SL62 Raça e espaço urbano no Brasil

  • Ana Cláudia Castilho Barone
  • Danilo Sales do Nascimento França
  • Alex Ratts
  • Geny Ferreira Guimarães
  • Matheus Gato de Jesus

Resumo

SL-62. Raça e espaço urbano no Brasil

Coordenadora: Ana Cláudia Castilho Barone (USP)

Resumo:

A sessão livre que ora se propõe tem como tema a questão racial no espaço urbano brasileiro, a partir de perspectivas variadas e com múltiplos enfoques. Tradicionalmente o debate sobre as desigualdades raciais confere maior enfoque a uma dimensão histórico-temporal ofuscando o estudo da territorialização racializada de recursos e bens sociais e culturais.

O olhar para o objeto urbano a partir do ponto de vista da questão racial traz uma leitura que recompõe e ressignifica o debate sobre a questão urbana no Brasil e os temas da apropriação do território, da segregação e da justiça social, colocando esses problemas em um novo prisma e pressupondo novos recortes, periodizações, orientações metodológicas e epistemológicas.

A ideia que orientou a organização dessa sessão livre foi o esforço de se procurar abranger, tanto quanto possível, um amplo espectro da relação entre raça e espaço urbano no Brasil, em três sentidos: o espacial, buscando incluir localizações geográficas tão diversas quanto São Paulo, Rio de Janeiro, Goiânia e São Luís, o temporal, reunindo pesquisas que abarcam desde o final do período imperial até o momento contemporâneo, e o disciplinar, fazendo dialogar pesquisadores provenientes dos campos da geografia, da sociologia e do urbanismo, pelo menos.

Em termos dos conteúdos tratados, ressalta-se de início a flagrante questão dos espaços que couberam aos negros nas cidades brasileiras, desde os primeiros casos de conquista da alforria, ainda no período imperial: espaços de ocultamento, como os quilombos, ou de segregação, como os baixos de viadutos, as ruas, os cortiços e, posteriormente, as favelas. Quais lugares da cidade couberam à ocupação por parte dessa população que possuía estatutos sociais variados (ex-escravo, forro, liberto, homem e mulher livre) na moderna sociedade brasileira após a abolição e a proclamação da república?

O quanto a população negra precisou se valer de estratégias de ocultamento no espaço urbano para sobreviver, seja na sua dimensão de moradia, seja nos diversos aspectos de sua cultura e religião, e até que período histórico? Esses períodos são semelhantes nas diversas cidades do Brasil?

Um desenvolvimento dessa problemática incide diretamente sobre as formas como a questão urbana vem sendo recortada pela teoria clássica, que privilegia uma compreensão do problema da ocupação do território a partir de uma leitura exclusivista com base no conceito de classe social.

Em que medida, no entanto, o recorte por classes não vem, no caso brasileiro, se intersecionar a uma outra leitura possível, reveladora de outras dimensões do problema urbano, colocada a partir da questão racial? À medida que os indicadores de ocupação do território das cidades brasileiras por raça aparecem em mapeamentos, começa a se descortinar um novo campo de investigações, com novas perguntas: a elitização de um bairro de uma determinada cidade correspondeu ao seu branqueamento? Em que período esse branqueamento ocorreu?

Um outro desdobramento do problema é representado através dos padrões de segregação que as cidades brasileiras foram adotando historicamente à medida que cresciam. Seja porque expulsaram a população negra dos bairros centrais, seja porque os bairros ocupados pelas classes de renda média e alta constroem-se pelo isolamento da população branca, seja porque a população negra aparece neles em diversas funções, mas nunca na residencial, o que se forma é um padrão de segregação que não se impõe apenas como uma questão de classe, mas se coloca ao mesmo tempo como um problema a ser compreendido no âmbito racial.

No período recente o país passou por uma série de transformações sociais e políticas que envolvem diretamente a população negra: os indivíduos autoclassificados como pretos e pardos já superam metade da população, a relativa mobilidade social, a expansão do ensino básico e as políticas de ações afirmativas têm contribuído para que os negros e negras alcancem posições sociais jamais ocupadas em nossa história, têm-se implementado uma série de políticas de reconhecimento de demandas específicas por parte do Estado, além do crescimento de mobilizações políticas e identitárias negras na esfera civil. Todas estas mudanças abrem novas vias de questionamento para a pesquisa acadêmica e dão fôlego renovado às reflexões sobre as relações raciais e à proposição de novos paradigmas. O desenvolvimento de uma perspectiva de pensamento sobre o urbano do ponto de vista racial é mais do que necessária num contexto em que as transformações urbanas no país também se multiplicam.

Ademais, surge também como conteúdo um forte engajamento no compromisso em recompor a geografia, a memória e a história urbana do país, tendo como ponto de partida as referências da presença, da cultura e do patrimônio negro na cidade, no sentido inverso ao construído e cristalizado epistemologicamente, do embranquecimento da nação. Nesse sentido, busca-se, com essa mesa, desfazer os caminhos que levaram ao apagamento da cultura, da memória e da identidade negra sobre o território das cidades brasileiras, trazendo à tona os símbolos e os significados dessa memória e dessa identidade.

Ainda uma questão ressaltada em termos dos conteúdos que as diversas pesquisas apontam é a dificuldade em se obter fontes históricas e documentais sobre esse tema. A escassez e os obstáculos nesse campo apenas repercutem como mais um aspecto do problema racial brasileiro e da forma como o país constrói a sua identidade racial.

Tendo em vista o fato de que a presença negra nas nossas cidades, historicamente, não tem tido destaque nos debates promovidos pelos encontros da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional, a sessão livre aqui proposta pretende lançar luz sobre variadas formas de experiência de negros e negras no espaço das cidades brasileiras. Um congresso que se propõe a refletir sobre apropriações insurgentes do espaço urbano torna-se relevante ter como pressuposto o reconhecimento da diversidade de apropriações deste espaço. Com o intuito de demonstrar o grande escopo de possibilidades de tal proposta, as exposições previstas representarão uma pluralidade de contextos históricos e regionais, como também de abordagens disciplinares, nos quais enfatizaremos as formas de ocupação e distribuição dos negros na cidade; os padrões raciais da segregação urbana; apropriações, sociabilidades e territorialidades negras; representações racializada sobre o espaço urbano; e formas de visibilidade e ocultamento do negro nas cidades brasileiras.

Exposição: A dispersão dos negros no território da cidade de São Paulo na década de 1950 – um mapeamento de indícios

Expositora: Ana Cláudia Castilho Barone (USP)

Resumo: Esta apresentação tem como objetivo trazer a público e para o debate um mapeamento da localização dos negros na cidade de São Paulo durante a década de 1950, realizado não a partir de levantamentos sistemáticos e amostrais, mas de indícios. Assim, as fontes a serem utilizadas para a realização do mapeamento serão sobretudo os informantes de Florestan Fernandes na pesquisa realizada para a UNESCO durante aquele período, os jornais da imprensa negra e os estabelecimentos comerciais e institucionais ali anunciados e as formas de organiação da vida cultural negra mapeadas pela bibliografia consolidada sobre o tema. As questões levantadas a partir desse mapeamento permitirão realizar duas ordens de discussão. A primeira sobre a dispersão da população negra no território da cidade, vista a partir dessas fontes, e quais lugares da cidade foram destinados a essa população nesse período. A segunda sobre as possíveis estratégias metodológicas e procedimentos de pesquisa que permitam ao pesquisador superar a questão da escassez de dados sobre as condições de vida da população negra na cidade nesse período. Entre os propósitos que nos motivam para a realização desse mapeamento, está o de compor dados para promover um debate sobre o contraponto entre raça e classe na leitura da questão urbana em São Paulo.

Exposição: Segregação residencial por raça em classes médias e altas paulistanas: para ir além do “efeito-vizinhança”

Expositor: Danilo Sales do Nascimento França (USP)

Resumo: Partiremos da análise de mapas indicadores quantitativos para revelar os contornos racial e de classe social da segregação residencial na região metropolitana de São Paulo nas últimas décadas. Os dados demonstram um expressivo isolamento de brancos de classes médias e altas, que encontram-se distantes dos negros destes mesmos estratos sociais. Podemos compreender tais graus de segregação racial como reveladores dos limites da inserção dos negros nas camadas médias e altas. Nossa exposição sugerirá uma proposta de estudo acerca do significado desta separação residencial para as relações raciais propriamente ditas, ou seja, para as interações entre negros e brancos nestas camadas sociais. Em termos mais clássicos, pretendemos explorar o papel das separações físicas no espaço urbano para a constituição de distâncias sociais entre grupos que ocupam posições semelhantes na estratificação socioeconômica. As pesquisas sobre os chamados “efeitos de vizinhança” constituem a principal corrente contemporânea que discute as consequências da segregação. No entanto, argumentamos que esta perspectiva não é suficiente quando estudos sujeitos de classes sociais mais altas, cujos recursos permitem maior mobilidade e diversidade de redes de relação na metrópole. Em vez do foco na localidade e nas relações de vizinhança, propomos uma abordagem que articule redes sociais, trajetos e trajetórias no espaço da metrópole.

Exposição: Espaços e territórios negros em Goiânia

Expositor: Alex Ratts (UFG)

Resumo: A capital goiana fundada em 1933, junto com Brasília (1960) e outras como Palmas (1989) compõem um quadro de grandes cidades de importância geopolítica formadas no século XX, agregando vários processos migratórios, cuja formação étnico-racial e sócio-espacial, no caso das duas primeiras, as coloca em posição central no país. No entanto, Goiânia, apresenta padrões de segregação residencial semelhantes aos que se verificam em cidades brasileiras mais antigas quando se correlaciona os dados de cor/raça e renda: centralidades de maioria branca e periferias distantes pobres e negras. Primeiramente problematizaremos certa recusa nas pesquisas geográficas em observar a dimensão racial no espaço urbano. Posteriormente apresentamos mapas elaborados com base no censo de 2010 e estudos realizados no campo da Geografia e da Antropologia que identificam espaços e territórios negros na cidade em foco, estes últimos abordados a partir das expressões culturais e das coletividades políticas.

Exposição: Patrimônios Negros na cidade do Rio de Janeiro

Expositora: Geny Ferreira Guimarães (UFF)

Resumo: Esta apresentação visa a construção de reflexões sobre a possibilidade de uma Geografia Negra e Antirracista. Entende-se que são vários os impedimentos que bloqueiam determinados assuntos no meio acadêmico, principalmente referentes aos estudos sobre as identidades, comunidades, coletividades, e grupos socioespaciais negros no Brasil, tanto no meio rural quanto urbano. Mas, no caso deste artigo, o foco que será dado é para a cidade do Rio de Janeiro, em sua área urbana, o apagamento espacial de patrimônios urbanos negros como parte do processo de embranquecimento desta cidade outrora a capital do país. Logo, entende-se que para uma transformação na Geografia Contemporânea brasileira é necessário o esforço no sentido da construção de uma ciência geográfica que incorpore uma sistematização epistemológica e metodológica de escritas e fazeres geográficos negros. Em termos epistemológicos, com a definitiva inserção de referências negras nos estudos geográficos (as escritas) e com a proposição de temas ou assuntos negros (os fazeres). Pensar que uma Geografia Negra e Antirracista necessita de uma metodologia própria que dê conta das especificidades de ser negro em um sistema socioespacial racista.

Exposição: Processo de Racialização e Espaço Urbano na Periferia Brasil (São Luis do Maranhão, 1870-1900).

Expositor: Matheus Gato de Jesus (USP)

Resumo: Uma das principais questões que tangem a formação da moderna sociedade brasileira no pós-abolição é o chamado processo de racialização. Trata-se do rearranjo da hierarquia social em que as antigas classificações de cor (preto, pardo, caboclo, mulato, branco), antes referendadas mundo dos senhores e escravos, ganham novos sentidos sociais e culturais, gerando uma correlação entre status socioeconômico e significados raciais. Tais evidências são coletadas em documentos de época tais como livros e jornais produzidos exclusivamente pelas camadas letradas da sociedade brasileira, fontes que nos dão uma visão bastante limitada do significado dessa transformação social para a população negra. Nesse sentido, o estudo da habitação e localização no espaço urbano dos grupos “branco”, “preto”, “pardo” e “caboclo”, através de dos censos de 1872 e 1890 podem ajudar qualificar o processo de racialização tendo em vista a experiência mais abrangente de apropriações de recursos urbanos na cidade pelos diferentes grupos de cor. O caso aqui estudado é a cidade de São Luis do Maranhão onde se mapeou conforme os censos citados a localização dos grupos de cor na cidade antes e depois da abolição. Os resultados demonstram que o fim da escravidão gerou novas apropriações do espaço urbano na capital maranhense para as quais raça é uma variável pertinente de interpretação.

Publicado
2019-05-22
Seção
Sessão Livre