SL - 03 DISPERSÃO E DIFUSÃO, URBANIZAÇÃO E CIDADES: MÚLTIPLAS DIMENSÕES, MÚLTIPLOS OLHARES

  • Maria Encarnação Beltrão Spósito
  • Júlio Cláudio da Gama Bentes
  • Daniela Maria Eigenheer
  • Beatriz Helena Nogueira Diógenes
  • Maria de Lourdes Pinto Machado Costa
  • Sarah Lúcia Alves França
Palavras-chave: Urbanização dispersa, Cidade dispersa, Urbanização difusa

Resumo

Desde a segunda metade do século XIX observou-se, nos Estados Unidos, a emergência de áreas urbanas residenciais afastadas dos tecidos urbanos compactos e consolidados de diferentes cidades. Contudo, somente nas últimas décadas, esta tendência vem se estabelecendo de modo efetivo nos espaços urbanos brasileiros.
O espraiamento dos tecidos urbanos, suas rupturas e descontinuidades, bem como a tendência à redefinição das lógicas de distribuição espacial dos usos residenciais, industriais, comerciais e de serviços indicam transformações profundas. Elas merecem análises a partir da valorização de múltipas dimensões desta nova realidade urbana, tanto quanto se considerando múltiplos olhares, segundo formações profissionais e visões teórico-metodológicas distintas entre si.
Estamos diante de uma completa redefinição do paradigma centro x periferia que orientou, durante tanto tempo, as lógicas de estruturação dos espaços urbanos em várias escalas. Assim, a produção do espaço urbano e as formas de sua apropriação são reorientadas por novos interesses, apoiados em novas condições tecnológicas e valores culturais, gerando estruturas mais complexas que, muitas vezes, congregam várias cidades.
Não se trata mais, apenas, de processos de aglomeração urbana que se expressam em tecidos urbanos densos, contínuos e extensos tão característicos da urbanização fordista. O que temos agora são estruturas espaciais reticulares, que combinam concentração e vazio. Elas se sobrepõem às anteriores, combinando-se com elas e revelando a composição de espaços urbanos muito mais orientadas pela circulação do que pela localização, embora estes dois elementos em suas articulações, como sempre, continuem a ser os vetores dos processos espaciais.
Temos, então, transformações profundas nas formas de se articular o espaço e o tempo, tanto na escala da estrutura reticular do conjunto de cidades, como no âmbito de cada uma elas, por meio das práticas espaciais reveladas no cotidiano urbano.
Estes novos contextos urbanos, tão reveladores da reestruturação espacial que lhes é atinente, têm chamado grande atenção dos pesquisadores e planejadores. Assim, não é sem razão que inúmeros conceitos têm sido lançados para tratar das novas dinâmicas, tanto quanto outros tantos são retomados e têm seus conteúdos revistos com o objetivo de enfrentar os desafios, tanto no plano teórico, como no plano do vivido, objetiva e subjetivamente, por milhões de citadinos.
Gottmann (1961), de modo precursor, chamava atenção para a necessidade de uma revisão conceitual. Assim, não foi ocasional voltarmos aos conceitos de suburbanização e periurbanização, bem como o aparecimento de seus correlatos contraurbanização e exurbanização. Além deles, destacando um ou outro aspecto das novas formas de extensão do tecido urbano, foram propostos: urbanização e cidade dispersas (MONCLÚS, 1998 e 1999; FONT, 2007; REIS Filho, 2006 e 2007), urbanização e cidades difusas (INDOVINA, 1997; MONCLÚS, 1998; DEMATTEIS, 1998; FONT, 2007; DOMINGUES, 2007; SECCHI, 2007), difusão reticular (DEMATTEIS, 1998); (BERRY, 1976; CHAMPION, 2001), rururbanização (CHARRIER, 1970; BAUER e ROUX, 1976), cidade pós-moderna (AMENDOLA, 2000), cidade informacional (CASTELLS, 1999), novas formas de assentamento humano e organização regional da vida urbana (GOTTDIENER, 1993), megalópolis (Gottman, 1961), métapolis (ASCHER, 1995), edge cities (GARREAU, 1991), outer cities (SOJA, 2008), cidades-região (SOJA, 2006; SCOTT et al, 2001), pós-metrópoles e exópolis (SOJA, 2008); tecnópolis (CASTELLS e HALL, 1994); e-topia (MITCHELL, 2002) etc.
Estas iniciativas de encontrar novas expressões capazes de designar os novos conteúdos do urbano e suas novas formas espaciais mostram a amplitude do desafio que temos diante de nós. A urbanização e a cidade amparam e refletem diferentes dimensões da vida social – econômica, política, cultural etc; além disso, são orientadas, no período atual, por alterações em suas relações com o rural e o campo, da cidade à escala internacional passando pelos níveis da região e do território nacional, mostrando que é importante repensar as relações entre centro e periferia, em várias escalas.
Embora a temática venha sendo muito estudada, estamos longe de conseguirmos tratar com profundidade e amplitude maiores o que seria particular à formação social brasileira e o que pode ser compreendido como singular quando se considera uma dada dimensão da realidade e/ou uma dada área urbana.
Por isso, apresentamos alguns elementos que podem ser objeto de atenção, sob a forma de questões para orientar o debate que se deseja realizar.
As novas formas de produção do espaço urbano, que levam à constituição de tecidos urbanos mais dispersos, estariam de que modo e com qual intensidade gerando impactos ambientais, visto o uso mais extensivo da terra e a ampliação da adoção do transporte automotivo, como forma de deslocamento principal?
Em que medida a baixa densidade e qualidade das vias disponíveis para o deslocamento urbano e interurbano no Brasil, comparativamente ao observado nos Estados Unidos e na Europa, são fatores que limitam o espraiamento do tecido urbano e/ou segmentam ainda mais as possibilidades de direito à cidade, porque dificultam a mobilidade das pessoas de menor poder aquisitivo?
As novas dinâmicas poderiam ser vistas como uma simples dilatação das velhas periferias urbanas, agora estendidas à escala regional, da forma como já sugeriu Dematteis (1999)?
A dispersão e a difusão urbanas representam uma profunda alteração na qualidade das relações entre tempo e espaço cotidianos ou, apenas, representam mudanças na quantidade dos deslocamentos e na intensidade deles?
Qual é a gênese das dinâmicas em curso e quais os interesses que, no caso brasileiro, orientam as lógicas que promovem a conformação de um tecido urbano mais disperso e mais segmentado?
Em que escalas geográficas o processo de dispersão do tecido urbano e de difusão da urbanização podem ser reconhecidos como vetores que colocam em xeque a vida urbana, considerando-a como possibilidade de convivência com as diferenças?
O aumento das práticas e interesses econômicos associados ao turismo e a tendência de mescla dos usos de solo urbanos aos rurais beneficiam-se da dispersão urbana? Ou são vetores que tornam mais complexa e menos interativa a vida social, nela compreendida diferentes valores políticos e culturais?
Como compreender as novas relações entre o espacial e o social, à medida que a cidade se dispersa e os processos de junção e aglomeração de tecidos urbanos pretéritos conformam estruturas mais extensas e articuladas, apenas, pelo circulação automotiva? Homogeneidade e heterogeneidade de usos do espaço e de segmentação socioespacial combinam-se de que modo, à medida que os tecidos urbanos ampliam-se e se tornam menos densos em seus conjuntos?
De que modo se efetiva a articulação das áreas residenciais com os espaços de consumo, de trabalho e de vida social, quando as novas estruturas espaciais reticulares combinam-se e se distanciam daquelas mais consolidadas em que os usos de solo mesclam-se de modo mais intenso?
Estes pontos apresentados de modo sintético apontam para a pertinência de uma sessão livre no XV ENANPUR em que possamos dar continuidade ao diálogo em torno deste conjunto de questões, debate este já efetivado nos dois encontros anteriores (2009 e 2011), em sessões desta natureza coordenadas pelo Prof. Dr. Nestor Goulart Reis Filho. 

Publicado
2018-10-15
Seção
Sessão Livre