SL57 Sobre e a partir do espaço indígena
Resumo
SL-57. Sobre e a partir do espaço indígena
Coordenador: Frederico Canuto (UFMG)
Resumo: A presente sessão livre tem por objetivo, tomando a questão e espaço indígena como eixo norteador e provocador de reflexões sobre o que é e como se planeja o espaço urbano e regional – e porque não global - marcar um território para pensar e discutir o campo do planejamento urbano e regional a partir de outras epistemologias que não somente a ocidental e racionalista. Pretende-se expor e provocar outros modos que sejam capazes de multiplicar os mundos existentes ao invés de compreendê-lo, explicá-lo e reduzí-lo a um só, a fim de que novas realidades possam ser produzidas. Assim, a proposta de sessão livre aqui colocada pretende abrir linhas de fuga para pensar o território e novas formas de planejar e ocupá-lo a partir dos modos como as sociedades indígenas se ocupam do território em diversas situações.
A figura do indígena sempre teve papel de coadjuvante, quando não inexistente, na história brasileira, o que significa que sua especificidade territorial só veio a ter um estudo aprofundado e ocupado com suas idiossincracias a partir do momento em que o Brasil começou a reconhecê-lo como habitante e originariamente brasileiro, o que não faz muito tempo e cujo processo de aceitação institucional e cotidiano está longe de acabar. Com o advento das redes sociais e com a visibilidade que os indígenas e suas sociedades começaram a ter a despeito de serem sempre encobertos pela mídia, não é de se estranhar a afirmação de Tonico Benites Ava Guarani Kaiowá, índio, pósdoutor e representante destas sociedades: “Se não fosse o facebook do homem branco, todos já estariam mortos”, durante uma das inúmeras audiências que dizem respeito a demarcação de terras indígenas no país. Ainda que tenham sido massacrados durante o processo de descobrimento e ocupação de seu próprio território em idos de 1500 e que hoje chamamos de Brasil, é fato que se está longe de esgotar e descobrir as nuances do que significa ser índio e mesmo sua relação com o espaço, especialmente porque hoje as sociedades indígenas se encontram espalhadas e de formas singulares, articuladas com o espaço urbano e inseridas numa idéia de região: tribos isoladas na Amazônia, próximas a cidades na Bahia, dentro das cidades em Minas Gerais. Há hoje um crescimento das comunidades tradicionais indígenas espalhadas pelo país em luta por reconhecimento, o que significa que ser índio não é fazer parte de um povo em extinção mas sim fazer parte de um que está sendo, inclusive espacialmente, inventado continuamente.
O antropólogo Pierre Clastres nos anos 70 escreve um texto seminal a fim de se compreender a especificidade indígena frente ao desenvolvimento capitalista ocidental: “Sociedade contra o Estado”. Este texto, retomado pelo pensador brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, que inclusive assina o posfacio da recém-lançada segunda edição do livro “Arqueologia da Violência” do mesmo autor, coloca como paradigma uma nova compreensão dos povos indígenas frente ao mundo Moderno. Para o autor francês, as sociedades ditas primitivas (quilombolas, indígenas entre outros), mais do que ou atrasadas ou subdesenvolvidas ou a caminho de uma Modernidade como sempre percebidas e tratadas através de uma vindoura presença estatal, articulam outras formas sociais, políticas, ecológicas, econômicas e culturais de viver (n)o mundo. Isso significa que tais racionalidades outras mais do que sistemas a serem incorporadas a um sistema monológico como o capitalista, oferecem alternativas e linhas de fuga para se pensar novas formas de não apenas habitar o lugar, mas de planejar o próprio lugar. Apontam novas formas de organização e representação política tanto dentro de seus espaços assim como quando em contato com espaços outros pela horizontalidade na tomada de decisões e outras formações afetivas. São produtores de uma idiossincrática cultura na medida que criam imagens contrárias a qualquer esteriótipo e estetização do outro, ao mesmo tempo que produzem culturas que cada vez mais a partir do contato com o mundo. Inventam novas ecologias na relação com o ambiente que habitam construindo outras formas de conhecimento relacionadas a compreensão do território e sua alteridade. Organizam novas formas econômicas ao pensar valores a partir de outros que não os baseados numa extração e produtivismo máximo.
Desta forma, tomando o fio condutor proposto aqui para a sessão livre, ser índio não diz apenas de uma identidade culturalmente constituída e referenciada segundo órgãos reguladores estatais, mas um devir, uma potência de agir segundo parâmetros outros que não o do que está instalado no chamado sistema capitalista - parafraseando texto de Eduardo Viveiros de Castro, "Todo mundo é índio, exceto quem não é". Por conseguinte, o espaço indígena é uma ontologia que propõe uma linha de fuga para se pensar para além do que é o índio e seu espaço esteriotipicamente apresentado pela mídia e outras imagens hegemônicas, mas sim do que podemos ser, sendo indígenas. Para tal, serão apresentados trabalhos que trabalharão em quatro escalas que se sobrepõem: a escala da paisagem, do urbanismo, da arquitetura e dos interiores.
Nesta primeira escala, discutiremos as formas de relação que ser indígena é capaz de construir no interior do que Henri Lefebvre chama de urbano. Expondo as formas das cidades se organizarem internamente e dominarem suas periferias a fim de produzir o tecido contínuo sócio-espacial que virtualmente encobre todo o globo terrestre, serão mostradas investigações nos relacionamentos espaciais daí surgidos no interior do mesmo.
Numa segunda escala, formas de organização indígenas numa escala territorial citadina serão abordadas duplamente. Num momento, serão comparadas com novas formas de organização comunitária que surgem como alternativas ao modo de produção capitalista a partir do paradigma da sustentabilidade em sua concepção mais abrangente: como sócio espacialidade diversa e múltipla. Em outro, em seu desenho e nas relações cotidianas que é capaz de engendrar pelos rituais, pelo compartilhamento de uma noção de público e coletivo.
Na escala arquitetônica e dos interiores, interessam apontar as formas como domesticidades intra-familiares e tribais são capazes de propor rearranjos organizacionais coletivos complexos ao mesmo tempo que são atravessadas por fluxos de informações, novos corpos coletivos e práticas do chamado "homem branco". Interessa ai colocar como para além da dicotomia eu ou do outro, a dinâmica relacional produzida na interação entre diferentes temporalidades num mesmo espaço é capaz de construir novas vidas assim como novas poéticas para a vida.
Exposição: Sobre círculos: da cultura ao extrativismo e vice-versa
Expositor: Frederico Canuto (UFMG)
Resumo: O presente trabalho pretende, através de um estudo comparativo formal dado pelo trabalho do grupo extensionista MORAR INDIGENA da UFMG em algumas aldeias no estado de Minas Gerais, expor e discutir formas de assentamento indígenas no âmbito coletivo ou mesmo habitacional e sua influência na compreensão e produção territorial vis-a-vis as formas predatórias de produção do espaço. O objetivo é compreender como a forma circular se tornou para o agronegócio e condomínios uma forma organizacional de produção extensivista política e social, assim como uma forma prévia de entendimento e assentamento indígena em dois âmbitos: seja pela necessidade de reafirmar a identidade indígena, seja pela necessidade de retomada de uma ligação ancestral com uma origem indígena talvez já inexistente. Em tal comparação, será usado como fio condutor da narrativa o trabalho performático do artista Paulo Nazareth que faz andanças pelo continente africano e latino-americano, acumulando em seu calçado o pó, o resto dos lugares.
Exposição: Modos de Vida Pós-Modernos: as comunidades tradicionais e intencionais
Expositores: Deborah Cimini Cancela da Silva (Associação Ayrumã), Nelson Gomes de Oliveira (Organização de Educação Indígena Xacriabá)
Resumo: Os povos indígenas se encontram hoje em um lugar de reconhecida importância a nível mundial, por seus conhecimentos e práticas tradicionais e pelo ordenamento e conservação da cultura e do meio ambiente. Esses povos apresentam características claras que os diferenciam da sociedade hegemônica e representam novos tipos de organização social, demonstrando serem motivo de inspiração para uma possível transformação de sociedades mais rígidas e homogeneizadas. Muitas comunidades que se pretendem sustentáveis [1], por exemplo, se inspiram nestes povos baseando-se em práticas que intentam manter a diversidade ecológica, social e cultural do espaço, das pessoas e das relações a partir de soluções descentralizadas, cooperativas e integradas. Essas comunidades chamadas de intencionais, se inspiram tanto nos modelos ancestrais de comunidade quanto em teorias e técnicas modernas - em sua organização social, política e espacial de suas vilas ou cidades - com o objetivo de criarem ambientes mais saudáveis do ponto de vista social, ecológico, econômico e filosófico. Além disto, a constante colaboração e intercâmbio entre alguns povos indígenas e essas iniciativas mais contemporâneas, com o interesse de fortalecerem esses outros modos de vida, acabam por se refletirem mutuamente em muitos aspectos e nos possibilita identificar uma certa tendência a nível mundial– ainda que na contracorrente – e a expectativa, de que essas iniciativas possam indicar o surgimento de algo novo e mesmo revolucionário no que diz respeito não apenas à forma de como isto possa vir a acontecer, mas principalmente ao novo sentido possível de ser dado às coisas e às relações.
Exposição: O 'urbano-natural' como alternativa contemporânea de modos de viver
Expositor: Roberto Luís Melo Monte-Mór (UFMG)
Resumo: As formas e processos de organização socioespacial emanadas das grandes metrópoles industriais vem se extendendo e transformando todas as comunidades do mundo, mesmo as mais afastadas dos centros do capitalismo globalizado. Ao mesmo tempo, essa globalização e urbanização extensivas tem criado oportunidades de conexão, de expressão e de (re)afirmação de inúmeros povos, há até poucas décadas condenados à morte. A ressurgência dos povos tradicionais - e dos índios do Brasil em particular - no cenário e no imaginário nacional traz propostas consentâneas com movimentos socio-políticos e ambientais da vanguarda mundial. Um dos grandes embates atuais se dá, então, entre forças urbano-industriais (espaço abstrato) e forças 'urbano-naturais' (espaços diferenciais (im)possíveis) que propõem alternativas para a reorganização socioambiental e política em torno do espaço de vida e da reprodução coletiva - o urbano, em suas múltiplas manifestações. O texto pretende explorar questões colocadas ao planejamento contemporâneo a partir dessas contradições acima expostas.
Exposição: Organização socioespacial em aldeias indígenas de Minas Gerais: explorando diferentes configurações
Expositora: Ana Maria Rabelo Gomes (UFMG)
Resumo: A organização socioespacial de aldeias indígenas pode ser analisada com atenção a duas dimensões: as práticas da vida cotidiana e as práticas rituais (cf. S. Hugh-Jones e C. Hugh-Jones). A participação de homens e mulheres em uma e em outra dimensão apresenta significativas variações e entrecruzamentos nas tradições dos diferentes povos indígenas de Minas Gerais, que desenvolveram modos próprios de recompor suas vidas e suas aldeias em função dos inúmeros deslocamentos que lhes foram impostos até chegarem às terras em que hoje vivem. Vamos apresentar a configuração de algumas aldeias, buscando explorar o fluxo da vida cotidiana no tempo e no espaço, sua relação com as práticas rituais que ocorrem em locais e momentos bem marcados, assim como as dinâmicas socioespaciais marcadas pela presença cada vez maior de mercadorias, objetos tecnológicos e outros elementos do modo de vida urbano nas aldeias.
Exposição: Projetos sociais do Povo Indígena Xacriabá e a Concepção de Bem Viver no território indígena
Expositora: Suzana Alves Escobar (IFNMG)
Resumo: A leitura feita por alguns setores da sociedade é a de que os povos indígenas com algum nível de contato são submissos ao processo de globalização e admitem a relação como sendo de uma assimilação inexorável. Segundo Sahlins, no artigo “O ‘pessimismo sentimental’ e a experiência etnográfica” (1997), trata-se de sociedades e povos capazes de reatualizar a tradição e recriar a cultura, que não é um “objeto em vias de extinção”, em novas situações e, mesmo a noção de desenvolvimento, associada que está à expansão do capitalismo sobre os mais diversos povos do mundo, não implicou numa homogeneidade de interpretações e processos sociais. Como tarefa da antropologia, Sahlins propõe no mesmo artigo, a investigação da “indigenização da modernidade” para evidenciar a “intensificação cultural” no processo de contato com a economia global do mundo não-indígena. A experiência dos xakriabá com os projetos sociais, muitos dos quais originados de disputas em editais universais, mostra que a satisfação das necessidades materiais, mesmo as criticadas por setores da sociedade como impróprias aos grupos indígenas por serem próprias da sociedade capitalista, não são separadas dos processos sociais e da ordem cultural. Os projetos têm como princípio não declarado proteção, recuperação e conservação do território, tomado como espaço de vivência cultural. Esse é o projeto do bem viver, que não separa as diferentes instâncias: as sociais, econômicas, territoriais/espaciais e culturais. No bojo das discussões propostas para a sessão livre, o presente trabalho pretende discutir a dinâmica da relação com o território/espaço na experiência dos xacriabá e o processo complexo de relação dialética entre o local (as aldeias) e o global (aqui, especificamente, o contato através das agências governamentais e nãogovernamentais, nacionais e estrangeiras), no qual os recursos oriundos da globalização capitalista adentraram a realidade local, de acordo com seus esquemas culturais particulares.