SL77 Desenvolvimento regional, petróleo e federalismo:

contribuições à análise.

  • Rosélia Périssé da Silva Piquet
  • Ângela Moulin Penalva Santos
  • José Luis Vianna da Cruz
  • Lia Hasenclever
  • Rodrigo Valente Serra

Resumo

SL-77. Desenvolvimento regional, petróleo e federalismo: contribuições à análise.

Coordenadora: Rosélia Périssé da Silva Piquet (UCAM)

Resumo:

A mesa dará continuidade aos debates no âmbito da Anpur já ocorridos nos encontros de 2009 com o tema “A indústria do petróleo vista sob o ângulo regional”; em 2011 com “A indústria do petróleo e a exploração do pré-sal: seu papel no processo de desenvolvimento regional e nacional” e em 2013 com “Segurança energética e novas fronteiras para a indústria petrolífera”.

A presente proposta tem como objetivo apresentar e discutir as mudanças que as descobertas na camada do pré-sal poderão causar na economia regional do Norte Fluminense, assim como as consequências que as mudanças nas regras de rateio de distribuição das rendas petrolíferas irão provocar no pacto federativo do país.

Na história de sua existência no Brasil a atividade petrolífera já deixou marcas irreversíveis na paisagem econômica, social e ambiental dos territórios onde se desenvolveu. A ambiguidade desta atividade é perturbadora: de um lado, se desenvolve quase de forma isolada nas localidades onde se processa mais conectada que está ao mercado internacional; de outro, funciona como motor propulsor de riqueza, não só através da geração de empregos diretamente vinculados ao setor, de seus efeitos multiplicadores na economia como um todo, mas também por via do pagamento de royalties e das participações especiais.

Em decorrência das leis brasileiras que regulam a distribuição das compensações financeiras advindas da atividade petrolífera, vem ocorrendo um efeito de polarização espacial da riqueza pública no interior das regiões produtoras, onde municípios com orçamentos milionários coexistem com municípios limítrofes paupérrimos. Tal legislação beneficiou sobremodo poucos municípios fluminenses e assim, quando foram anunciadas as descobertas da camada do pré-sal, a perspectiva de aumento das receitas levou congressistas e governadores de outros estados à proposição de mudanças na legislação que definia a distribuição federativa das receitas petrolíferas. O Congresso Nacional aprovou então uma nova lei que redistribuía as receitas entre todos os Estados e Municípios, independente de serem ou não produtores.

Vale ressaltar que a legislação que até então regia a distribuição das receitas petrolíferas era marcada por um forte determinismo físico que privilegiava estados e municípios em função da proximidade com os poços/campos produtores na plataforma continental. Por vezes, de fato, municípios próximos às áreas de produção são fortemente impactados. Contudo, não são poucos os casos em que municípios litorâneos, sem instalação portuária ou qualquer outro equipamento que atenda a indústria petrolífera, recebam volumes vultosos dessas rendas. Ironicamente, há um conjunto expressivo de municípios cuja única vinculação com o setor petrolífero resume-se ao fato de receberem royalties.

Tal determinismo físico tem como consequência deletéria o sobrefinanciamento de unidades territoriais, o que vem significando desperdício de recursos públicos - sobretudo no nível municipal, e um elevado custo de oportunidade ao interditar uma distribuição mais equânime desta riqueza. O fato de um único município - entre os 5.565 municípios brasileiros - concentrar 21% de todas as rendas petrolíferas destinadas à esfera municipal pode traduzir o tamanho da indignação dos não beneficiários em relação às regras atuais de divisão desta receita.

O artigo da Lei 12.734/2012 que tratava da redistribuição das receitas petrolíferas foi vetado pela Presidência porque considerado inconstitucional por abranger contratos anteriores à vigência desta lei, mas os parlamentares derrubaram em plenário o veto presidencial. Foi então que o Estado do Rio de Janeiro, junto ao Estado do Espírito Santo, outro grande produtor, entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Assim, do ponto de vista do desenvolvimento regional e da equidade do sistema federativo, é imperativo que se altere o modelo atual com vistas a impedir o aprofundamento das tensões interestaduais, uma vez que o interesse na economia do petróleo está disseminado não mais se restringindo aos “produtores”.

É oportuno registrar que a abundância de jazidas de hidrocarbonetos se constitui num fator apenas “potencial” de geração de riqueza, uma vez que os efeitos perversos podem ocorrer e se traduzir no esgotamento precoce das reservas ou tornar a economia de um país dependente demais do setor petrolífero, acarretando perda de competitividade e atrofia dos demais setores econômicos. O fracasso de alguns países com abundância de recursos naturais, em especial o petróleo, em superar a pobreza e promover o desenvolvimento, fez com que surgisse a proposição de que os recursos naturais podem representar uma “maldição” ao invés de uma bênção. Assim, historicamente, constata-se que a disponibilidade de recursos naturais abundantes não implicou, necessariamente, em estágios mais altos de desenvolvimento econômico do país produtor, não sendo convertida em bem estar para sua população. Este paradoxo é bastante conhecido na literatura pelo nome de “maldição dos recursos naturais” ou “doença holandesa”, enfatizado pelos economistas para explicar a concentração da atividade econômica na exploração de recurso natural e a perda de dinamismo da indústria.

As reservas oriundas do pré-sal, embora ainda longe de serem delimitadas, pois dependem da realização de testes de longa duração, assumem uma escala gigantesca frente aos parâmetros atuais. As perspectivas de incremento trazidas por estas descobertas colocam novos desafios para a indústria petrolífera brasileira na medida em que se faz necessário não somente acessar os hidrocarbonetos, mas, sobretudo, efetivar a sua extração a custos viáveis em termos econômicos. O país reúne as condições técnicas, econômicas e regulatórias capazes de superar tais desafios, permitindo que a indústria de petróleo e gás natural possa efetivamente se constituir num importante vetor do seu desenvolvimento econômico e social. Tais descobertas ampliaram significativamente as reservas nacionais, inaugurando um novo ciclo virtuoso da cadeia produtiva de petróleo no Brasil, desde que os recursos daí originários não sejam dilapidados.

É oportuno registrar que o debate energético da atualidade é marcado por um alerta sobre o caótico aquecimento global e a urgente necessidade de mudanças drásticas quanto ao uso dos combustíveis fósseis. O Relatório “Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas” divulgado em novembro de 2014 em Copenhague indica que o uso desses combustíveis deve ser zerado até o final do presente século. Para isso será necessário que os países quadrupliquem o uso de energias renováveis. Embora a transição para uma economia com baixo teor de carbono seja considerada tecnicamente viável, os custos para a adaptação em direção a essas novas tecnologias não serão baixos.

Vê-se, portanto, que as discussões sobre o potencial econômico que as ricas reservas de petróleo e gás do país podem proporcionar aos cidadãos devem ser pautadas por análises e propostas de mais longo prazo na busca de fontes alternativas de energia, não se limitando em visões de curto prazo quanto à disputa sobre as rendas petrolíferas.

Para desenvolver tais discussões foram convidados pesquisadores, doutores que vêm trabalhando nos temas e pertencentes a importantes instituições de ensino e pesquisa ou vinculados a órgãos estaduais e federais que tratam e regulam o setor petrolífero.

Exposição: Uma análise a partir do norte fluminense sobre a questão do "conteúdo local' do setor petrolífero

Expositora: Rosélia Périssé da Silva Piquet (UCAM)

Resumo: O setor de petróleo e gás no Brasil é considerado hoje, pela elevada demanda que exerce por bens e serviços, como uma das fronteiras de expansão e diversificação do parque industrial nacional. Os desafios tecnológicos que caracterizam o setor ensejam a busca constante por inovação, motivando a atração de empresas estrangeiras detentoras de tecnologias complexas. Contudo, é sabido que o setor petrolífero só se constitui em mola propulsora do desenvolvimento pelo efeito multiplicador que exerce sobre outros setores industriais. Assim, diante da desigualdade de condições de concorrência entre as empresas nacionais e as poderosas multinacionais que atuam no setor tanto o governo, por meio do Conselho Nacional de Política Energética-CNPE e da Agência Nacional de Petróleo-ANP, como entidades representativas dos interesses dos empresários nacionais vêm definindo a implantação da chamada Política de Conteúdo Local. “Conteúdo Local” representa a proporção entre a quantidade de itens fornecidos internamente no total de itens utilizados na produção, no refino e na distribuição de petróleo e gás, sendo que a maior parte dos bens e serviços locais têm pouco conteúdo tecnológico e baixo valor agregado. As regras quanto ao conteúdo local estão presentes desde a 1ª rodada de licitações em 1999, como parte dos critérios de escolha nos processos licitatórios. Entretanto, esta questão implica posições divergentes. Certos técnicos e entidades se posicionam a favor da crescente participação das empresas nacionais e outros argumentam que a falta de qualificação técnica poderá afetar seriamente a competitividade brasileira. São esses pontos que serão tratados no texto.

Exposição: Petróleo, energias renováveis e disputa federativa no Brasil

Expositora: Ângela Moulin Penalva Santos (UERJ)

Resumo: O Brasil está organizado como uma federação constituída da União, Estados e Municípios. Do ponto de vista jurídico, não há hierarquia entre os entes. No entanto, da perspectiva da autonomia financeira, há forte desequilíbrio que pode ser ilustrado pela evidência de que a União responde por aproximadamente 60% do gasto público, enquanto que Estados e Municípios respondem por 25% e 15%. O fortalecimento institucional do Município incluiu a responsabilidade pela execução das políticas sociais, que são obrigados a co-financiar. Ao longo do tempo, a gama de responsabilidades administrativas e financeiras tem indicado os limites da descentralização das políticas públicas já que a maior parte dos municípios não tem condições de atender às expectativas criadas com o seu papel na estrutura federativa. Trata-se de um problema derivado do federalismo simétrico no Brasil, que trata igualmente todos os municípios, sem distingui-los por porte demográfico ou função na rede urbana. Esse é o contexto em que se estabelece a disputa federativa pela crescente receita que as empresas pagam ao poder público pela extração de petróleo. Assim, aquela receita (royalties e participações especiais) deixa de ser percebida como compensação pelos impactos ambientais e sociais causados pela atividade extrativa e torna-se mais uma transferência intergovernamental a que todos os entes federativos fazem jus. Tal situação tende a tornar os entes federativos mais dependentes desta fonte de receita e, assim, mais sensíveis aos interesses da economia do petróleo, o que diminui o ímpeto governamental na defesa da política de substituição de energia fóssil por renováveis.

Exposição: Demandas de políticas de gestão territorial para o complexo de E&P do Norte Fluminense

Expositor: José Luis Vianna da Cruz (UCAM)

Resumo: A indústria do petróleo é constituída por grandes empresas transnacionais de alta tecnologia. O petróleo é insumo econômico altamente estratégico e uma fonte energética “suja” e finita. A quantidade de recursos que a indústria do petróleo mobiliza e a intensidade dos seus impactos, positivos e negativos, ao nível local e regional, são de tal monta que sua implantação e operação devem levar em consideração aspectos ambientais, econômicos, sociais, culturais e políticos. No segmento de E&P, em condições de elevada escala de produção, como no caso do Norte do ERJ, sua dinâmica apresenta: elevado poder de polarização e de concentração de recursos, de investimentos, de emprego, de infraestrutura urbana e de logística, com alta capacidade de (des)estruturação do território, dadas as fragilidades econômicas, urbanas e institucionais dos municípios afetados; um grande mercado de trabalho regional, embora concentrado, constituído por empresas de serviços à produção, e de outros segmentos, como Educação, Saúde e Construção Civil. O Porto do Açu, com uma de suas âncoras no apoio ao Complexo de E&P, e com indústrias voltadas para essa atividade, incorpora novos municípios nos investimentos diretos e eleva as potencialidades de desenvolvimento regional. Não há compensações e/ou políticas para os municípios esvaziados pela polarização daqueles contemplados com instalações e rendas. O desenvolvimento regional do NF depende de políticas de Estado, articuladas nas suas diversas escalas, de caráter territorial urbano-regional, e de constituição de instituições intermediárias – reunindo municípios e mesorregiões – de gestão territorial, como preconizado no PNDR II. É o que se pretende discutir.

Exposição: Especialização produtiva e desenvolvimento sustentável: potenciais e desafios para o estado do Rio de Janeiro

Expositora: Lia Hasenclever (UFRJ)

Resumo: O estado do Rio de Janeiro (ERJ) especializou-se na produção de bens intermediários, com ênfase na indústria de extração e refino de petróleo. O objetivo do artigo é analisar as especificidades das mudanças estruturais ocorridas e discutir a capacidade de o ERJ sustentar o desenvolvimento futuro. A especialização excessiva pode truncar os efeitos de encadeamento da indústria, mas a acumulação de capacitações sociais e tecnológicas na exploração do petróleo pode abrir caminho para o desenvolvimento de outras indústrias e o investimento em bens coletivos e infraestrutura que propiciem a diversificação industrial e o bem estar da população. A experiência histórica e a análise das políticas atuais deixam claro que, sem o direcionamento das políticas públicas e privadas, o desenvolvimento futuro estará fadado a um padrão de desenvolvimento com baixo crescimento da demanda agregada e mudança estrutural limitada a enclaves, ainda que o crescimento de produtividade seja alto em algumas atividades.

Exposição: O cabo de guerra da disputa pelas rendas petrolíferas: um mapeamento das principais teses que susteam as posições dos "estados produtos" vs "não produtorse".

Expositor: Rodrigo Valente Serra (ANP)

Resumo: A produção brasileira atual (2014) – de 2,3 milhões de barris de petróleo/dia (b/d) – poderá alcançar, em 2020, 5,0 milhões de b/d, de acordo com o Plano Nacional de Expansão de Energia, elaborado pela EPE. Isso aponta para uma posição segura de exportador líquido, uma vez que o país, em 2009, já havia alcançado a autossuficiência no setor, com um consumo de 1,89 milhões de b/d e produção de 2,03 b/d (ANP: 2010). Fato que aponta de forma inconteste para o agigantamento das receitas de royalties a ser gerada pela indústria de petróleo e gás natural. O que esse novo cenário representa para o desenvolvimento de médio e longo prazo brasileiro? Em especial, quais os desdobramentos deste mesmo cenário sobre o desenvolvimento regional brasileiro, uma vez que a frente de produção petrolífera apresenta um formato espacial ainda bastante concentrado? O presente artigo tem o propósito de iluminar a disputa pelos royalties do petróleo como um capítulo especial que evidencia as vicissitudes do federalismo brasileiro, demonstrando as principais bandeiras que reforçam as desigualdades regionais, bem como trazendo à tona a perspectiva, contrária, de utilização dos royalties do petróleo como instrumento de atenuação das mesmas desigualdades.

Publicado
2019-05-23
Seção
Sessão Livre