SL73 Desafios do urbanismo contemporâneo frente à prática do projeto urbano.
Resumo
SL-73. Desafios do urbanismo contemporâneo frente à prática do projeto urbano.
Coordenadora: Denise Barcellos Pinheiro Machado (UFRJ)
Resumo:
Esta sessão livre reúne pesquisadores de seis instituições brasileiras com o objetivo de trazer uma reflexão sobre os ‘desafios do urbanismo contemporâneo frente a prática do projeto urbano’. Quer se acredite no vazio doutrinal do urbanismo contemporâneo ou no seu oposto, no acúmulo de excessos de uma área de conhecimento cada vez mais pulverizada, o fato é que o projeto urbano vem se impondo pela urgência, pragmatismo e mesmo pela ausência de modelos urbanos coerentes que pensem a relação entre cidade e sociedade pós-industrial. Engendrando polarização ideológica ou posições ecléticas, o projeto urbano sinaliza fortes consequências na evolução do urbanismo. É neste cenário de incertezas que o conjunto de trabalhos aqui reunidos busca, cada um a seu modo, questionar a prática do projeto urbano na realidade brasileira.
Cabe examinar, primeiramente se nos encontramos diante de uma nova cultura de projeto, e qual seria essa real dimensão cultural: projeto de ação, projeto planificador ou projeto de sociedade? Ao invocar “uma agenda para a prática do projeto urbano”, o trabalho 1 procura traçar os atributos do projeto urbano para uma nova agenda de desenvolvimento urbano. O enfoque é uma crítica ao processo de concepção projetual a partir de suas hipóteses urbanísticas, econômicas e jurídicas. O autor argumenta que a prática do projeto urbano no Brasil deva-se inserir muito mais como um meio de discussão e disputa política do que como solução formal de organização da morfologia urbana, de modo a superar os processos instituídos de planejamento com seus vícios de interlocução na gestão pública. Neste sentido, o projeto urbano se vincula ao desenvolvimento de um arcabouço institucional de governança, para a constituição de instrumentos que superem obstáculos na articulação entre viabilidade econômica, gestão compartilhada e manutenção das condições de urbanidade.
Mas uma outra argumentação se faz presente no trabalho 2, ‘projeto e morfologia na cidade’, na medida em que, para os autores, o projeto urbano não pode se desvincular de uma suas relações com as raízes e razões profundas da morfologia urbana, sob pena dos resultados se oferecem ao rápido sucateamento, com prazo de validade, tal como o produto tecnológico de última geração que entra em processo de obsolescência no dia seguinte ao seu lançamento.
Defende-se, portanto, a intensa correlação entre projeto e forma urbana, que através de noções como “legibilidade”, “imagem mental” e “pertencimento”, opõe-se à arbitrariedade projetual e consequentemente e ao autoritarismo e à adoção de respostas estereotipadas.
O trabalho 3, ‘projeto urbano e conhecimento: da autonomia à heteronomia do espaço urbano’, recupera a posição difundida de que o projeto urbano seja uma noção polissêmica, complexa e ambígua para uma cultura de intervenção urbana e configuração da cidade contemporânea. Essa flexibilidade de significado se problematiza a partir da oposição entre a “autonomia” e a “heteronomia” do projeto, o que leva à discussão sobre o seu ideário e as condições histórico-culturais em que é gestado, recuperando mais uma vez a questão cultura das disciplinas que abordam o espaço. Para a autora, o aporte de disciplinas afins ao urbanismo não se soluciona como multi ou interdisciplinar, e não confere ao projeto urbano uma base objetiva, como fundamento ao desenho da cidade, mas validam-no na singularidade discursiva. A reflexão sugere a inseparabilidade entre projeto urbano e sociedade, configurandose um problema epistemológico premente: o lugar do projeto e do sujeito do conhecimento, o arquiteto.
Os dois últimos trabalhos apresentam experiências em duas grandes capitais brasileiras – Rio de Janeiro e Fortaleza – trazendo para essa sessão o necessário rebatimento de avaliações sobre a ação prática do projeto urbano. Para os autores do trabalho 4, ‘a prática de projetos urbanos no Rio de Janeiro nas três últimas décadas e o momento atual’, o papel do projeto urbano se altera ao longo das últimas décadas, apesar da continuidade política e ideológica da administração municipal. Num primeiro momento, nos anos 80, emergem experiências precursoras, concebidas num ambiente de redemocratização do país. O momento seguinte é o da inflexão (19932000), quando se estrutura o discurso da centralidade do projeto urbano como estratégia de intervenção pública. O terceiro momento é identificado, com o lançamento de projetos de megaeventos e grande apelo midiático. Essas análise histórica permite a construção de uma matriz analítica que considera dois tempos de projeto: o dos inputs - objetivos, demandas, justificativas - e o dos outputs - resultados espaciais e sociais, projetados ou imprevistos, identificados no presente ou tendenciais.
O trabalho 5, ‘projeto urbano e intervenções urbanísticas recentes na orla marítima de fortaleza: fragmentos de um modelo?’, parte da compreensão de que o planejamento urbano brasileiro tem sido marcado por contradições inerentes à formação sociocultural do país, como a dependência econômica e a "tradição" de importar modelos tecnológicos e culturais, contemplando duas trajetórias paralelas: a do discurso e a da prática. Ao identificar as novas formas de apropriação de elementos do ideário do urbanismo contemporâneo pela prática de projetos para a orla marítima da cidade de Fortaleza, as autoras questionam em que medida esses projetos contemplam ou se afastam da abordagem contemporânea e, mais especificamente, dos objetivos originais do projeto urbano, como seu caráter inovador e participativo, a melhoria do uso do território e da qualidade de vida, o seu funcionamento programático e sua vitalidade.
Os trabalhos que compõem a Sessão Livre e seus autores são: Trabalho 1: Agenda para a prática do projeto urbano, proposto por Gustavo Partezani Rodrigues (Diretor de Desenvolvimento da São Paulo Urbanismo – PMSP); Trabalho 2: Projeto Urbano e Morfologia da cidade, proposto por José Almir Farias (DAU-UFC), Denise B. Pinheiro Machado (PROURB-FAU-UFRJ), e Lucia Maria Sá Antunes Costa (PROURB-FAU-UFRJ); Trabalho 3: Projeto Urbano e conhecimento: da autonomia à heteronomia do espaço urbano, proposto por Eunice Helena S. Abascal (FAU-UPM); Trabalho 4: A prática de projetos urbanos no rio de janeiro nas três ultimas décadas e o momento atual, proposto por Henrique Barandier (PROURB-FAU-UFRJ), Patrícia Maya (PROURB-FAU-UFRJ) e Antônio Colchete (CAU-FE-UFJF); e Trabalho 5: Projeto Urbano e intervenções urbanísticas recentes na orla marítima de Fortaleza: fragmentos de um modelo?, proposto por Ana Cecília Serpa Braga Vasconcelos (UNIFOR) e Camila Bandeira Cavalcante (UNIFOR).
Exposição: Agenda para a prática do projeto urbano
Expositor: Gustavo Partezani Rodrigues (Prefeitura Municipal de São Paulo)
Resumo: Esta reflexão trata dos atributos e do processo de estruturação de projetos derivados de uma nova agenda para o desenvolvimento urbano. Abordaremos criticamente o processo de produção do projeto para a transformação da cidade e a busca para seu novo posicionamento, a partir de hipóteses urbanísticas, econômicas e jurídicas. As estratégias para o desenvolvimento urbano necessitam da prática de projeto como um meio ao processo de discussão e disputa política mais do que soluções de organização da morfologia urbana. A agenda se articula a um processo de desenvolvimento das relações sociais da cidade pautadas por questões políticas econômicas, pelo acesso à terra, a oferta de infraestrutura qualificada e, principalmente, por suas formas de financiamento. Pautas com as quais a atual prática urbanística pouco consegue dialogar, pois a dinâmica de produção da cidade é muito mais intensa do que os processos instituídos de planejamento com seus vícios de interlocução na gestão pública. É importante o desenvolvimento de um arcabouço institucional de governança, para a constituição de instrumentos que superem obstáculos na articulação entre viabilidade econômica, gestão pública do processo e integração entre os atores. É fundamental entender a dimensão do tempo de transformação urbana como premissa da prática do projeto, que permite estabelecer diretrizes para uma nova visão de cidade, como a gestão compartilhada e a manutenção das condições de urbanidade.
Exposição: Projeto urbano e morfologia da cidade
Expositores: José Almir Farias Filho (UFC), Lucia Maria Sá Antunes Costa (UFRJ), Denise Barcellos Pinheiro Machado (UFRJ)
Resumo: Este trabalho traz uma reflexão sobre a necessidade de se reavaliar epistemologicamente as interações entre projeto urbano e morfologia da cidade, na medida em que, no Brasil, vivemos uma crise articulada entre um urbanismo normativo tradicional, incapaz de fazer frente à degradação e às injustiças do ambiente construído, e uma sociedade urbana ainda portadora de valores arcaicos sobre propriedade e espaço público. Desde a década de 1960, diversos estudos demostraram, com base em argumentações interdisciplinares, a intensa correlação entre projeto e forma urbana: noções como “legibilidade”, “imagem mental” e “pertencimento” vieram realçar a referência formal de um quadro de vida local que abrange desde a habitação até o espaço público, opondo-se, portanto, à arbitrariedade projetual. Esses avanços, entretanto, teriam sido solapados pelo neoliberalismo ao instaurar uma lógica de decisão inscrita em fundamentos internacionais, que na prática evita a prospectiva sobre necessidades e desejos de comunidades distintas. Essa situação encorajaria o autoritarismo e a adoção de respostas estereotipadas, fazendo com que o projeto urbano entre em colisão com os pressupostos da herança sociocultural da forma urbana, cujo valor parece agora incompreensível e francamente alienável. Resulta desta condição que muitos projetos se oferecem ao rápido sucateamento. Na ausência de uma investigação sobre as raízes e razões profundas da morfologia urbana, acumulam-se camadas de intervenções em um palimpsesto que produz congestão imagética, sem dúvida, mas que de modo algum garante “alteridade” ou “integração social”.
Exposição: Projeto urbano e conhecimento: da autonomia à heteronomia do espaço urbano
Expositora: Eunice Helena S. Abascal (Mackenzie)
Resumo: A expressão projeto urbano é uma noção polissêmica, complexa e ambígua para uma cultura de intervenção urbana e configuração da cidade contemporânea. A definição flexível urge pesquisas exploratórias, a investigar o significado nela incontido e expresso na transformação induzida de áreas urbanas. O amplo sentido de “projeto urbano” se problematiza a partir da oposição entre a “autonomia” e a “heteronomia” do projeto. Seu significado pode ser explorado diante do ideário e condições histórico-culturais em que é gestado, enraíza-se no profícuo debate cultural das disciplinas que abordam o espaço: filosofia, sociologia e saberes que refletem sobre o espaço frente à incerteza das transformações que induzem a pensar o espaço como tempo, assumindo que o projeto urbano nasce de um desenho mais que a simples habilidade de representar, e que está impossibilitado de se separar da decisão. O aporte de disciplinas afins ao urbanismo não se soluciona como multi ou interdisciplinar, e não conferem ao projeto base objetiva, como fundamento ao desenho da cidade, mas validam-no, se a singularidade de proposição do arquiteto responsável por uma concepção se mantiver no discurso. Entre autonomia e heteronomia do projeto urbano, frente ao conjunto das disciplinas com as quais a proposição do espaço urbano mantém vínculos, a reflexão sugere a inseparabilidade do projeto urbano da sociedade, configurando-se um problema epistemológico premente: o lugar do projeto e do sujeito do conhecimento, o arquiteto, frente ao jogo de proposições que estabelecem uma condição heterônoma ao projeto: o conceito de desenho como articulação indissociável de arte e técnica.
Exposição: A prática de projetos urbanos no rio de janeiro nas três últimas décadas e o momento atual
Expositores: Henrique Gaspar Barandier (UFRJ), Patrícia Maya (UFRJ), Antônio Colchete (UFJF)
Resumo: Este trabalho analisa a prática de projetos urbanos na cidade do Rio de Janeiro nas últimas décadas, quando se introduz e se difunde a noção de projeto urbano no Brasil. Aborda a cultura de projetos urbanos no contexto carioca a partir de uma visão de conjunto das intervenções urbanas ao longo tempo, pois apesar da continuidade política e ideológica da administração municipal nos últimos 20 anos, o papel do projeto urbano se altera nesse período. Num primeiro momento, nos anos 80, emergem experiências precursoras, concebidas num ambiente de redemocratização do país. O momento seguinte, entre 1993 e 2000, é de inflexão, quando se estrutura um novo discurso sobre a cidade no qual o projeto urbano, como estratégia de intervenção pública, assume lugar central. E o terceiro se inicia no começo dos anos 2000, com o lançamento de alguns projetos de grande apelo midiático, se estendendo aos dias atuais com inúmeros projetos e obras associados à realização dos eventos esportivos na cidade. A pesquisa propõe uma matriz analítica que abrange os inputs - objetivos, demandas, justificativas - e os outputs - resultados espaciais e sociais, projetados ou imprevistos, identificados no presente ou tendenciais. Investigamos o perfil e papel dos diferentes agentes sociais e as temáticas que motivam projetos nos três ciclos, reunindo elementos que contribuem para a compreensão do papel desempenhado pelo projeto urbano na cidade do Rio de Janeiro e desafios que estão postos para o futuro.
Exposição: Projeto urbano e intervenções urbanísticas recentes na orla marítima de fortaleza: fragmentos de um modelo?
Expositoras: Ana Cecília Serpa Braga Vasconcelos (UNIFOR), Camila Bandeira Cavalcante (UNIFOR)
Resumo: O planejamento urbano brasileiro tem sido marcado por contradições inerentes à formação sociocultural do país, como a dependência econômica e a "tradição" de importar modelos tecnológicos e culturais, contemplando duas trajetórias paralelas: a do discurso e a da prática. Assim, o termo projeto urbano, gestado originalmente na Europa e EUA, tem assumido variadas formas em proposições recentes no Brasil, como os planos estratégicos de grande escala ou programas de espaço público, de novos bairros e áreas centrais, de requalificação de frentes marítimas, entre outros. Considerando o fato de que, na contemporaneidade os espaços abertos se apresentam como o lugar onde se experimentam e aperfeiçoam as novas ideias de projeto urbano, este trabalho pretende refletir acerca da apropriação de elementos do ideário do urbanismo contemporâneo pelas práticas urbanísticas recentes na cidade de Fortaleza, e mais especificamente em sua orla marítima. Objetivamos verificar se há e de que forma está sendo gestada uma nova cultura de projeto urbano. Analisamos inicialmente o ‘Projeto Fortaleza Atlântica’, de 1998, para em seguida analisar as mais recentes intervenções pontuais ao longo da orla marítima centro-leste, como: os projetos de Reordenamento da Av. Beira Mar; Vila do Mar; e Requalificação Viária da Praia do Futuro. Questionamos em que medida esses projetos contemplam ou se afastam da abordagem contemporânea e, mais especificamente, dos objetivos originais do projeto urbano, como seu caráter inovador e participativo, a melhoria do uso do território e da qualidade de vida, o seu funcionamento programático e sua vitalidade.