SL55 Cidade e imagem.

Aproximações que distanciam e distanciamentos que aproximam

  • Francisco Xico Costa
  • Adriana Caúla
  • Washington Drummond
  • Thaise Gambarra

Resumo

SL-55. Cidade e imagem. Aproximações que distanciam e distanciamentos que aproximam

Coordenador: Francisco Xico Costa (UFPB)

Resumo:

“Duas ou três vezes havia reconstruído um dia inteiro, não havia jamais duvidado, mas cada reconstrução havia requerido um dia inteiro. […] De fato, Funes não apenas recordava cada folha de cada árvore de cada monte, mas também cada uma das vezes que a havia percebido ou imaginado. […] Não apenas lhe custava compreender que o símbolo genérico cão abarcava tantos indivíduos díspares de diversos tamanhos e diversa forma; perturbava-lhe que o cão das três e catorze (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que o cão das três e quatro (visto de frente). […] Havia aprendido sem esforço o inglês, o francês, o português, o latim. Suspeito, contudo, que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair. No mundo abarrotado de Funes não havia senão detalhes, quase imediatos” (1)

“... Naquele Império, a Arte da Cartografia atingiu uma tal perfeição que o mapa duma só Província ocupava toda uma Cidade, e o mapa do Império, toda uma Província. Com o tempo, esses Mapas Desmedidos não satisfizeram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império que tinha o tamanho do Império e coincidia ponto por ponto com ele. Menos Apegadas ao Estudo da Cartografia, as Gerações Seguintes entenderam que esse extenso Mapa era Inútil e não sem Impiedade o entregaram às inclemências do Sol e dos Invernos. Nos Desertos do Oeste subsistem despedaçadas Ruínas do Mapa, habitadas por Animais e por Mendigos. Em todo o País não resta outra relíquia das disciplinas geográficas”. (2)

Plantas, cartografias históricas e temáticas, desenhos, gravuras, pinturas, pôsteres, cartões postais, fotografias, fotogramas.... o uso da imagem tem uma tradição relativamente antiga no âmbito disciplinar da história da cidade e do urbanismo e, no entanto, esta utilização não tem merecido estudos específicos e sistematizados sobre seu papel constitutivo nas narrativas urbanas. Enquanto isso, as novas tecnologias da informação e comunicação permitem que estas imagens não apenas apareçam em super-abundância, graças a reprodução digital e a Internet, mas também apareçam sob novas formas de configurações facilitadas por procedimentos de montagem. O que vemos é uma opinião pintada, desenhada, fotografada, enfim, registros, mas também formas de montagem entre diferentes registros, que obedecem a determinados programas ideológicos. Esta proposta é resultado de uma convergência de interesses dos pesquisadores em duas Linhas de Pesquisa: “Linguagem, Informação e Representação do Espaço” e “História da Cidade e do Urbanismo”. Justificamos a necessidade deste debate a partir da evidência da escassez de obras de referência e de estudos críticos específicos notadamente em relação ao impacto das novas tecnologias da informação e comunicação na disponibilização, produção e manipulação de imagens, evidenciada a partir de 1996 com a popularização destes recursos. Constitui, portanto, um debate inicial de aproximação que pretende sistematizar conhecimentos sobre o uso das imagens como dispositivo das narrativas que aproximam e distanciam diferentes idéias de cidade. A imagem no contexto narrativo tem merecido excelentes estudos no âmbito da filosofia, antropologia, teoria e história da arte. Walter Benjamin já em 1936 indica a necessidade de discussão de conceitos novos na teoria da arte. Ao tratar do valor de autenticidade que envolve a reprodutibilidade técnica, Benjamin coloca a imagem no âmbito das questões mais amplas da prática política e da atividade da narração que, como indica Jeanne Marie Gagnebin [BENJAMIN, 1996], enfrenta-se a uma historiografia burguesa baseada num conceito de tempo cronológico e linear. Nesta Sessão, propomos um debate que trate do uso da imagem na idealização da cidade contemporânea envolvendo, por um lado, uma narração [e idealização de cidade] à serviço de uma prática política burguesa [hegemônica] e, por outro, como dispositivo de narração de uma prática política insurgente. A diferença fundamental entre uma narração e outra, está no distanciamento e na aproximação em relação a uma idéia de cidade que pode ser resumida naquilo que Milton Santos entendeu como o “conjunto inseparável da materialidade e das ações do homem” [SANTOS]. Neste processo, o entendimento sobre os procedimentos de apreensão e representação da cidade contemporânea tem se revelado de uma importância urgente e fundamental para o entendimento dos processos urbanos, considerando-se, principalmente a superabundância de informação que as novas tecnologias da informação trouxeram nas últimas duas décadas. A idéia de cidade, refletida por esta superabundância de informação, aparece numa escala fortemente convicente, embora ideologicamente distanciada do conjunto inseparável de que nos fala Milton Santos. São aproximações, em escalas cada vez mais precisas, que são utilizadas para distanciar e transformar radicalmente uma idéia de cidade baseada no conjunto de sua materialidade e das ações do homem. Nas discussões aquí sugeridas, levantamos a hipótese de uma cidade pós-espetáculo. Uma cidade desmaterializada [já não do Espetáculo] e passiva [já não da Passificação]. Esta desmaterialização e passividade da cidade teria sido precedida de: [1] uma cidade valorizada por ser lugar de troca de mercadorias; [2] uma cidade mercadoria [ou cidade do espetáculo]; [3] uma cidade vazia. A cidade se esvazia porque seu valor maior reside na sua representação. Nesta perda sucessiva de materialidade e ação, parece existir um processo compulsivo de produção de imagens [e idéias de cidades] cujo propósito é, ideologicamente, o esvaziamento da cidade da matéria e da ação por uma “cidade” virtual e passiva, utilizando-se para tanto de procedimentos tecnológicos cada vez mais sofisticados e populares. A capacidade de aproximação – em forma de uma maior capacidade de simulação resulta, neste sentido, num instrumento de distaciamento alienante. Assim, embora possa se afirmar que nunca se construiu tanto quanto agora, aquilo que se constroi pertence a um projeto de cidade baseado no engano e na criação de ilusão. Enquanto imagem e idéia de cidade ela somente existe virtualmente, embora materialmente sejam erguidos milhões de metros quadrados de obras em meio a uma cidade real. Por outro lado, imagens produzidas a partir de uma idéia de distanciamento insurgente, se revelam fortemente elucidativas e próximas ao objeto mesmo representado. Invocam a cidade da materialidade e da ação do homem. Tratase de uma postura eminentemente ativa e relacionada com a materialidade da cidade e onde o próprio autor, da imagem ou da narrativa, é parte constituinte de sua própria narrativa. Na academia sua relevância emerge de uma cuidada relação entre pesquisador e objeto de pesquisa, onde o autor constroi, no seu próprio trajeto de pesquisa, esta idéia de conjunto inseparável e deixa, em forma de registro, uma reflexão que fortalece a Cidade. Estes distanciamentos insurgentes e estas aproximações arrogantes, reforçam, portanto, a importância do papel da imagem na atividade da narração e no âmbito das questões mais amplas da prática política que constroi, destroi ou modifica a cidade. Exige uma postura científica e acadêmica crítica, vigilante, atualizada, aparelhada e disposta a enfrentar as estratégias que destroem materialidade e ação [Cidade] para vender ilusão [cidade virtual].

1 [Jorge Luis Borges: Funes o memorioso. Tradução de Marco Antonio Frangiotti]

2 [Suárez Miranda: Viagens de Varões Prudentes, livro quarto, cap. XIV, Lérida, 1658. Fragmento selecionado por Jorge Luis Borges, "Do Rigor na Ciência", in "História Universal da Infâmia", tradução Flávio José Cardozo, Porto Alegre, Globo, 1978]

Exposição: Montagem fílmica e IMAGEM DE cidade. Diferenças narrativas como forma de aproximação e distanciamento.

Expositor: Francisco Xico Costa (UFPB)

Resumo: Com a facilidade de um click e segundo um determinado critério, o autor escolhe e recorta fragmentos, descarta partes que considera ruins e aproveita partes que considera boas. Não é uma analogia gratuita; o desafio vivido pelo editor na montagem cinematográfica é semelhante àquele do historiador e do estudioso da arquitetura e do urbanismo: atende uma postura estética, crítica e política. O cineasta norte-americano D. W. Griffith criou na edição ou montagem fílmica aquilo que alguns especialistas chamaram de gramática do cinema: close-up, flash-back, ações paralelas, etc. Mas Griffith também foi responsável pelos cortes invisíveis, que ligam suavemente as cenas sem que o espectador se dê conta da mudança. Esta técnica, que revela certa atitude conservadora e respeitosa com um compromisso histórico melodramático, é muito diferente daquele do corte seco e explícito do cineasta russo Dziga Vertov. Em “O Homem com uma câmera” (1929), Vertov, revela um arrebatador compromisso com a realidade. E não se trata somente de uma diferença estética: Griffith constroi uma narrativa comprometida com a estrutura burguesa vigente e Vertov indicava a linguagem da mudança que Sergei Eisenstein utilizará, nos anos 20, em nome da Revolução Russa. Em nossa produção acadêmica sobre história da cidade e do urbanismo, podemos igualmente identificar diferenças como estas porque as formas de representação da experiência urbana não são resultado somente de uma determinada técnica, como a cartografia, a fotografia ou o cinema, mas um fenômeno cultural ligado aos valores estabelecidos por cada sociedade e em cada momento histórico.

Exposição: Ironia das imagens: imagens urbanas – ironia – contemporaneidade

Expositora: Adriana Caúla (UFF)

Resumo: O trabalho irá Interrogar as imagens urbanas produzidas na contemporaneidade explorando a ironia através de duas entradas: uma, sendo parte da criação de imagens urbanas como crítica e outra, através do olhar irônico sobre a produção de imagens urbanas veiculadas como “projetos de futuro” e “ideias de cidade”. A ironia não tem definição única, sendo um fenômeno complexo que transpassa muitos campos e formas múltiplas de expressão. Ironia pode ser tomada como um termo genérico que engloba conceitos diferentes ou referências derivadas. A ambiguidade é apontada como uma de suas marcas, pois ao mesmo tempo em que a ironia é capaz de aproximar, ela figura como uma distância intempestiva do olhar a uma posição original insatisfatória. Se por um lado a ironia é libertadora no próprio processo de criação e na expressão, por outro, a ironia pode servir como uma chave para a leitura crítica da produção contemporânea de imagens urbanas. A tomada da criação de imagens urbanas irônicas como crítica, conforma uma narrativa rica sobre tensões, problemáticas, construções, vivências e a materialidade da cidade. Sob o olhar irônico, as imagens hiper-realistas, associadas a discursos e posturas hegemônicas frente às cidades e suas transformações, (ou ideias de cidade, ou ainda cidades do porvir), aponta como potente entrada para uma crítica e desconstrução com distanciamento próximo. A proximidade e o distanciamento operam juntos, de formas e intensidades diferentes, criando um plano possível, para que possamos problematizar a produção de imagens e das cidades na contemporaneidade.

Exposição: Obscenidades e anamorfoses

Expositor: Washington Drummond (UNEB)

Resumo: “l’hétérologie s’oppose à n’importe quelle représentation homogène du monde.” G Bataille Partimos do abandono da ideia de paisagem urbana, em que nos colocávamos a uma distância do olhar às coisas - e mergulhamos impunemente na indistinção entre a imaginação e a imaginária urbana tecnicamente reprodutível - a zona informe (Bataille) onde não mais diferiríamos entre a nossa experiência da cidade e a das imagens dela produzidas. A máxima exposição do meio urbano em imagens equivale à sua exposição ao capital globalizado e à generalização tecnica. O estado reprodutível das imagens fotográficas urbanas ainda estava sem as conexões midiáticas para potencializar e avançar num espaço indistinto entre cena e público, o que propiciava o jogo teatral do cotidiano e as suas regras secretas. Agora, alavancado pelo excesso comunicacional, o estado reprodutível dessas imagens urbanas atingiu a obscenidade midiática dos processos contemporâneos de digitalização e impregnação. Dividimos nosso estudo das imagens urbanas em duas emergências: a primeira, sob o signo do obsceno (Baudrillard), e a segunda, sob o signo da anamorfose (Dali). O obsceno elide o olhar e a imagem, deslocando a representação no sentido de uma perfectabilidade e excesso. A anamorfose embaralha a percepção, multiplicando as perspectivas e deformando o que se quer perfeito e real. Desacreditando a realidade através de associações e perspectivas insólitas a anamorfose produz imagens urbanas heteogeneas.

Exposição: O uso da imagem midiática como dispositivo de transformação e debate sobre a cidade moderna. As revistas ilustradas e a construção do borde costeiro brasileiro.

Expositora: Thaise Gambarra (Universidad Católica de Chile)

Resumo: O surgimento de novos meios de comunicação durante o século XX alterou a forma como a cidade passou a ser discutida, construída e/ou idealizada. A nova imprensa ilustrada desempenhou um papel importante nesse processo. Com sua profusa apresentação de fotografias e desenhos, passou a ser capaz de disseminar informações de maneira mais eficiente, alcançando uma audiência cada vez maior e mais heterogênea; e ajudando na construção, afirmação e difusão das práticas sociais, por exemplo, associadas ao uso das praias e aos discursos relacionados a produção da cidade durante a modernidade. Através das imagens por ela difundidas, cenários urbanos foram criados e recriados, e a cidade mais que representada, foi ali mesmo produzida, debatida e idealizada. É a partir desse contexto que se pretende pautar o artigo, enfocando na construção do borde costeiro brasileiro como um lugar de negociação cultural realizado através das revistas ilustradas. O objetivo é examinar as imagens produzidas e difundidas pelas revistas O Cruzeiro e Acrópole durante as décadas de 1950-70, de maneira a entender como os debates e discursos produzidos por elas ajudaram na construção e/ou idealização do borde costeiro brasileiro. Acredita-se que examinar o uso da imagem na produção da cidade moderna é, ao mesmo tempo, examinar as condições da cidade contemporânea; uma tarefa urgente em um momento em que a cidade rapidamente se transforma.

Publicado
2019-05-22
Seção
Sessão Livre