SL72 Metropolização do espaço:
redes, antecipação de regiões metropolitanas e possibilidades da ação pela insurreição do cotidiano.
Resumo
SL-72. Metropolização do espaço: redes, antecipação de regiões metropolitanas e possibilidades da ação pela insurreição do cotidiano.
Coordenadora: Leila Christina Duarte Dias (UFSC)
Resumo:
A história da constituição da rede urbana brasileira foi marcada pela associação entre processo de urbanização e processo de integração do mercado nacional. A eliminação de barreiras de todas as ordens constituiu a condição primordial para integrar o mercado interno, pois esta integração pressupunha a elevação do grau de complementaridade econômica entre as diferentes regiões brasileiras. À presença inicial de ferrovias e das rodovias, que permitiram a circulação de pessoas e mercadorias, de forma mais extensa territorialmente, e que irrigavam o país em matérias primas e mão de obra, se superpõem os fluxos de informação – eixos invisíveis – que se tornaram uma condição necessária a todo movimento de elementos materiais entre as cidades que eles solidarizam.
A clássica obra de Walter Christaller – Central Places in Southern Germany – publicada originalmente em alemão em 1933, e em inglês em 1966, influenciou estudos sobre redes urbanas em diferentes partes do mundo. A teoria das localidades centrais pressupõe regularidade no número, no tamanho e na distribuição do conjunto de cidades de uma região ou de um país; todo centro urbano é concebido como localidade central, e sua centralidade resulta das funções centrais que desempenha como centro distribuidor de bens e prestador de serviços. A diferenciação entre as localidades centrais na oferta de bens e serviços traduz-se em níveis hierárquicos de centros urbanos. Hierarquia, rede, localidade central constituem vocábulos associados a uma forma de pensar a organização espacial ao longo da segunda metade do século XX, que chama a atenção sobre a hierarquia das cidades integradas por redes de relações.
A produção geográfica brasileira foi fortemente marcada pelas ideias de Christaller, que guiam pesquisas acadêmicas e sucessivos estudos do IBGE sobre a configuração da rede urbana, iniciados na década de sessenta e publicados regularmente desde 1972. Contudo, a imagem piramidal e hierárquica tradicionalmente associada ao território – nesses estudos –, na qual os efeitos de proximidade têm relativa supremacia sobre os efeitos de interdependência a longa distância, é cada vez menos verdadeira, como concluem pesquisas sobre as implicações territoriais das novas redes de telecomunicações. No Brasil, por exemplo, desde a década de oitenta, conexões diretas e instantâneas de algumas localidades da Amazônia com os principais centros econômicos do país e do exterior tornaram, em parte, desnecessária a mediação anteriormente realizada pelos degraus inferiores da hierarquia urbana e implicam repensar princípios e métodos de pesquisa sobre rede urbana.
Os processos em curso, próprios a uma economia globalizada, engendram uma outra representação, na qual a posição da cidade/nó numa rede de relações à grande escala interage às economias locais e aos efeitos de proximidade. A lógica de relação entre cidades não obedece mais a um padrão piramidal, em níveis, indo da cidade local à cidade polo. Ou seja, não segue mais o mote de que a cidade local se relacionaria a uma cidade regional e essa a uma nacional e, em seguida, a uma internacional (termos próprios de grande parte do século XX).
A lógica é anastomosada, uma vez que a rede urbana interliga cidades por meio de complexas e inúmeras ramificações que não estabelecem uma estrutura hierárquica, como anteriormente. Essa característica, própria da globalização, é mediada por processos de circulação de fluxos financeiros, de ordens e de mensagens cada vez mais velozes e fluidos.
Todas essas transformações exprimem um fato: estamos vivendo uma fase superior da urbanização, em que padrões, valores e a própria forma de produção do espaço tornam opacas as distinções clássicas entre cidades, entre cidade e campo, entre o que é rural e o que é urbano. Esse processo se caracteriza por uma grande intensidade de fluxos, de inúmeras naturezas, como o de pessoas e de mercadorias, destacando-se, principalmente, os fluxos de capital financeiro, hegemônicos nessa nova fase de desenvolvimento capitalista.
O processo de metropolização do espaço se faz acompanhar da ampliação e criação de novas redes, bem como da nova forma de relação entre cidades que superou a forma de uma hierarquia urbana piramidal. Essas mudanças exigem transformações nas formas tradicionais de planejamento e gestão do território. Interessante é observar que se produzem formas de planejamento, sem ações que se efetivem, como é o caso de criação de regiões metropolitanas, cujos planos se resumem mais à institucionalização delas e menos à forma de desenvolvimento de sua governança. Como exemplo, tomemos o caso de Florianópolis, quando o depois (a institucionalização da região metropolitana) antecedeu aos processos clássicos de desenvolvimento de uma região metropolitana, o que em tese, viria antes.
Todos esses processos e transformações se veem acompanhados de uma intensa homogeneização, fragmentação e hierarquização dos lugares, que vem caracterizando a produção capitalista do espaço, mas que agora ganham intensidade nunca antes conhecida, dada a força do processo de metropolização. Especificamente, a homogeneização viabiliza a conformação da cotidianidade no espaço e a própria intercambialidade dos lugares. Percebemos a partir disso uma espécie de urbanização banalizada, repetitiva, que não é sinônimo de democratização do espaço, visto que ele ganha cada vez mais uma dimensão de segregação, torna-se fragmentado.
Por sua vez, a fragmentação viabiliza sua intensa mercantilização. O espaço é negociado, vendido e consumido, como nunca antes. Nesse sentido, a obtenção de renda pelos proprietários do solo urbano é cada vez mais exacerbada e, neste momento em que falamos de metropolização do espaço, a especulação imobiliária é utilizada intensamente para ampliar esses rendimentos e tem provocado expropriações em diversas áreas da cidade.
Evidentemente, os lugares da cidade são hierarquizados e projetam diferentes valores de troca. Os investimentos diferenciados efetuados pelos governos colaboram, ainda mais, para acirrar a hierarquização dos lugares, refletindo a hierarquia do poder econômico e político: bairros pobres, localidades da elite, favelas... Aqui, o discurso da violência e do medo ganha força e viabiliza estratégias de produção de espaços de repressão.
Entretanto, quando através da apropriação do espaço da cidade reconstruímos a cotidianidade, é possível pensarmos na formação de movimentos que lutem pela emancipação e pela sua transformação. O cotidiano é, simultaneamente, o trivial e o pouco provável; a velocidade e o tempo lento; o lugar e o global.
É no lugar, no dia-adia, que encontramos as respostas e também as dúvidas. É com esse sentido, de compreender as mudanças em curso, que propomos discutir:
• as mudanças nas aglomerações urbanas, sejam elas metrópoles ou não, estruturadas em novas formas de aglomerações urbanas; • as alterações nas redes, particularmente nas redes financeiras – seus fluxos e lugares de convergência – num contexto de poder crescente dos valores financeiros e das tecnologias sobre as corporações, os indivíduos e as famílias;
• os projetos que antecipam os processos, instituindo-se regiões metropolitanas indutoras de metropolização, como é o caso de Florianópolis e que de certa forma permitiria dizer que o depois vem antes. Na lógica se teria os processos que induziriam à constituição da região metropolitana e, posteriormente, a institucionalização dela, mas não é o que ocorre: a institucionalização vem antes;
• a relação entre espaço, cotidiano e ação, que permite compreender o processo de metropolização do espaço, uma vez que por meio de uma reflexão sobre o cotidiano e de suas formas de alienação pode-se ver possibilidades de rupturas que ações insurgentes teriam a potencialidade, se não de transformações radicais, pelo menos de produzir novas formas que nos permitem imaginar e lutar por cidades justas.
Exposição: As redes e a metropolização do espaço: mudanças na geografia do sistema bancário
Expositora: Leila Christina Duarte Dias (UFSC)
Resumo: Historicamente os bancos representam o centro do sistema financeiro. Contudo, há relativo consenso de que a distinção entre serviços bancários e outros serviços financeiros é cada vez menos clara. No mundo inteiro, os bancos têm enfrentado a concorrência de outras instituições financeiras e de empresas externas ao setor financeiro que desejam desenvolver certas atividades bancárias. Novas regulamentações permitem às instituições não bancárias moverem-se em direção à atividade bancária. Em resposta à essas pressões, bancos e outras instituições de crédito estão reorganizando suas redes, com implicações espaciais significativas. Muda o que alguns autores denominam de “arquitetura do conhecimento” do sistema bancário, tradicionalmente baseada na interação face a face com os clientes, e que se transforma pela difusão dos serviços bancários sem agências, quando clientes estão sendo selecionados e avaliados, à distância, pelo uso das tecnologias de informação e comunicação apoiadas em bancos de dados, sistemas de pontuação de crédito, entre outras estratégias do setor. Nessa nova “arquitetura do conhecimento” coexistem pelo menos duas dimensões inter-relacionadas na sua estrutura locacional: a geografia dos fluxos e a geografia dos fixos. Num contexto de poder crescente dos valores financeiros e das tecnologias sobre as corporações, os indivíduos e as famílias, bancos e outras instituições financeiras estão cada vez mais concentrados na metrópole paulista, e pelas suas redes – estruturas de interconexão instáveis no tempo, móveis, sempre inacabadas, e que tendem à complexificação – participam ativamente do processo de metropolização do espaço.
Exposição: A unidade de uma aglomeração difusa e a constituição de uma megaregião
Expositora: Sandra Lencioni (USP)
Resumo: Muitas cidades estão enredadas em imensos aglomerados urbanos que formam verdadeiras nebulosas urbanas. Essas não constituem novidade, mas hoje em dia são originais em relação ao tamanho que têm. Aí imperam os processos de metropolização do espaço constituindo um continuum difuso, mas que revela um alto grau de integração devido aos fluxos de diversas naturezas e densidades, que se entrecruzam e se adensam. Nessas aglomerações urbanas difusas importantes metrópoles e cidades se evidenciam e em todo o aglomerado pairam os signos metropolitanos: nas favelas, nas áreas de serviços sofisticados, nas áreas residenciais, nos percursos, nos portos, nos aeroportos, nas áreas comerciais, nas industriais, nas áreas reflorestadas ou de vegetação nativa…. As grandes aglomerações difusas do passado foram chamadas de megalópoles por Gottmann, mas a nova realidade impõe uma redefinição desse conceito. São 3 os principais motivos: o primeiro deles é que a proposta de Gottmann enfatizava os fluxos materiais, mas hoje em dia os imateriais são de suma importância. O segundo é o de que a globalização impõe novas redes de relações e, o terceiro, é o contexto da estreita relação entre o capital financeiro e o setor imobiliário que vem revolucionando a forma de produzir o urbano. Essa perspectiva teórica é que orienta o olhar sobre a aglomeração Rio de Janeiro-São Paulo, que conforma uma mega-região, que além de ser região, é também um lugar e um processo.
Exposição: Região metropolitana de Florianópolis: intencionalidades e processos
Expositor: Elson Manoel Pereira (UFSC)
Resumo: Questões ligadas ao relevo combinadas a fatores geopolíticos e socioeconômicos criaram em Santa Catarina um sistema urbano multipolarizado, sem a existência de uma metrópole de fato. Diante deste quadro, o planejamento de Florianópolis até a década de 1970 refletiu a busca de uma maior influência da capital no conjunto da rede urbana catarinense. Em 1970, a capital de Santa Catarina possuía 143.414 habitantes e sequer constituía uma área conurbada com os pequenos municípios limítrofes. Sua condição de capital devia-se a fatores históricos e concedia-lhe a possibilidade de abrigar as sedes do governo estadual e de empresas públicas. Os principais fluxos (econômicos, de população etc) das cidades localizadas no interior aconteciam com as capitais dos estados vizinhos (Porto Alegre e Curitiba) e com São Paulo. Os responsáveis pelo planejamento de Florianópolis pensaram em uma série de estratégias no sentido de “transformar” Florianópolis numa metrópole de 500 mil habitantes, e assim “polarizar” o território catarinense, “rivalizando” com as capitais vizinhas. As ações preconizadas, além da constituição da Região Metropolitana de Florianópolis-RMF, buscavam o desenvolvimento pela industrialização e turismo, a integração rodoviária entre o litoral e o oeste do estado e o investimento em infraestrutura no município, com a construção de uma ponte e de um sistema viário de autoestradas urbanas. Ressalta-se que este pensamento reproduzia, de certa forma e em outra escala, o planejamento feito na década de 50 para a cidade. Portanto, a ideia da institucionalização da RMF precede à existência de uma metrópole de fato.
Exposição: Metropolização do espaço: uma reflexão a partir das noções de espaço, cotidiano e ação
Expositor: Álvaro Ferreira (PUC-Rio; UERJ)
Resumo: A reflexão acerca das novas estratégias, dinâmicas e processos na produção das cidades leva-nos a ter em conta a atual metropolização do espaço, que por sua vez remete-nos às noções de espaço, cotidiano e ação. A produção das cidades é realizada a partir de certas intencionalidades, que são materializadas para dar sustentação a um momento marcado pela metropolização do espaço. O século XXI trouxe com ele fatos novos, mas também permanências; processos novos, outros revisitados, e ainda outros que se constituem e se realizam a partir de processos anteriores. Acreditamos que as categorias espaço, cotidiano e ação podem contribuir para um maior desvendamento do processo de metropolização do espaço. Trata-se de refletir sobre as escalas da ação, o sentido da ação e, obviamente, o que e quem está por trás da ação. Se o cotidiano pode se apresentar como alienante e alienador, é também a partir da percepção da alienação que podemos construir caminhos e possibilidades de transformação. Como é no espaço que se materializam e se realizam as diferenças, é também através do espaço que podemos vislumbrar outras possibilidades, que podemos produzir novas formas que nos permitam imaginar e lutar por cidades justas.