SL68 Metrópole biopolítica, cartografias emergentes e urbanismo tático
Resumo
SL-68. Metrópole biopolítica, cartografias emergentes e urbanismo tático
Coordenadora: Natacha Rena (UFMG)
Resumo:
As políticas públicas neoliberais, impostas pelo Estado-capital sobre o território urbano, configuram evidências claras de como a cidade vem se tornando um palco de disputa territorial. Se a fábrica configurava o campo de exploração do trabalho até os anos 70, atualmente o Estado-capital extrai a mais-valia em todo o espaço. Em tempos de capitalismo cognitivo, no qual a tendência da produção cotidiana no mercado vem construindo redes de trabalho voltadas para setores criativos e sociais, as biopolíticas implementadas vão consolidando uma dinâmica de produção do espaço complexa, realizando processos de exclusão social em diversos níveis. Compreender estas as novas estratégias de políticas territoriais é fundamental para mapearmos os campos de luta mais importantes nas nossas cidades. O que está em disputa, a partir dos movimentos multitudinários detonados desde 1999 em Seatle, e que ganharam força no Brasil a partir de junho de 2013, é, principalmente, a metrópole. Segundo Hardt e Negri (2009), num texto intitulado Metrópoles, a metrópole é para a multidão o que a fábrica era para a classe operária industrial, o que poderia nos induzir a pensar nas metrópoles como territórios conectados nos quais as ações biopolíticas e de controle dos corpos e das espécies se dão com maior intensidade. Ao mesmo tempo, poderíamos pensa-las como o lugar no qual a biopolítica das resistências primeiras são também muito potentes.
O sistema capitalista global contemporâneo, que conecta indissociadamente Estados e empresas, pode ser também denominado de Império ou neoliberalismo. Diferente do capitalismo fordista, no qual a mais-valia era prioritariamente explorada via a força de trabalho nas fábricas, atualmente se dá via capital rentista em expansão dirigindo a exploração para todo o território metropolitano, dentro e fora das fábricas. A exploração atual passa pela captura dos desejos e neste sentido todo um sistema simbólico abduz a subjetividade e nos torna trabalhadores e consumidores obedientes, dentro de um sistema capitalista financeiro, assistimos ao surgimento de um novo homem: o homem endividado. Além de vermos configurar (via Estado-capital) a construção de sujeitos dóceis (próprios da sociedade disciplinar em que o controle incidia – e ainda incide – diretamente sobre os corpos), estamos imersos em práticas de controle mais sutis e flexíveis, uma tomada da subjetividade que nos torna controlados biopoliticamente. Para Hardt & Negri (2001), este sistema neoliberal que atua na lógica imperial em contraste com o imperialismo, não estabelece um centro territorial de poder, nem se baseia em fronteiras ou barreiras fixas pois é um aparelho de descentralização e desterritorialização do geral “que incorpora gradualmente o mundo inteiro dentro de suas fronteiras abertas e em expansão, já que o Império administra entidades híbridas, hierarquias flexíveis e permutas plurais por meio de estruturas de comando reguladoras.” (HARDT & NEGRI, 2001:12-15) Os autores afirmam que é na metrópole que as novas configurações de resistência se configuram com maior intensidade, e em tempos de produção biopolítica nas quais as forças produtivas que movem o capitalismo pós-fordista, trabalhando principalmente com ideias, afetos e comunicação, não estão mais simplesmente concentradas nas fábricas, mas sim espalhadas por todo terreno social urbano (HARDT & NEGRI, 2014). É preciso estar atento à tomada do Estado pelo capital, que agora atua de dentro dos processos políticos institucionais e por meio de mecanismos de gestão pública, gerando políticas e instrumentos urbanísticos que fazem parte, muitas vezes, do próprio Estatuto das Cidades. Estas lógicas encabeçam o eixo da gentrificação de grandes regiões, principalmente nos centros das cidades que já detêm meios de transporte e serviços abundantes. Segundo Pelbart (2011), o biopoder está ligado com a mudança fundamental na relação entre poder e vida. Na concepção de Foucault, o biopoder se interessa pela vida, pela produção, reprodução, controle e ordenamento de forças. A ele competem duas estratégias principais: a disciplina (que adestra o corpo e dociliza o indivíduo para otimizar suas forças) e a biopolítica (que entende o homem enquanto espécie e tenta gerir sua vida coletivamente). Nesse sentido, a vida passa a ser controlada de maneira integral, a partir da captura pelo poder, do próprio desejo do que dela se quer e se espera, e assim o conceito de biopoder se expande para o conceito de biopolítica.
Paralelamente, vivencia-se a crescente expansão das tecnologias digitais de comunicação e sua consequente integração às biopolíticas, como elementos codependentes e indissociáveis da dimensão físico-territorial. Marta Battistella (2013) reflete sobre o contraste entre o potencial globalizante e aparentemente desterritorializante da revolução informacional, e o caráter predominantemente local dessas plataformas digitais sociais, que almejam incentivar encontros e intervenções urbanas. A autora argumenta que, apesar desse avanço tecnológico apontar uma aparente tendência ao distanciamento do universo físico e da convivência face a face, torna-se possível presenciar o surgimento de uma série de iniciativas conectadas em rede que propõem, justamente, o resgate da experiência local do espaço. O uso crescente de telefones celulares conectados à internet proporciona às redes de comunicação um potencial de mobilidade até então inédito, expandindo suas oportunidades de aplicação na esfera territorial: “a internet móvel e o georreferenciamento, juntos, permitem algo antes impensável: a associação, em tempo real, da identidade digital com um espaço físico particular. Isso significa dar a essa identidade que era, até o momento, ubíqua, uma dimensão e uma localização” (DI SIENA: 2012).
Como processo de resistênncia biopolítica, o ato de cartografar, mapear e distribuir nas redes digitais a informação de bens e de recursos que emergem na metrópole tem o potencial de revelar o comum destacado por Hardt e Negri (2009). A tendência ao compartilhamento sinaliza uma transformação dos padrões tradicionais de consumo, apontando para uma lógica a partir da qual ter acesso a serviços e a equipamentos específicos se torna mais importante do que possuí-los. As práticas desenvolvidas nessa categoria se conectam ao incentivo da economia solidária e à busca por um desenvolvimento urbano mais sustentável. A incorporação de camadas informacionais ao ambiente físico-construído, aos objetos e aos ambientes que compõem o espaço urbano por meio de sensores, controladores e atuadores conectados em rede, constituem-se novos níveis da organização espacial contemporânea, fundamentais ao funcionamento das metrópoles atuais. Essa fusão da tecnologia de comunicação com o território pode ser identificada também como computação ubiqua ou como realidade aumentada, sugerindo, como o próprio nome indica, recursos que atuam em conjunto à, mas não visando substituir, a dimensão material da cidade. Instrumentos semelhantes são amplamente explorados pelas propostas de smart cities, buscando maior eficiência para os serviços urbanos e para a sua administração. Contudo, a tecnologia das smart cities é quase que exclusivamente produzida pela iniciativa privada, vinculando o seu desenvolvimento prioritariamente a interesses neoliberais. Quando a informação em tempo real da metrópole é capturada e privatizada numa ação biopolítica, estas retornam para a metrópole como soluções inteligentes para as cidades que na verdade são mecanismos de controle da vida. Este processo abre caminho para se discutir tecnopolíticas que atuem sob a lógica de produção de conhecimento livre e da neutralidade das redes informacionais. Se tem como objetivo ações que se baseiem no livre intercâmbio de informação voltada à transformação espacial, tal como: métodos construtivos, projetos arquitetônicos, soluções para intervenções em situações de emergência, etc. Plataformas desse tipo ampliam e democratizam o acesso a uma produção em geral restrita a setores específicos da sociedade, oferecendo mecanismos de construção e de gestão do espaço a grupos sociais variados. A inteligência coletiva é estimulada a partir da criação conjunta, multiplicando o conhecimento sobre os assuntos abordados e fazendo surgir novas táticas e instrumentos de ação e de autogestão. Paralelamente, processos contemporâneos de ressignificação de espaços públicos, ou seja, iniciativas articuladas em rede que buscam dar novos significados ao território urbano a partir de intervenções temporárias, eventos organizados de forma colaborativa ou práticas que exploram a experiência sensível do espaço. Estas práticas também conhecidas como urbanismo tático, que podem ter características high ou low tech, desafiam os conceitos consolidados de espaço público predominantes nas metrópoles contemporâneas. Porfim, a metrópole biopolítica, as cartografias emergentes e o urbanismo tático serão discutidos e abordados em experiências concretas das 5 exposições desta sessão livre.
Referências
BATTISTELA, Marta. Digital Social Tools for the City; New Series: Social Toolbox. Ecosistema urbano, Madrid, 28 nov. 2013. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2014.
DI SIENA, Domenico. Urbanismo emergente, ciudadanía y esfera digital. Urbano humano, 30 set. 2012. Disponível em: . Acesso em: 10 jan. 2014. __________________. Tactical Urbanism. P2P foundation, 04 ago. 2014. Disponível em: . Acesso em: 23 ago 2014.
HARDT, M.; NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001. HARDT, M.; NEGRI, A. Multidão. Rio de Janeiro: Record, 2005.
HARDT, M., NEGRI, T; Commonwealth. El projecto de una revolución del común. Madrid: Akai, 2009.
HARDT, M.; NEGRI, A. Declaração. Isto não é um manifesto. São Paulo, Editora n1, 2014.
PELBART, P. P. Vida capital. Ensaios de biopolítica. Ed. Iluminuras: São Paulo. 2003.
Exposição: Cartografias da cultura em BH
Expositores: Natacha Rena (UFMG), Ana Isabel de Sá (UFMG), Paula Bruzzi Berquó (UFMG), Fernanda Quintão (UFMG), David Narvaez (UFMG), Luiza Magalhães (UFMG), Sarah de Matos (UFMG).
Resumo: Esta sessão aqui proposta pretende relatar a experiência da pesquisa CNPq MinC SEC Cartografias Emergentes: a distribuição territorial da produção cultural em Belo Horizonte em desenvolvimento na EAD/UFMG cuja investigação se vinculou à disciplina de graduação UNI009, oferecida no segundo semestre de 2014. O estudo propõe a produção de cartografias críticas, georreferenciadas e colaborativas que localizem, no território urbano, atividades culturais existentes e tipos de financiamento e de organização utilizados para sua realização. Os mapas produzidos contemplarão atividades ocorridas em equipamentos oficiais e práticas itinerantes e independentes, promovidas por micro produtores e grupos minoritários. Foi criada uma plataforma online de mapeamento coletivo, a partir da qual é possível que qualquer cidadão acrescente ao mapa atividades culturais: https://culturabh.crowdmap.com. A fim de ampliar seu alcance e garantir que ela seja acessível a diversos setores da população, algumas oficinas presenciais de mapeamento colaborativo estão sendo realizadas adotando o desenvolvimento de metodologias para produção de cartografias físicas, cujas informações poderão ser incorporadas ao mapa online. Parte-se do pressuposto de que a cartografia é um instrumento fundamental na representação das relações de conhecimento e poder, usada historicamente para legitimar políticas e ações de grupos sociais dominantes e influenciar na apropriação e percepção territorial, mas que pode também se tornar um método de construção da realidade de forma coletiva e horizontal. Busca-se, assim, produzir uma base de dados interativa, que apoie a realização de análises e o desenvolvimento de políticas públicas, visando estimular a criação de novos modos de desenvolvimento mais inclusivos.
Exposição: Urbanismo tático e a produção do comum na metrópole biopolítica
Expositores: Marcelo Maia (UFMG), Ana Isabel de Sá (UFMG), Natacha Silva Araújo Rena (UFMG)
Resumo: Compreende-se que a contaminação da sociabilidade humana pelas redes digitais de comunicação se manifesta de maneira controversa – que envolve questões como privacidade, vigilância e o fortalecimento de um modelo de urbanização pautado pela conquista de investimentos no cenário global –, diretamente relacionada às transformações em curso nos modos de produção, de trabalho e de consumo. Contudo, há também oportunidades para a aplicação desses recursos em iniciativas de articulação cidadã, de cooperação intelectual e de livre disseminação do conhecimento, revelando o potencial democratizante do desenvolvimento tecnológico. O acesso à internet desempenha papel fundamental na consolidação desses fenômenos. Apesar do Brasil apresentar um quadro de acentuada desigualdade social, o acesso aos dipositivos de conexão vem se expandindo em todos os setores da sociedade, atingindo 105 milhões de usuários em 2013. Os principais mecanismos de planejamento urbano vigentes no Brasil atual advogam em defesa da “participação popular” na elaboração de políticas públicas urbanas– prevista no Estatuto da Cidade como diretriz obrigatória à gestão democrática, além de que o Brasil vem demonstrando interesse em estar na vanguarda das políticas públicas para as redes digitais, a partir de ações como a aprovação do Marco Civil da internet e a criação do portal Participa.Br. Nesse sentido, identifica-se grande potencial nas iniciativas identificadas como urbanismo entre pares, arquitetura open source, cidade copyleft, ou wikitetura. Pretende-se aqui apresentar os pricípios téoricos e exemplos práticos baseados na cultura de software aberto e do conhecimento livre próprios do universo informacional que sejam aplicados à produção colaborativa do espaço urbano.
Exposição: Mapeando o comum: uma cartografia tática configurando redes de pesquisa e ativistas em defesa do comum urbano
Expositor: Pablo de Soto (UFRJ)
Resumo: Pode o comum ser mapeado? Qual é a riqueza comum da metrópole contemporânea e como ela pode ser localizada? Como o comum está sendo protegido das privatizações e das parcerias público-privadas do neoliberalismo totalitário? Que novas práticas de “fazer comum” surgiram no ciclo de lutas que começou em junho no Brasil nas revoltas pelo passe livre? Quais são as vantagens e os riscos da produção desta cartografia em tempos de crise e rebeliões? Propomos uma busca pelo bem comum, uma pesquisa que toma a forma de um processo de mapeamento. Entendemos mapeamento, como proposto por Deleuze e Guattari, e como artistas e ativistas sociais têm vindo a utilizar durante a última década, como uma performance que pode tornar-se uma reflexão, uma obra de arte, uma ação social. Apresentamos a hipotese, método e resultados do projeto Mapping the Commons (http://mappingthecommons.net). O projeto propõe um método de comunidade de aprendizagem em que os bens comuns são discutidos, definidos com os parâmetros e, às vezes, representados em vídeos de curta duração, numa espécie de videocartografia. Laboratórios cidadãos tem sido organizados desde dezembro de 2010 em Universidades, espaços sociais autonomos e instituçoes de arte de Atenas, Estambul, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Quito.
Exposição: Mapeando o comum na Grande Vitória: cartografias, teorias e o comum
Expositores: Clara Miranda (UFES), Ana Paula Damásio; André Azoury (UFES), Bruno Vilas Novas (UFES), Caroline Costa (UFES), Gelso Vieira (UFES), Jessica Pesse (UFES), Lindomberto Ferreira (UFES), Lutero Pröscholdt (UFES), Marcos Gomes (UFES), Saulo Yamamoto (UFES).
Resumo: O Mapeando o Comum Grande Vitória – GV tem como referência as experiências ‘mapeando’ Istambul, Grécia, Barcelona e Belo Horizonte. Busca: conflitos sociais; cooperações; dinâmicas vivas e potências socioambientais; visando designar meios de luta, de ação e de relação entre atores que atuam em agonística. Topamos com a pergunta por que mapear; com a demanda de uma teoria do ‘urbanismo’ comum, como teoria da territorialização do comum e das práticas que transformam o território e a cidade pela via do comum. O Mapeando GV vem ocorrendo desde 2013, segundo a metodologia proposta por Pablo de Soto. As discussões perscrutaram a experiência das forças que agem nos movimentos sociais de moradia e de mobilidade urbana e nos coletivos, em sua territorialização, designando formas de cooperação ou de cooptação; apontando enclosures urbanos dos quais emergem conflitos como entre concessionárias e transeuntes; entre corporações e cidade; entre patrimonialistas e excluídos do direito à cidade ou de sujeitos a riscos pela exploração predatória socioambiental capitalística. Nestas situações constatam-se disputas pelo espaço da cidade e pelo comum, resultando exclusividade e, por conseguinte, exclusão dos ativos comuns; gerando processos de gentrificação, de cooptação de ‘capital humano’, de formação de novas periferias e novos riscos socioambientais. Neste sentido, o processo conduzido pelo grupo Mapeando o Comum GV tenta construir um imaginário sobre as lutas regionais pelo comum; concomitantemente, tem a ambição de teorizar sobre o urbanismo do comum, buscando menos uma espacialização das ‘forças’ e mais a maneira que ou como advêm e tomam espaço.
Exposição: Táticas de infiltração, outros modos e meios de pensar e agir na cidade
Expositores: Monique Sanches Marques (UFOP), Mauríccio Leonard de Souza (UFOP)
Resumo: Ouro Preto, morro, mina, minério, rejeito, água, deslizamento. Patrimônio, turismo, arte, tombamento. Pedra, calçada, jardim, casa, quintal. Pardos, brancos, escravos, negros, estrangeiros. Essas são aproximações de Ouro Preto, da cidade avistada, hegemônica e também das várias cidades subterrâneas e moleculares que a compõe. Diante das sobreposições de estratos que constituem as subjetividades dessa cidade, buscamos abrir fissuras em sua composição hegemônica. Trata-se de abordar suas camadas estratigráficas, não apenas geológicas, mas também econômicas, sociais, políticas, ambientais e as deposições que se formam ao longo do tempo. Ao infiltrar nesse sistema molar, de macro poderes, de tradição e dominação que a constituem, agenciamos ações no sentido de tornar os estratos mais porosos. Nossas ações ocorrem temporalmente a partir das circunstâncias e oportunidades encontradas. Diante do passivo ambiental de uma terra minerada, a paisagem moldada em balcões ou submersa pelo rejeito do minério, trabalhamos com os moradores o acolhimento e a produtividade de seus quintais, a reconversão das minas em locais de lazer e turismo comunitário, a potencialidade desse lugar como formação ambiental e patrimonial. Para um processo de turistificação programado, agenciamos o acesso de visitantes para além do centro histórico temático e formal. Diante dos rios que absorvem o impacto da falta de tratamento do esgoto, recuperamos a bica do morro que se desdobra em lugar da reza e da brincadeira. Essa rede de ações reverbera em pessoas e grupos de distintas naturezas, em micro e macro escalas de poder. Nossa proposição é costurar linhas e configurar sistemas de práticas emancipadoras.