SL76 Verticalização das cidades brasileiras:

legislação, forma urbana, densidades e qualidade de vida

  • Nadia Somekh
  • Manoel Lemes da Silva Neto
  • Eliana Rosa de Queiroz Barbosa
  • Bruna Beatriz Nascimento Fregonezi
  • Sylvia Ficher
Palavras-chave: Verticalização das cidades brasileiras, forma urbana, densidade urbana

Resumo

SL-76. Verticalização das cidades brasileiras: legislação, forma urbana, densidades e qualidade de vida

Coordenadora: Nadia Somekh (Mackenzie)

Resumo:

A proposta se insere no âmbito da discussão da verticalização das cidades brasileiras, propondo a retomada da rede de pesquisadores sobre verticalização de 2007, abrangendo temas pertinentes como a Legislação, a Forma Urbana, a Densidade e a qualidade de vida.

Sobre a verticalização da cidade de São Paulo, acumulamos cerca de 30 anos de pesquisas, iniciados por sugestão de Gabriel Bolaffi, na década de 1980, no âmbito da Pesquisa de Evolução do Preço da Terra em São Paulo. Até hoje ele faz parte das nossas preocupações, pois é uma característica essencial das cidades brasileiras. Por isso interessa- nos manter como um dos focos desta pesquisa.

Interessava, naquele momento, verificar a relação entre a valorização fundiária e o crescimento vertical. Mais adiante, foi necessário buscar onde e quando aconteceu a verticalização em São Paulo. A explicação definitiva do processo, desvendada no mestrado e doutorado sobre o tema, ainda está por ser revelada. Por que ocorre a verticalização em São Paulo, no Brasil e com as formas que assumiu e vem assumindo?

Parte da resposta está no entendimento da produção social do espaço urbano, que pode se revelar na explicação da curva acima e na compreensão do papel do Estado como agente produtor e, principalmente, na evolução e estruturação do setor imobiliário paulista, nacional, e agora internacional.

A construção de um quadro conceitual teórico, permitiu a aproximação adequada com o material empírico. A Escola de Sociologia Urbana francesa foi essencial na formulação da teoria. Uma vez que não existe de forma constituída, uma teoria do urbanismo somos obrigados a emprestar conceitos da economia, sociologia, geografia e até da filosofia para compor um instrumental que possibilite aproximações e mediações para alcançar nosso objetivo.

No caso da verticalização buscamos em Alain Lipietz (1977) “O capital e seu espaço” o entendimento de que o quadro construído segue uma periodização análoga ao desenvolvimento do capital. Em “O tributo fundiário urbano” (1974)- livro traduzido porém não publicado do mesmo autor – encontramos o debate sobre a formação dos preços da terra urbana, que junto com o livro de Christian Topalov (1974) “Os promotores imobiliários” e Manuel Castells (1972) “A questão urbana”, permitiu avançar, sobre a produção do espaço urbano e o processo de planejamento. Lojkine (1979) e seu “Estado Capitalista e a Questão Urbana”, ensejou entender o papel e o conceito de Estado, essencial para a produção de edifícios. O que é o Estado na cidade (e no mundo capitalista)? David Harvey (2009) no seu livro "Cosmopolitanism" afirma que é uma ficção, mas naquela época mantivemos a definição dos marxistas: o Estado representa as classes dominantes e articula seus diversos segmentos (capital industrial, financeiro, comercial, etc.) e ainda produz as condições gerais para a reprodução do próprio capital.

As diferenças entre economistas neoclássicos e marxistas, a respeito da formação do preço da terra urbana, ajudaram a entender a verticalização. Para os marxistas a demanda capitalista por terra é que determina a valorização fundiária. Por outro lado o aumento da população e a produtividade da terra (coeficientes de aproveitamento) podem incrementar os preços dos terrenos. Entender a organização e o papel na cidade da indústria da construção civil também é essencial para explicar a verticalização e a forma que ela assume nas diversas cidades brasileiras e no mundo.

A especificidade da indústria da construção civil e os obstáculos ao seu desenvolvimento foram apontados por Lojkine. A necessidade constante de base fundiária para a reprodução da ICC (indústria da construção civil) é um limite. Um paradoxo foi constatado em São Paulo. A partir do conceito de verticalização, entendido como a multiplicação do solo urbano possibilitada pelo elevador, nos perguntamos por que a legislação paulistana reduziu, ao longo do século XX, os coeficientes de aproveitamento, ou seja, a possibilidade de superar um dos limites do desenvolvimento da ICC ao multiplicar a base fundiária urbana. Resultado disso foi a dissertação de mestrado de “A (Des) Verticalização de São Paulo”(1987).

A explicação reside no papel da propriedade da terra na economia brasileira. A redução dos coeficientes favorecem menos o capital produtivo e mais os proprietários fundiários urbanos: a redução dos coeficientes de aproveitamento expandiram a demanda por terra apropriada para edifícios e ao mesmo tempo, elevaram os preços do solo urbano de São Paulo.

Isso foi necessário porque a história de São Paulo coincide com a desistência da construção do metrô e a expansão da indústria automobilística. O padrão de verticalização da cidade ampliou e se elitizou, através da legislação urbanística, ampliando também a demanda por automóveis. São Paulo é vertical e não densa, porque o sistema viário e de transporte não permite.

Com Topalov (EHESS – École des Hautes Études em Sciences Sociales, de Paris) e de Luiz César de Queiroz Ribeiro (IPPUR – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, do Rio) chegamos ao debate sobre as origens do urbanismo moderno. Na pesquisa de Doutorado verifiquei que o urbanismo de São Paulo poderia ser considerado modernizado e não moderno. Para Topalov, o urbanismo moderno tem como objeto a cidade, o plano como instrumento principal e a questão social como discurso central. O urbanismo moderno propõe a transformação da sociedade e a redução de desigualdades como medida da própria reprodução capitalista. O urbanismo modernizador tem o capital e a sua reprodução como questão central.

É o que encontramos em São Paulo nos discursos de Vitor da Silva Freire (1910). Ou na redução dos pés direitos das residências e dos apartamentos como medida de aumento de produtividade, como encontramos em Anhaia Melo e sua "Cidade como Negócio". Ou ainda em Prestes Maia, com gabaritos propostos para São Paulo de 50 metros ou mais, estimulando o crescimento vertical e o "rendimento urbano".

A verticalização é um tema essencial para o entendimento não só de São Paulo, mas também das cidades brasileiras. Em 2007-2009 estabelecemos uma rede de pesquisadores que estuda a verticalização nas cidades brasileiras nas suas mais variadas formas. Hoje, vários estudantes de pós-graduação estudam os condomínios fechados, os edifícios inteligentes do terciário avançado e as formas que assumem o capital transnacional e homogeneízam as cidades.

Em São Paulo a qualidade dos apartamentos e dos edifícios nos primeiros períodos do crescimento vertical e sua relação generosa com o espaço público da cidade, vem se perdendo. A chamada necessidade de segurança vem fechando os espaços verticais para a própria cidade. Muros e grades internalizam e fecham a vida dos moradores de edifícios, tornando-os homogêneos e similares aos novos condomínios fechados, cerceando também as perspectivas dos espaços públicos.

Uma recente atualização da pesquisa apontou, além do declínio dos aspectos qualitativos relacionados a incidência do edifício vertical e sua relação com a cidade, influenciando a qualidade de vida dos paulistanos, um processo novo, o espraiamento da verticalização pela região metropolitana, que chamamos de verticalização metropolitana - 2004/2011 (Gagliotti, 2012).

Diferentemente dos períodos anteriores, quando os bairros de maior verticalização concentravam-se no setor Sudoeste, entre 2004 e 2011 a verticalização pulverizou-se pela cidade. Além disso, a verticalização na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP: Desde o início dos anos 2000, percentualmente, a RMSP se verticalizou mais que a cidade de São Paulo, entre 2000 e 2011 houve um aumento de 319,79% no ritmo de verticalização na região (SECOVI, 2011).

São vários os fatores que podem explicar esse transbordamento, como por exemplo, a escassez de terrenos para incorporação na cidade de São Paulo, o baixo estoque de potencial construtivo na capital, o desenvolvimento dos municípios vizinhos que despertam interesse do mercado consumidor com oportunidades, preços e condições mais convidativos, e principalmente coeficientes de aproveitamento maiores.

O Plano Diretor Estratégico de 2002 gerou planos regionais, que por sua vez serviram de base para um novo zoneamento que apesar de ter sido elaborado localmente e com os preceitos do Estatuto da Cidade, não reduziu as históricas disparidades até aqui descritas.

Em síntese a verticalização de São Paulo expandiu-se pela Região Metropolitana sem produzir uma cidade compacta, pois a reversão histórica dos investimentos públicos em transporte coletivo produziu uma cidade vertical, mas não densa. E o histórico processo de elitização do crescimento vertical não contribuiu para a redução de desigualdades. Continuamos com a pergunta inicial: será que este processo poderá ser revertido, com quais instrumentos?

A mesa, portanto, propõe, partindo da experiência sistematizada paulistana, abrir um diálogo com outros pesquisadores sobre o tema, compartilhando experiências.

Referências:

CASTELLS, M. 1972. La question urbaine, Paris, Maspero.

FREIRE, V.S. 1911. Os melhoramentos de São Paulo. Revista Polytecnica, VI.

HARVEY, D. 2009. Cosmopolitanism and the Geographies of Freedom, New York, Columbia University Press.

LIPIETZ, A. 1977. Le capital et son espace, Paris, Maspero. _________ 1974. Le tribut forcier urbain, Paris, Maspero.

LOJKINE, J. O Estado capitalista e a questão urbana. São Paulo, Martins Fontes, 1979.

SOMEKH, N. 1987. A (des) Verticalização de São Paulo. São Paulo, dissertação de Mestrado, FAUUSP.

TOPALOV, C. 1974. Les promoteurs inmobiliers. Paris, Mouton.

Exposição: Cidade Compacta

Expositora: Nadia Somekh (Mackenzie)

Resumo: Diante do transbordo e o crescimento da verticalização na região metropolitana maior do que no próprio município de São Paulo e os recentes estudos que apontam declínio dos aspectos qualitativos na verticalização e na relação do edifício com a cidade, a pesquisa apresenta os fatores que podem explicar esse fenômeno da produção de uma cidade vertical, não compacta e não densa. Por exemplo, a legislação existente na capital e nas cidades vizinhas, a economia e lógica da construção civil, e por fim no que diz respeito a metropolização, podemos perceber a escassez de terrenos, o baixo estoque de potencial construtivo na capital, o desenvolvimento dos municípios vizinhos, preços e condições mais convidativos, e principalmente coeficientes de aproveitamento maiores. Desta maneira a pesquisa visa dar continuidade a rede de estudo sobre verticalização nas cidades brasileiras iniciada em 2007, mapeando as transformações da verticalização nestas cidades, quais formas elas vêm tomando e a partir da experiência já sistematizada paulistana, abrir um diálogo com outros pesquisadores sobre o tema, compartilhando experiências.

Exposição: Densidades

Expositor: Manoel Lemes da Silva Neto (PUC-Campinas)

Resumo: Milton Santos considerava o “lugar” como acontecer solidário em três dimensões espaciais: homólogo, complementar e hierárquico. E é segundo o seu entendimento que o tema é discutido. A análise do adensamento urbano em São Paulo compreende, respectivamente, dinâmicas nas dimensões urbana-intraurbana, regionalmetropolitana e estadual-nacional-internacional. No plano urbano-intraurbano, o quadro do “espaço dividido” da cidade persiste, por exemplo, na paisagem da assimetria social revelada pela justaposição da favela de Paraisópolis com o bairro do Morumbi. Pesquisa revela que o adensamento no período 2000/2010 para essa área está entre os mais elevados do município. A verticalização também se intensificou nas imediações do Parque Vila Lobos e nas proximidades de Paraisópolis, com uma diferença. Na região de Paraisópolis, a verticalização associa-se à superaglomeração, isto é, domicílios com três moradores ou mais por dormitório. No plano regionalmetropolitano, o espraiamento da densidade e da verticalização alcança a Macrometrópole. Polarizada pela capital, a área delimita-se num raio de 120 km, compreende 152 municípios, abrange, total ou parcialmente, cinco Regiões Metropolitanas, duas Aglomerações Urbanas com 73% da população paulista (2010). Na dimensão estadual-nacional, a Macrometrópole foi responsável por 93% das operações de crédito e 95% dos depósitos bancários efetuados no estado no período de 1988-2010. Acrescente-se à discussão a utilização da variável adensamento como mecanismo indutor da política urbana no Plano Diretor de 2014. Mas com esta observação. A variável é utilizada apenas nas macroáreas mais bem estruturadas. Já onde o adensamento foi maior na última década e há superaglomeração, o mecanismo é desconsiderado.

Exposição: Conectividade e Verticalização

Expositora: Eliana Rosa de Queiroz Barbosa (Mackenzie)

Resumo: Para aqueles não acostumados, a complexidade da paisagem urbana de São Paulo é geralmente descrita como caótica. WAISMAN (2012), ao lidar com as cidades Latino Americanas em geral, alega o oposto. A autora sustenta a necessidade de desenvolver novas ferramentas conceituais, possibilitando a leitura desse fenômeno urbano, desenvolvidas de acordo com as particularidades desse contexto, cujo processo é marcado por descontinuidades espaço-temporais. O tipo, a autora argumenta, não pode ser definido como element estruturale simbólico, já que não possui sedimentação histórica, pelo contrário, o tipo e as tipologias nesse contexto é o motor da mudança, o principal símbolo da transformação urbana (WAISMAN, 2012p.75). Explora-se-á instrumentos analíticos capazes de lidar com a complexidade da forma urbana, desenvolvendo uma leitura legal da forma urbana, na qual a tipologia vertical aparece como consequência e causa da forma urbana. Dessa forma, propõe-se um exercício de analogia, usando a forma de São Paulo e diferentes fragmentos urbanos como objeto, na qual três amostras territoriais (Santa Cecília, Jardim Paulistano and Vila Leopoldina), que passaram por transformações tipológicas e processos de verticalização mediante diferentes regulações (PUB 1954, Zoneamento de 1972, Lei de Uso e Ocupação de 2004). O objetivo é abordar as possíveis influências de cada regulação na incidência de certas tipologias verticais na cidade e discutir como tais regulações contribuíram para a atual morfologia urbana híbrida da cidade.
Referência bibliográfica citada: Waisman, M. 2012. O Interior da História, Perspectiva, São Paulo.

Exposição: Verticalização na Região Central de São Paulo

Expositora: Bruna Beatriz Nascimento Fregonezi (Mackenzie)

Resumo: Atualmente ao caminhar na Região Central de São Paulo pode-se notar o recente fenômeno de novos empreendimentos verticais, a grande maioria são apartamentos de dimensões reduzidas de um dormitório ou estúdios. Concomitante a tal fato, observa-se a expansão da verticalização na região metropolitana de São Paulo. É neste cenário de uma nova verticalização e atuação das incorporadoras na região central que a pesquisa se enquadra, questionando se tal característica seria resultado da escassez de terrenos em outros setores valorizados da cidade ou o teórico e contemporâneo retorno aos lugares que Christian Norberg-Schulz (1976) demonstra quando diz que o homem durante um período da vida moderna acreditou que em função da tecnologia e ciência haviam se libertado da dependência de lugar, mas devido ao caos ambiental percebeu-se que esta crença é ilusória e por isso estão hoje pensando projetos urbanos para os centros históricos. Projetos estes desenvolvidos no centro de São Paulo através dos exemplos da Operação Urbana Centro, Ação Centro e especulação do projeto Nova Luz, que visavam reabilitar a região dotada de infraestrutura, principalmente a de transporte que é questão importante na cidade de São Paulo. Dentro deste contexto a pesquisa tem como objetivo discutir as recentes transformações no centro e na região metropolitana que estão agindo na nova fase de verticalização nesta região. Referência bibliográfica citada: NOBERG-SCHULZ, C. O fenômeno do Lugar. (in) Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). São Paulo, Cosac Naify, 2008.

Exposição: Espraiamento vs verticalização: O caso de Brasília

Expositora: Sylvia Ficher (UnB)

Resumo: Desde sempre, a densificação populacional tem sido anátema entre os urbanólogos da Capital Federal. Considerada uma afronta à sua escala bucólica, é ainda mais inaceitável quando associada à verticalização das edificações. Quase sessenta anos depois de sua inauguração, Brasília continua dominada por um ideário urbanístico ultrapassado, que preserva como referência as concepções funcionalistas da Carta de Atenas. Contudo, o aumento crescente das distâncias juntamente com a elevação dos valores fundiários urbanos findaram por impor sua lógica. Hoje, está em curso um processo de acelerada verticalização nesta que já é a terceira área metropolitana brasileira. A recusa conceitual nos meios especializados de se encarar com realismo a necessidade de adensamento da mancha urbanizada de modo a sustar o espraiamento insensato característico do crescimento de Brasília redundou na verticalização justamente de suas áreas menos capacitadas para suportar os impactos da nova massa edificada e concomitante aumento populacional. A combinação das imposições da vida real efetuadas sem maiores previsões com a ausência de uma reflexão técnica proativa só poderia ser deletéria, resultando em uma política urbana contraditória. Por um lado, as legislações em vigor buscam preservar as baixas densidades e alturas características do Plano Piloto; por outro, as pressões demográficas e econômicas vêm induzindo um adensamento considerável de seu entorno. E assim, destoando do que em geral se observa em outras áreas metropolitanas, enquanto em seu centro predomina uma ocupação rarefeita, Brasília passa atualmente por uma intensa verticalização periférica. 

Publicado
2019-05-23
Seção
Sessão Livre