SL - 01 CONSTRUÇÃO DA CIDADE, CONSTRUÇÃO DA CULTURA. UM DEBATE SOBRE TERRITÓRIO, CULTURA, TÉCNICA E URBANIDADE (BRASIL, SÉCULOS XIX E XX)
Resumo
│01│ CONSTRUÇÃO DA CIDADE, CONSTRUÇÃO DA CULTURA.
UM DEBATE SOBRE TERRITÓRIO, CULTURA, TÉCNICA E
URBANIDADE (BRASIL, SÉCULOS XIX E XX)
Fernando Atique
Nesta sessão, a proposta é debater as conexões entre território, cultura, técnica, e urbanidade na construção das cidades e da cultura urbana brasileira dos séculos XIX e XX. Neste sentido, a construção do território e da rede urbana brasileira no período em tela é compreendida no âmbito da cultura e da técnica. Igualmente enriquece a compreensão e o debate destas questões, o aprofundamento histórico dos perfis dos diferentes atores sociais envolvidos nesta construção, sejam eles “profissionais do espaço,” artistas, empresários, trabalhadores e/ou cidadãos.
Emerge, assim, nesta proposta de sessão, um conjunto de estudos que ajudam a discutir o papel fundamental que os técnicos tiveram na formulação de novas bases para pensar, discutir e, como objetivo final, transformar a estrutura das cidades brasileiras. Mais ainda, permitem iluminar questões sobre como um campo profissional nascente – o do urbanismo – vai (tentar) enfrentar os dilemas da modernidade em um país predominantemente agrário, de pesada herança colonial e escravagista – que, como é sabido, se expressava também na dinâmica social do campo e da cidade – e de muitos interesses econômicos, políticos, culturais e profissionais em jogo nos processos de reorganização territorial e urbana.
Uma das possíveis abordagens é a concernente ao debate sobre o saneamento e à higiene das cidades, que emergiu como questão nacional e marcou o debate em inúmeras cidades, estados e na própria capital federal, que no início do século XX, foi alvo de intervenções saneadoras. Contudo, convém frisar que o chamado urbanismo sanitarista teve implicações muito mais abrangentes e duradouras para o contexto de modernização das cidades brasileiras, ultrapassando inclusive os marcos temporais da Primeira República, como o atestam várias pesquisas das últimas duas décadas. O higienismo consistiu em mais que uma expressão do processo de urbanização de então, foi ele mesmo um vetor de urbanidade dessas cidades e dessas sociedades. Ainda hoje, no Brasil, a questão do saneamento é um ponto nevrálgico. Percebe-se que onde há maior carência de infraestrutura é onde também o grau de urbanidade é mais precário. Busca-se demonstrar a pertinência de tais observações ao mesmo tempo em que se defende a atualidade e o caráter fundamental que o higienismo hoje possui. No século XXI, este está atrelado aos discursos e práticas ecológicas e sustentáveis.
Os estudos e profissionais que traçaram planos abordados, os interesses em disputa, os jogos de poder, são aspectos que desvelam as fraturas e os limites das pretensões do discurso técnico e das práticas do saber urbanístico em formação, principalmente quando alteravam as possibilidades de uso do solo urbano. Esta sessão livre destacará os atores sociais envolvidos, suas competências profissionais, sobretudo o papel dos engenheiros da província de São Paulo, na construção da infraestrutura do território e da rede de cidades paulista no período. O conhecimento da geografia e da geologia da província torna-se estratégico para a atuação do corpo de engenheiros encarregado da construção desta infra-estrutura. Em 1852, o engenheiro-geógrafo Carlos Rath é encarregado pelo governo da província de fazer o seu mappa geographico e suas incursões exploratórias no interior do território produziram elementos valiosos para o conhecimento de sua geografia e de sua geologia. Estes conhecimentos foram importantes para a atuação do corpo de engenheiros responsáveis pela construção das novas estradas e dos reparos e melhorias das existentes. Mais tarde, os mapas e levantamentos elaborados pela Comissão Geográfica e Geológica contribuíram de forma basilar ao fornecer informações precisas sobre o contexto geopolítico e socioeconômico de localidades envolvidas na delimitação do território do estado de São Paulo.
Algumas delimitações espaço-político-temporais necessárias ao entendimento do processo de trocas entre os Estados Unidos e as demais nações americanas, verificadas a partir de 1870, permite juntar as peças de um mosaico “americanizador” – valendo-se da metáfora proposta por Jeffrey Cody – que foi sendo constituído também dentro do campo profissional dos engenheiros e arquitetos. Dessa maneira, a sessão livre permite sondar o grau de envolvimento dos profissionais do espaço atuantes no Brasil com uma rede internacional não apenas projetual, mas também empresarial. A presença de uma “triangulação” nos diálogos entre Brasil, Europa e Estados Unidos no campo do espaço construído é um aspecto interessante explorado nas pesquisas aqui apresentadas, que permite aprofundar a compreensão histórica do que material e imaterialmente construiu-se no território e na rede de cidades brasileiras, especialmente em termos de cultura e urbanidade.
Por fim, como fio condutor, constituindo-se como força homogeneizadora do “progresso” a constituir “cenários” de modernidade, as idéias, propostas e articulações dos técnicos, engenheiros e arquitetos, cada vez mais presentes, secundando a ação dos administradores públicos, que reivindicaria legitimidade, autonomia e excelência técnica para enfrentar os desafios da reestruturação ou mesmo inserção de muitas cidades brasileiras nos circuitos nacional e internacional de (re)produção do capital no contexto de então. Entretanto, somada à dimensão da esfera pública, existiu, também, um outro aspecto desse processo, pouco explorado pela historiografia da urbanização, que é o da constituição de uma “indústria cultural” sediada, em grande medida, no Estado e, principalmente, na capital paulista. Essa indústria, voltada especialmente ao entretenimento da população urbana em crescimento, congrega uma complexa cadeia de produção e distribuição para o consumo, que inclui desde a produção dos próprios instrumentos musicais, passando pela maquinaria para industrialização dos fonogramas, fabricação de aparelhos (rádio, toca-discos, televisores), até estabelecimentos comerciais e diversos serviços associados à “indústria cultural” e ao entretenimento. Busca-se, sobretudo, evidenciar as relações possíveis entre os espaços de produção e de consumo musical e a criação musical propriamente dita.
Esta Sessão Livre tenciona debater aspectos da modernidade nas cidades brasileiras, com um foco especial nas diferentes representações culturais que a mesma suscita. Assim, apresenta-se aqui tanto a apreensão da modernidade urbana pelas classes subalternas, quanto a percepção dos profissionais da cidade. As pesquisas aqui reunidas exploram aspectos da formação destes últimos, suas propostas modernas de ação, visando a própria urbanização. Trata-se de visões profundamente distintas, já que a modernização então vivida é, ao mesmo tempo, uma promessa e alvo de crítica. Os trabalhos apresentados, com diferentes focos temáticos, fazem parte de um esforço mais amplo no campo da história social da cultura e da cidade. Todos eles concentram-se no longo período da assim chamada Segunda Revolução Industrial, central a tantos processos de urbanização no Brasil e em outros países, compreendendo e analisando suas diferentes dimensões – na cultura, no cotidiano, na inscrição física e cartográfica do território e das cidades - assim como apreendendo a teia mais ampla das relações internacionais na esfera da vivência urbana.