SL - 02 GLOBALIZAÇÃO, AGRICULTURA E NOVAS REGIONALIZAÇÕES NO TERRITÓRIO BRASILEIRO
Resumo
O objetivo desta Sessão Livre é apresentar os resultados de pesquisas e propor um debate acerca das novas regionalizações do território brasileiro decorrentes da modernização e expansão agrícola na era da globalização, tal como analisado por Bernardes (2009), Castillo & Frederico (2010), Elias (2011), Aracri (2012). Trata-se de analisar como, desde a década de 1990, as políticas de incentivo às exportações, sobretudo de commodities agrícolas, e a tentativa de condução de uma transição energética, pautada no uso dos biocombustíveis, têm criado novos compartimentos produtivos, com impactos significativos no uso do território brasileiro, no campo e na cidade.
A partir da última década do século XX, transformações de ordem técnica e político-normativa alteraram o padrão de organização de parcela significativa do campo brasileiro. Trata-se da emergência de uma agricultura científica globalizada (SANTOS, 2000), entendida aqui pela difusão de um novo padrão de produção agrícola caracterizado: a) pelo aperfeiçoamento e, em certa medida, pela superação do padrão tecnológico difundido pelo paradigma da Revolução Verde, com a adoção das NTIC - como a informática, a microeletrônica, a biotecnologia, a engenharia genética e a formação e transmissão de bancos de dados; b) pela mudança do papel do Estado na regulação da agricultura - com a privatização, extinção ou sucateamento da maioria das empresas e instituições públicas responsáveis pelos diferentes aspectos da produção agrícola (financiamento, política de preços mínimos, armazenamento, produção de adubos e fertilizantes) - e o consequente aumento do poder de regulação das tradings agrícolas e, mais recentemente, de grandes grupos financeiros.
Apesar da menor intervenção direta do Estado, com a adoção das políticas de cunho neoliberal, ele continuou a ser um dos principais responsáveis pela difusão da agricultura científica globalizada, através, principalmente, de políticas de estímulo à exportação conjugadas com a tentativa de promoção de uma transição energética (PIRES DO RIO, 2011). A partir da década de 1990, a subordinação do Estado brasileiro às indissociáveis lógicas financeira e liberal tem resultado em políticas de reforço às exportações. Presenciamos aquilo que Santos (2002) denominou de imperativo das exportações, isto é, a criação de políticas com o objetivo deliberado de aumentar as exportações brasileiras, principalmente, daqueles produtos em que somos mais competitivos, no caso commodities, com o intuito de atender à lógica financeira mundializada.
Trata-se de uma verdadeira commoditização da economia e do território, uma vez que determinadas regiões passam a atrair uma grande quantidade de investimentos públicos e privados e a reunir uma série de infraestruturas e normas que as tornam funcionais à produção de determinado gênero agrícola ou mineral, com vistas, sobretudo, à exportação. Desde então, a participação das commodities no valor total das exportações brasileiras aumentou de 49,1%, em 2000, para 71%, em 2011 (AEB, 2012). Com relação ao agronegócio, entre os anos de 2000 e 2010, houve um aumento significativo do valor das exportações de todos os principais produtos. Juntos, o complexo soja, as carnes, o setor sucroenergético, os produtos florestais e o café, que no ano de 2000 eram responsáveis por 66% do total das exportações do agronegócio, no ano de 2010 passaram a representar aproximadamente 80%. Destarte, além da reprimarização da pauta exportadora (LAMOSO, 2010), houve também a concentração das exportações em poucos produtos, tornando a economia e o território brasileiro ainda mais dependentes e vulneráveis. Assim como o imperativo das exportações, as políticas estatais com o intuito de condução de uma transição energética também têm um impacto direto sobre a dinâmica agrícola do território brasileiro. Segundo Pires do Rio (2011, p.28-29), as propostas de transição energética não ganhavam tamanha relevância desde os choques do petróleo na década de 1970. Para a Autor, a transição energética consiste em transformações de longo prazo que não implica necessariamente no desaparecimento das fontes energéticas anteriores, mas que consiste numa “mudança ampla e radical dos recursos e tecnologias envolvidos na geração de energia bem como nos padrões de produção e consumo”. No caso da política estatal recente de estímulo à produção de biocombustíveis, o objetivo imediato é abastecer parte da frota nacional de veículos com o uso de etanol e biodiesel (acrescido ao diesel comum), bem como a tentativa de transformação do primeiro numa commodity.
A expressão territorial decorrente do crescimento das exportações do agronegócio e também da tentativa de promoção de uma transição energética é o aumento e a especialização das áreas destinadas à produção agrícola. Segundo Silveira (2010, p. 79), a especialização territorial produtiva pode ser entendida pelo “aumento numa mesma região da diversificação de tarefas vinculadas a um mesmo processo, enquanto diminuem as demais técnicas e formas de trabalho”. É o caso da expansão em determinadas regiões brasileiras de commodities agrícolas como soja, cana-de-açúcar e florestas plantadas (pinus e eucaliptos), em detrimento de uma maior diversificação produtiva.
A exportação de grande parcela da produção, a presença de firmas transnacionais, a implantação de sistemas técnicos especialmente concebidos para viabilizar a produção, a especialização funcional das cidades locais são características comuns presentes na maioria dessas regiões.
Assim, nesses novos compartimentos produtivos, a produção especializada é hegemônica sobre as demais atividades, fazendo com que a região reúna uma forte densidade técnica (infraestrutura de transporte e comunicação, sistemas de armazenamento, centros de pesquisa, agroindústrias) e normativa (desoneração fiscal setorial, normas que facilitam o desembaraço das mercadorias, selos de denominação de origem etc.) vinculada à atividade agrícola dominante.
A constituição dessas novas regiões produtivas agrícolas tem contribuído para a fragmentação e a desintegração do território brasileiro. A fragmentação diz respeito ao predomínio de vínculos externos, em detrimento de relações com os espaços adjacentes, criando um cotidiano obediente a parâmetros internacionais da economia e da política. A desintegração decorre da relação desigual e do privilégio conferido a determinadas regiões pelos investimentos estatais e privados, provocando aquilo que Araújo (2000) denominou de “desintegração competitiva”. Ao atrair investimentos para se inserir de forma competitiva nos mercados, essas regiões acabam por “fragmentar” o seu entorno e “desintegrar” o território, configurando-se como “ilhas de eficiência produtiva”.
As regiões se especializam e ao mesmo tempo passam a manter relações cada vez mais intensas dentro de circuitos espaciais produtivos que extrapolam seus próprios países. São regiões que detêm parte significativa do controle técnico da produção, ao mesmo tempo em que o essencial da regulação política lhes escapa. Os vetores externos determinam os preços das mercadorias, os custos de produção, as inovações tecnológicas, as novas técnicas de manejo, a qualidade e a padronização dos produtos, criando novos arranjos produtivos que excluem a maioria dos produtores e que se restringem a poucos produtos.
A crescente especialização regional produtiva em commodities agrícolas implica na desvalorização da rica diversidade econômica, cultural e geográfica do território brasileiro, ao promover o aprofundamento da divisão social e técnica do trabalho de uma mesma produção, enquanto desconsidera os demais sistemas técnicos e formas de existência. A extroversão produtiva dessas regiões só reforça o sentido de nossa colonização (PRADO JR., 1970), isto é, a utilização de um território de dimensões continentais como mera plataforma de exportação, que conjuga, segundo Brandão (2010), fácil valorização mercantil e financeira, com forte exclusão e expropriação social e territorial.