SL59 Planejamento Territorial.

Desafios para a formação e atuação profissional.

  • Jeroen Klink
  • Mariana Mencio
  • Júnia Santa Rosa
  • Wilson Ribeiro Santos Jr.
  • Glória Cecília dos Santos Figueiredo
Palavras-chave: planejamento territorial

Resumo

SL-59. Planejamento Territorial. Desafios para a formação e atuação profissional.

Coordenador: Jeroen Klink (UFABC)

Resumo:

Formação, aprendizagem e conhecimento no século XXI

Presenciamos, particularmente no período pós-1980, rápidas transformações socioeconômicas, tecnológicas, políticas e culturais que desencadearam rachaduras no paradigma de ensino, aprendizagem e inovação que, até então, norteou o padrão de desenvolvimento nos países centrais. Mais especificamente, a globalização e as mudanças contínuas fizeram com que o conhecimento especializado e enraizado nas disciplinas tradicionais, um dos pilares desse paradigma, fosse colocado em cheque.

Nos EUA, os relatórios da Academia Nacional para a Engenharia alertaram que a matriz curricular das melhores universidades efetivamente tinha transformado o engenheiro numa espécie de commodity, com habilidades e competências que se desatualizavam rapidamente à luz das novas dinâmicas no mercado profissional globalizado. Na Europa, o tratado de Bolonha não apenas harmonizou os diversos sistemas nacionais de ensino superior, mas também fomentou uma formação acadêmica e profissional mais curta e interdisciplinar.

Apesar da variedade de abordagens que visam reestruturar a universidade do século XX, existe um eixo comum. O novo projeto político pedagógico rejeita a especialização precoce. Procura uma formação holística/interdisciplinar que permita o aluno articular diversas áreas de conhecimento e lhe proporciona capacidade e autonomia para a aprendizagem contínua ao longo da vida profissional. A abordagem se reflete no ingresso na universidade por grandes áreas de conhecimento (ao invés de cursos especializados), numa matriz curricular interdisciplinar mais flexível, com oferta enxuta de disciplinas obrigatórias e eletivas, cujo objetivo é fomentar a autonomia, o espirito crítico e o aprendizado dos alunos.

Referidas transformações não ficaram despercebidas no Brasil. Numa trajetória já desencadeada desde os anos 90, a Academia Brasileira de Ciências elaborou, no ano 2004, recomendações para a reforma da educação superior alinhadas com esta tendência. Nos últimos anos, cresce o número de bacharelados interdisciplinares que adotam um projeto político pedagógico ancorado nos princípios de autonomia intelectual, formação holística e estímulo ao aprendizado durante a vida profissional.

A Universidade Federal do ABC, criada em 2005, possui um projeto político pedagógico interdisciplinar com ingresso de alunos em apenas dois bacharelados. Em vários países emergentes encontramos iniciativas semelhantes, inclusive na área de planejamento territorial. O Indian Institute for Human Settlements, por exemplo, criado em 2008, representa a primeira Universidade na Índia que proporciona uma formação interdisciplinar para “profissionais reflexivos” no campo de planejamento urbano e regional.

O sistema fraturado de formação-atuação profissional

Os modelos de industrialização, urbanização e desenvolvimento do século XX se beneficiavam de categorias profissionais bem delineadas e estruturadas mediante conselhos com amplas atribuições no sentido de regulamentar, certificar e garantir a qualidade do exercício da profissão. Este último aspecto era relevante, ao levarmos em consideração os eventuais danos para o público em casos de exercício irregular de profissões. Os conselhos desempenhavam também papel importante na articulação entre o mundo profissional e as instituições responsáveis pela formação profissional.

O cenário atual gera desafios para este sistema lastreado em profissões estáveis e bem recortáveis, no qual os conselhos articulam as demandas relativamente previsíveis que se originam no mundo profissional com as capacidades existentes nas instituições responsáveis pela formação e capacitação profissional.

É inegável que as universidades, os conselhos profissionais e o próprio mercado se conscientizaram acerca da emergência de novas profissões, habilidades e competências, que requerem respostas adequadas em termos de formação e regulamentação das novas categorias. No entanto, em várias áreas esta percepção não logrou consolidar uma articulação entre o circuito de formação e a atuação profissional.

Mais especificamente, no campo de planejamento e gestão do território encontra-se um sistema de formação-atuação profissional com insuficiente capacidade de gerar e disseminar novas competências e habilidades para dialogar com os desafios e potencialidades que cercam as cidades brasileiras.

O desafio de planejar as cidades

As deficiências na articulação entre o sistema de formação e a atuação profissional geram custos para o planejamento territorial no momento que as cidades e áreas metropolitanas assumem um papel estratégico no cenário nacional e internacional. Vale destacar, que nos países localizados no hemisfério-sul, as cidades concentram grandes desafios e potencialidades, apesar dos graves comprometimentos sofridos pela trajetória contraditória de desenvolvimento nesses países.

Ao mesmo tempo, o planejamento territorial se depara com uma série de desafios e oportunidades, entre os quais podemos destacar: as sinergias e os conflitos entre a questão ambiental e urbana; a transformação, no período pós-2015, da agenda das metas do Milênio nos Objetivos de desenvolvimento Sustentável; a necessidade de superar a herança do modelo tecno-burocrático de planejamento (marcada pela racionalidade instrumental) e aperfeiçoar as diversas formas de participação e de planejamento colaborativo-participativo, incluindo a experimentação com novas racionalidades comunicativas; a possibilidade de evoluir de uma agenda estruturada em torno do direito à cidade para uma perspectiva pautada pelo direito de transformar à cidade (articulada com novas insurgências e subjetividades que se proliferam, particularmente nas cidades do Hemisfério-sul); o entrelaçamento, no pós-1970, das diversas escalas de planejamento, a variedade dos processos de reescalonamento e reestruturação territorial do Estado (desenvolvimentista) e as consequências para o planejamento urbano e regional. No caso brasileiro, as cidades sempre representaram uma arena privilegiada (e contraditória) do nacional desenvolvimentismo. Portanto, a reestruturação do projeto nacional desenvolvimentista gera oportunidades para refletir e agir sobre uma agenda estruturada em torno de um “novo planejamento para um novo Brasil”.

Portanto, o quadro acima aponta para necessidade de um esforço concentrado em torno da formação de novos quadros profissionais reflexivos. Entretanto, e paradoxalmente, a capacidade de resposta do sistema de formação-atuação profissional para o planejamento territorial, ainda é limitada.

Por uma agenda de formação no campo de planejamento territorial?

Enquanto isso, no período pós-1990, a reestruturação do Estado brasileiro e a ruptura no sistema tecno-burocrático de planejamento culminaram na fragilização das estruturas de formação e capacitação de quadros que foram criados nesse período, sem que estas últimas fossem reinventadas e/ou substituídas por instituições que pudessem dar conta das novas demandas.

Ao mesmo tempo, a reorganização de vários conselhos profissionais que se entrelaçam com a área de planejamento territorial reflete o reconhecimento do papel estratégico das cidades e áreas metropolitanas, contribuindo para formação de profissionais com novas habilidades e competências interdisciplinares. O conselho de economia, por exemplo, ampliou a lista de atribuições dialogando com a própria regulamentação do Estatuto da Cidade. Ao mesmo tempo, surgiram divergências no contexto do CAU/CREA em torno da regulamentação das profissões de arquiteto, urbanista, engenheiro e agrônomo. Atualmente, os campos de atuação interdisciplinares são aproveitadas por esses Conselhos para traçar um perfil profissional que articula conhecimentos, habilidades e competências alinhados com o planejamento territorial.

No entanto, a matriz curricular dos cursos não está à altura das habilidades, competências e responsabilidades que constam na regulamentação profissional elaborado pelos conselhos. Por exemplo, a formação nas faculdades de arquitetura e urbanismo não prepara o discente para o novo papel do planejador num cenário de reestruturação produtiva e territorial. O projeto político pedagógico dos cursos de economia não proporciona respaldo para o economista profissional atuar de forma efetiva com os instrumentos do Estatuto da Cidade.

Conforme mencionado anteriormente, ocorreram várias inovações no ensino superior brasileiro. Isso também beneficiou a área de planejamento territorial. Presenciamos, na última década, significativa ampliação no número de mestrados profissionais na área de Planejamento Urbano e regional da CAPES. Novos bacharelados em planejamento territorial, como o da Universidade Estadual de Bahia e o da Federal do ABC, demonstram que as instituições de ensino superior despertaram para a necessidade de ampliar os quadros profissionais habilitados e capacitados para atuar sobre as demandas complexas que influenciam as cidades.

Entretanto, a elaboração, reconhecimento e abertura de novos cursos superiores não são articulados com a atuação dos Conselhos de fiscalização e regulamentação profissional. Não é o caso de questionar a autonomia das universidades federais, que inclusive proporciona um ambiente indispensável para inovações de abordagens pedagógicas relacionadas ao campo do planejamento territorial. Contudo, a ausência de articulação entre o sistema federal do ensino superior e o mundo profissional gera prejuízos sensíveis à capacitação dos agentes públicos, privados e dos movimentos sociais, que são impedidos de ingressar em novas formas de ensino e aprendizagem em prol de uma práxis transformadora nas cidades brasileiras. Por outro lado, outras experiências de reforma no sistema de ensino superior em andamento, no campo de planejamento, confirmam que nem sempre divergências na interpretação acerca da regulamentação de novos cursos são aproveitadas como momentos de tensão produtiva que beneficiem o sistema de formação e atuação profissional para o planejamento territorial.

Considerando o quadro acima, esta sessão livre discute os contornos de uma possível agenda para a formação e atuação profissional no campo de planejamento territorial.

Exposição: O planejamento territorial entre a reflexão critica e a transformação da práxis nas cidades brasileiras.

Expositor: Jeroen Klink (UFABC)

Resumo: Ao contrario do que ocorre internacionalmente, o campo de planejamento urbano e regional no Brasil não se consolidou e é marcado por uma desarticulação entre a formação e atuação profissional. De um lado, a atuação profissional do planejador é normalmente associada ao campo mais restrito do arquiteto-urbanista. De outro, o ensino no planejamento urbano e regional se restringe aos programas de pósgraduação. Isso gera dois desafios, considerando que a pós-graduação prioriza a reflexão crítica - implicando menos preocupação com a ação efetiva em torno da transformação das cidades – e proporciona uma primeira etapa de formação após um ciclo de aproximadamente 6-7 anos. As inovações que ocorrem no nível da graduação carecem de escala e não se conectaram ainda com o mundo da atuação profissional. O quadro acima é desafiador. As cidades brasileiras foram comprometidas por uma trajetória de desenvolvimento que gerou uma série de contradições socioespaciais e ambientais. Ao mesmo tempo, o atual estágio da globalização gera novas demandas para o planejamento em termos de articulação de escalas, setores e atores em prol do direito de mudar as cidades rumo a uma trajetória mais justa e sustentável.

Exposição: Desafios e potencialidades para a regulamentação da profissão de planejador territorial

Expositora: Mariana Mencio (UFABC)

Resumo: Levando em consideração a falta de articulação entre a grade curricular das universidades e a descrição da atuação dos profissionais elaborada pelos Conselhos Profissionais, utilizaremos a sessão livre para examinarmos a descrição das várias funções de profissões já regulamentadas, que apresentam coincidências com a atuação do planejador territorial. Na realidade, vamos discutir do ponto de vista jurídico, as questões relacionadas ao exercício de profissões que levam em conta formações multidisciplinares e suas interfaces com outras profissões, provenientes do ensino tradicional, baseados em disciplinas isoladas, que definem o exercício de profissões específicas, com atuações bem demarcadas. Abordaremos, especificamente, os conflitos, ou melhor, os “sombreamentos” existentes entre a atuação do engenheiro, agrônomo, arquiteto, urbanista e o planejador territorial, com o propósito de viabilizar a atuação profissional deste último, com base no artigo 5°, XIII da Constituição Federal.

Exposição: Formação e Capacitação para as cidades: Desafios na implementação de políticas e projetos de habitação social

Expositora: Júnia Santa Rosa (Ministério das Cidades)

Resumo: Desde a criação do Ministério das Cidades, em 2003, a Secretaria Nacional de Habitação enfrenta o desafio de estruturar políticas de urbanização e de moradia social participativas, comprometidas com o enfrentamento do déficit habitacional quantitativo e qualitativo das cidades brasileiras. Neste contexto de alta prioridade na agenda política do governo brasileiro, também os quadros profissionais da administração publica federal, que hoje comandam e operam, em nível nacional, os programas urbanos e de habitação social, foram alavancados com a reestruturação de carreiras setoriais internas, ampliação de carreiras estratégicas de gestão já existentes, além da criação de novas carreiras estratégicas de conhecimento específico para o setor urbano. Ao mesmo tempo, os quadros profissionais dos estados, municípios e o perfil dos agentes privados e sociais, principais responsáveis pelo planejamento, elaboração de projetos e pela implementação e gestão de programas urbanos e de habitação social nas cidades brasileiras apresentam deficiências. Esta situação de fragilidade político-institucional dos agentes locais evidencia o caráter incompleto e, muitas vezes, perverso do federalismo urbano brasileiro. Neste contexto, a oferta de instituições e programas de formação e de capacitação profissional com abordagem que garanta a necessária articulação entre os temas da habitação social e do urbanismo, é ainda mais escassa e preocupante. É alarmante constatar a lacuna na oferta de programas de formação e de capacitação encapados e estruturados em escala significativa compatível com a demanda atual de profissionais para atuarem no planejamento territorial e na implementação de políticas urbanas e sociais de urbanização e produção de moradias.

Exposição: Planejamento Territorial. A formação interdisciplinar, a reflexão crítica e a responsabilidade técnica e social dos novos profissionais emergentes

Expositor: Wilson Ribeiro Santos Jr. (PUC-Campinas)

Resumo: Discute-se aqui a construção de parâmetros inovadores de formação de um profissional em Planejamento Territorial comprometido em sua atuação - individualmente ou em equipes multidisciplinares - com a reflexão crítica e investigativa ao abordar as questões pertinentes ao campo de atuação com responsabilidade técnica e social. Na formação teórica e prática abrangente deste novo perfil profissional, que se pressupõe dirigida à construção de situações e resolução de problemas complexos de contextos reais, a interdisciplinaridade deve ser uma condição precípua na formulação de estruturas curriculares flexíveis, estratégias de ensino/aprendizagem integradas e no enfoque inovador das questões da realidade social a serem enfrentadas. Especialmente aquelas que lhe são inéditas, estudando-as para melhor conhecê-las e interpretá-las, com autonomia intelectual e capacidade de síntese, para que venham a oferecer respostas próprias e adequadas, que atendam às demandas estruturais da sociedade e que estejam centradas na afirmação da solidariedade e no exercício da cidadania. O conceito da interdisciplinaridade é inerente à produção do conhecimento relativo à abordagem de áreas de concentração, objetos de estudos complexos e pesquisas, como no caso do território, que demandam necessariamente para sua consecução a contribuição integrada de várias áreas do conhecimento ou mesmo campos disciplinares distintos dentro das áreas de conhecimento consolidadas. Esta metodologia se constitui num contraponto à educação escolarizada, baseada nos sistemas formais de ensino, que se caracterizam por um afastamento daquilo que é imediatamente produzido estruturando o aprendizado mediante processos abstratos, utilizando modelos redutores de simulação do real.

Exposição: Ensino do Urbanismo e do Planejamento territorial no Brasil: uma avaliação crítica dos atuais currículos de graduação.

Expositora: Glória Cecília dos Santos Figueiredo (UFBA)

Resumo: Nossas reflexões tomam como ponto de partida os resultados de uma pesquisa, cujo universo foram 476 (quatrocentos e setenta e seis) currículos de graduação em Instituições Públicas de Ensino Superior do Brasil (2013). Constatamos assim um quadro, no qual o urbanismo tem comparecido, em geral, como tema residual, no âmbito das disciplinas obrigatórias de cada curso analisado. Diante dessa realidade, os desafios para uma, cada vez mais necessária, formação em nível de graduação em planejamento territorial perpassam também pelo debate de estratégias que potencializem a constituição deste campo autônomo e transdisciplinar do saber. No nosso entender esse campo situa-se num terreno epistemológico específico, entorno dos processos de urbanização. A ativação dessa epistemologia teria grande capacidade de tensionar o urbanismo hegemônico excludente, demarcando positividades alternativas. Tal orientação torna-se ainda mais acentuada, no atual contexto da urbanização brasileira, marcada por imensas desigualdades socioespaciais e pela generalização de processos de segregação e de privatização do espaço. Certamente que o debate acerca dessas formações, alude à problemática colaboração inter e transdisciplinar versus fronteiras disciplinares, que nunca são rígidas. A transdisciplinaridade é uma necessidade, para uma melhor compreensão e atuação da e na realidade, mas ela não elimina o papel fundamental de cada campo disciplinar, no refinamento de sua epistemologia própria, dos seus temas e sujeitos mais recorrentes. Nos diálogos, atuações e sínteses inter e transdisciplinares, não se trata de demarcar exclusividades ou limitações corporativas de competências e habilidades, mas de reconhecer os diferentes campos do saber, e seus métodos, mobilizados para tais démarches.

Publicado
2019-05-22
Seção
Sessão Livre