SL56 Espaços públicos em assentamentos populares:

apropriação por quem? Para que?

  • Maria de Lourdes Zuquim
  • Juan Diego Lopera Pérez
  • Ana Catalina Vanegas Serna
  • Liliana María Sanchez Mazo
  • Alberto León Gutiérrez Tamayo
  • Alexandre Delijaicov
  • Maria Aparecida Perez
  • Denise Antonucci
  • Guilherme Filocomo

Resumo

SL-56. Espaços públicos em assentamentos populares: apropriação por quem? Para que?

Coordenadora: Maria de Lourdes Zuquim (USP)

Resumo:

Esta seção visa analisar como tem se dado a apropriação dos espaços públicos decorrentes da intervenção pública em loteamentos populares e favelas em São PauloBrasil e Medellín-Colômbia.

O processo de urbanização das cidades latino-americanas é decorrente da organização política e econômica de ausência do Estado de bem estar social - com baixo nível de reprodução da força de trabalho, precárias condições de vida do trabalhador, grande concentração de renda e diferenças sociais, enfim de grande desigualdade urbana com lugares precários onde mora a população pobre em contraposição aos lugares bem infra estruturados e equipados, onde mora a elite privilegiava.

O trabalhador assalariado mal remunerado e/ou informal não teve condições de acesso ao mercado formal de moradia, desta forma não restou outra opção que não fosse adquirir lotes populares nas periferias ou ocupar áreas e autoconstruir sua moradia, marcando o padrão de urbanização precária latino-americano. De tal modo, a estrutura urbana dos bairros populares e favelas se fez e ainda se faz espontaneamente, com uma configuração resultante de disponibilidade de terreno para construir a moradia – na tentativa de domar a topografia – e sobras que vão configurando ruas, vielas e nesgas de terrenos livres para lazer e equipamentos sociais, determinando uma urbanização peculiar e própria. Via de regra o lugar dos mais pobres foi auto produzido pela ação dos moradores e tempos depois pela ação do Estado com a intenção de “corrigir”, mas sem reverter, a precariedade da infraestrutura urbana e dos serviços públicos, como também da moradia. Olhando por este angulo as nesgas de terreno, ruas e vielas formam o improvisado espaço de sociabilização, e mesmo sem equipamentos sociais e de lazer, proporcionam o relacionamento entre moradores pela proximidade física entre o espaço privado de cada casa.

Para começar a reverter o ciclo de desigualdade e precariedade urbana destes extensos territórios de pobreza vê-se atualmente na América Latina a implementação de um conjunto de novas políticas sociais para enfrentar o quadro de pobreza extrema da região, com importantes investimentos públicos e rebatimento no urbano, especialmente de intervenção pública em favelas e loteamentos populares resultantes dos avanços de novos instrumentos urbanísticos assim como de lutas sociais pelo melhoramento de suas condições de vida.

Recentemente, a partir dos anos 2000, Brasil e Colômbia tem experimentado uma nova organização social, política, e econômica e consequentemente um papel político e estratégico mais ativo no contexto regional, implementando novas políticas sociais para enfrentar o quadro de pobreza extrema e violência urbana, conjuntamente com importantes investimentos públicos locais. Associado às políticas sociais definiu-se uma nova pauta no campo da política urbana, introduzindo marcos legais e relativa capacidade institucional para promover o desenvolvimento urbano articulado com provisão de habitação social e equipamentos urbanos, com algumas melhorias nas áreas de saneamento e transporte e qualificação de espaços públicos (ONU, 2012). Mas se por um lado inaugura-se um novo marco na política urbana com a ampliação dos direitos sociais para enfrentar o ciclo de desigualdade social e da precariedade urbana e habitacional- como o direito à moradia e à cidade - por outro lado, tem-se a paralisia e resistência que mostram o enraizamento dos antigos modelos de política urbana e das estruturas político-institucionais.

Neste contexto o Brasil e a Colômbia passam a executar um conjunto de novas políticas urbanas articuladas com importantes investimentos públicos em programas melhoria urbana dos bairros populares e favelas, quer com a dotação de equipamentos públicos de educação, esporte e cultura cotidiana quer com a urbanização de loteamentos populares e favelas; no caso de São Paulo com os projetos de equipamentos públicos e programas de regularização urbanística, consequentes do marco legal do Estatuto das Cidades e dos investimentos decorrentes da política urbana e de habitação de interesse social e, em Medellín, com os planos, programas e projetos de regularização urbanística derivados da estratégia nacional de Cidades Amáveis, do marco legal dos Planos de Desenvolvimento, de Ordenamento Territorial e, dos investimentos da política urbana local e nacional.

Em São Paulo, destacam-se dois momentos emblemáticos da ação pública em loteamentos populares e favelas: a implantação de equipamentos educacionais em áreas carentes da cidade – CEU Centros Educacionais Unificados (2001/2004) e a execução do programa de urbanização e regularização de assentamentos precários (2005/2012). Estas ações públicas foram norteadas para o enfrentamento da exclusão sócio territorial, ora na implantação de equipamentos sociais como transformadores dos territórios pobres ora com a criação e/ou regularização dos espaços públicos e equipamentos sociais decorrente urbanização de loteamentos populares e favelas.

Em Medellín, destaca-se a intervenção pública em loteamentos populares e favelas os Projetos Urbanos Integrais-PUI (2004-2011) que tiveram como principais antecedentes os projetos de regularização urbanística das zonas nororiental, centro ocidental e noroccidental da cidade (2000-2005); e o Programa Integral de Melhoramento de Bairros subnormais-PRIMED (Fase 1. 1992-1996, Fase 2. 19961998). No que refere à melhoria, adequação, dotação e construção de espaços públicos e equipamentos sociais decorrentes da intervenção pública em loteamentos populares e favelas, em Medellín foram considerados como componentes dos Projetos Urbanos Integrais. Sua pretensão foi disponibilizar lugares para o encontro e a reunião que serviram como plataforma cotidiana para incentivar o desenvolvimento coletivo da população menos favorecida. Assim, o uso e apropriação dos espaços públicos e dos equipamentos sociais romperam o ciclo de privatização do público implantado por décadas pelo fenômeno da violência. Desse modo, observa-se a diminuição dos níveis de violência, a mudança de imaginários de segregação sócio territorial e a inclusão da população ao desfrute do público.

Os trabalhos que compõem esta sessão têm como objetivo compreender como tem se dado o uso e apropriação dos espaços públicos e equipamentos sociais decorrentes da intervenção pública em loteamentos populares e favelas em São Paulo-Brasil e Medellín-Colômbia, especialmente os avanços e impasses. Para isso os trabalhos tratam das seguintes questões: como está pensado o programa e projeto para os espaços públicos e equipamentos sociais nas intervenções públicas nos lugares dos pobres? Qual é o impacto sócio territorial destes espaços/equipamentos no cotidiano dos moradores? Como são apropriados estes espaços na vida cotidiana? Estes espaços são promotores de socialização, reunião e encontro ou estão sendo apropriados por grupos sociais que os destinam para outras finalidades (novas invasões)?

O primeiro trabalho “O espaço público na política urbana em Medellín/Colômbia. Una análise desde o Projeto Urbano Integral” apresenta um estudo sobre a concepção de espaço público como processo de reconciliação, trabalho comunitário e criação de imaginário coletivo de lugar, adotada no PUI Projeto Urbano Integral em favelas de Medellín. O segundo trabalho “Espaços e equipamentos públicos em favelas, Medellín/Colômbia: Entre usos e apropriações para a vida e o mercado” analisa o sentido das transformações da cidade popular a partir da inter-relação entre a vida cotidiana da população e os espaços e equipamentos sociais. O terceiro trabalho “Favela Nova Velha Jaguaré: moradia atávica versus espaços públicos” apresenta um estudo sobre a desvinculação entre urbanização de favelas e controle urbano e a consequência e consentida dinâmica de reocupação das áreas destinadas a uso público pelas moradias em favelas pós-urbanizadas. O quarto trabalho “Um estudo do programa ‘Centro Educacional Unificado’ na cidade de São Paulo” recupera e analisa uma experiência pública realizada pela Prefeitura de São Paulo de provisão de equipamentos sociais, que integraram educação, cultura e esporte, para inclusão da “periferia” no circuito cultural e educativo de São Paulo. O quinto trabalho “Influências da Política Habitacional Municipal na Forma Urbana de Assentamentos Precários: O Caso de Heliópolis” busca entender as possíveis influências de políticas públicas sobre a forma urbana de áreas precárias e frágeis da cidade de São Paulo, em especial sobre os espaços de uso coletivo e sua apropriação pela população.

Exposição: O espaço público na política urbana em Medellín/Colômbia. Una análise desde o projeto urbano integral

Expositores: Juan Diego Lopera Pérez (Departamento Administrativo de Planejamento do Estado de Antioquia), Ana Catalina Vanegas Serna (Departamento Administrativo de Planejamento do Estado de Antioquia)

Resumo: O Projeto Urbano Integral-PUI da zona nordeste de Medellín (2004-2009) transformou o sistema estruturante do espaço público a partir de ações em transporte público, vias, praças e parques, equipamentos e correntes de água. Essa realidade decorre do processo histórico de constituição dos assentamentos precários, associado à migração campo-cidade, por motivos de violência política, econômica ou pela procura por oportunidades de melhoria de vida. Nos anos 90, o aprofundamento do problema urbano e a violência fizeram com que se desenvolvessem marcos legislativos pautados pela Constituição Política de Colômbia de 1991, tendo o espaço público concebido como essência da cidade. Em 1995, a política urbana definiu o espaço público como um de seus atributos, junto com a moradia, a mobilidade, o solo, os equipamentos e o patrimônio. O Plano de Ordenamento Territorial de Medellín, 1999, propôs como um dos seus objetivos voltar o espaço público como elemento principal do sistema estruturante urbano, fator chave do equilíbrio ambiental e cenário da integração social e da construção de cidadania. Nesse contexto inscrevem-se intervenções públicas PUI, implementadas nas favelas de Medellín entre 2004-2011,
onde a construção do espaço público foi produto de processos de reconciliação, trabalho comunitário e da criação de um novo imaginário coletivo de lugar. Este trabalho demonstra que a política urbana em espaço público para intervenções em favelas, desde o ano 2000, tem tido forte incidência nos câmbios culturais da população ao construir um território renovado, includente da cidade informal.

Exposição: Espaços e equipamentos públicos em intervenções em favelas Medellín/Colômbia: entre usos e apropriações para a vida e o mercado

Expositores: Liliana María Sanchez Mazo (Universidade de Antioquia), Alberto León Gutiérrez Tamayo (Universidade de Antioquia)

Resumo: No final do século XX e início do XXI aconteceram mudanças de grande dimensão como produto da reforma constitucional na Colômbia, promovidas pela política urbana para favelas, que colocou o espaço público como eixo vinculante do sistema urbano. As intervenções levadas a cabo desde 1980 até hoje fizeram com que Medellín se constituísse como experiência emblemática da política urbana colombiana. Na última década, o Projeto Urbano Integral da zona nordeste mostra a construção de espaços e equipamentos para educação, saúde, esporte, lazer e mobilidade urbana que contribuíram com a dignificação da vida dos moradores ao possibilitar lugares para o desenvolvimento, o encontro coletivo e a convivência cidadã. Por outro lado, derivou lutas pelo uso de espaços por criminosos, moradores de rua, consumidores de drogas e pelo mercado imobiliário. Diante disso, o controle social, a mobilização comunitária e a organização cidadã, em parceria com órgãos de segurança do Estado, permitiram o aproveitamento do uso social dos espaços e equipamentos para o bem-estar da população. Novas lógicas de produção do espaço urbano estão em construção nas favelas de Medellín, sendo preocupação a relação com as aspirações dos moradores, a solução aos problemas existentes e a emergência de dinâmicas derivadas da valorização econômica. A incidência de espaços e equipamentos sobre a vida cotidiana da população é chave para desvendar os sentidos das transformações da cidade popular hoje, por isso apresenta-se como a questão principal a debater nesse trabalho.

Exposição: Favela Nova Velha Jaguaré: espaços públicos versus atavismo do lugar

Expositora: Maria de Lourdes Zuquim (USP)

Resumo: Este trabalho apresenta um estudo sobre o uso e apropriação dos espaços públicos em favelas pós-urbanizadas e analisa as forças sociais que movem este processo. Adota a Favela Nova Jaguaré como exemplo emblemático da intervenção recente no município de São Paulo. Desde os anos 80, diversos municípios brasileiros tomaram a iniciativa de enfrentar a problemática da precariedade urbana, mas é somente a partir dos anos 2000 que importantes mudanças na política urbana e por conseguinte na intervenção em favelas e loteamentos populares começam se realizar; especialmente decorrentes do PAC Programa de Aceleração do Crescimento (2007), que destinou aos municípios importantes recursos para urbanizar e regularizar assentamentos precários. As mudanças na política urbana e os investimentos realizados definiram novo quadro político-institucional para ação pública em favelas, no caso do município de São Paulo com o Programa de Urbanização de Assentamentos Precários (2005). Estas obras ao mesmo tempo que trazem importantes avanços na universalização da infraestrutura (redes de água e esgoto, drenagem, pavimentação, iluminação e outras) não trazem consigo normas ou sistemáticas de controle urbano para áreas em processo de regularização urbanística, ou seja o Estado entra com infraestrutura e serviços urbanos mas não com regulação e controle urbano. A desvinculação entre urbanização e controle urbano consente processos de reocupação das áreas destinadas ao uso público – livre e lazer. Estas áreas, na maioria das vezes antigas áreas de risco, foram ou estão sendo “organizadamente” reocupadas por moradias, como memória atávica do lugar que recorrentemente quer voltar a sua origem – moradia.

Exposição: Um estudo do programa “Centro Educacional Unificado” na cidade de São Paulo

Expositores: Alexandre Delijaicov (USP), Maria Aparecida Perez (Câmara Municipal de São Paulo)

Resumo: Este trabalho recupera uma experiência de educação realizada pela administração pública do município de São Paulo, num programa em que se integraram ações de diferentes setores (educação, cultura e esporte). O projeto criou espaços integrados na periferia da cidade, atendendo uma população carente em todos os aspectos. Revertendo uma prática constante nas políticas públicas, projetou-se desde a concepção arquitetônica até o conjunto de ações possíveis, a partir da ideia de ofertar às classes menos favorecidas o máximo disponível e possível para uma prefeitura. O conceito arquitetônico do projeto reúne numa mesma área institucional os principais equipamentos urbanos destinados à formação educacional e cultural do cidadão, oferecendo condições para se tornar um lugar público de encontro onde pudessem ocorrer tanto atividades educacionais, festivas quanto mobilizações pela garantia de direitos. O CEU também se constitui num Centro de Equipamentos Urbanos irradiador de urbanidade, mudando a condição da “periferia” para incluí-la no circuito cultural e educativo de São Paulo, situando a educação básica nas suas correlações com as demais atividades humanas. Trata-se de integrar, num mesmo espaço, tanto os estudantes quanto aqueles que com eles convivem: pais, comunidade, professores. Trata-se de um espaço público no que se refere à sua destinação; democrático e comunitário quanto à sua gestão e estatal no que diz respeito ao seu financiamento. O espaço social desejado constituiu a base para a arquitetura do espaço físico necessário.

Exposição: Influências da política habitacional municipal na forma urbana de assentamentos precários: o caso de Heliópolis

Expositores: Denise Antonucci (Mackenzie), Guilherme Filocomo (Mackenzie)

Resumo: Este trabalho busca entender as possíveis influências de políticas públicas sobre a forma urbana de áreas precárias e frágeis da cidade de São Paulo, em especial sobre os espaços de uso coletivo e sua apropriação pela população. Buscando delimitações físicas, temporais e de tema, foi selecionado, para estudo, a análise dos projetos habitacionais elaborados para o assentamento precário Heliópolis entre o período de 1989 e 2012. Apresenta, inicialmente, o estudo teórico das políticas habitacionais desenvolvidas no período de estudo, o nascimento e estruturação da favela e as principais intervenções do município na área selecionada. A partir da definição de delimitações, decidiu-se estudar a influência das diferentes políticas habitacionais pós-ditadura militar sobre os projetos arquitetônicos e urbanísticos desenvolvidos para Heliópolis. Busca-se entender a evolução da política habitacional de São Paulo por meio do estudo das seguintes gestões: Luiza Erundina (1989-92), Maluf (1993-96), Pitta (1997-2000), Suplicy (2001-04), Serra (2005-06) e Kassab (2007-12). Em um segundo momento, apresenta-se o histórico de Heliópolis, buscando-se entender como o tecido urbano da favela se formou e se modificou desde sua origem, em 1971. Complementando o levantamento histórico e direcionando-o para o tema do trabalho, será apresentado, em seguida, um breve relato das principais obras propostas por cada gestão e sua relação com espaços de uso coletivo e sua apropriação pela população. Destaca-se a análise do Residencial Silvio Bacarelli, Gleba H, de autoria do arquiteto Hector Vigliecca e equipe, um espaço híbrido fruto de influências de gestões municipais que apresentaram diretrizes distintas entre si.

Publicado
2019-05-22
Seção
Sessão Livre