade simbólica que surge a partir da reconfiguração da leitura histórica dos tecidos urbanos de forma arbitrária e consensual. A velocidade da transformação das relações sociais está presente neste cenário onde a interferência internacional, global, impõe dinâmicas de mudança que são incompatíveis com o território local que sofre a concretude das mudanças. A partir desta relação é que se faz necessário desembaralhar os fenômenos jurídicos urbanísticos que sustentam tais possibilidades de alterações simbolicamente violentas e produtoras de vulnerabilidades múltiplas.
No entanto, ao mesmo tempo em que percebemos que estas alterações recentes nos campos do direito e do urbanismo produzem vulnerabilidades perversas, acreditamos na possibilidade de se reconhecer nestas contradições lugares de surgimento de novas formas de resistência e intervenção, tanto na forma quanto na norma urbana, de modo a evidenciar a necessária pluralidade das produções sociais que revelam, por sua vez, o descompasso existente entre um discurso (normativo e formal) simétrico e equilibrado entre o que é público e o que é privado, mas que na prática se reproduz de forma desequilibrada. 

Publicado
2018-10-15
Seção
Sessão Livre