SL54 “Cidades rebeldes” e direito à cidade

  • Suely Maria Ribeiro Leal
  • Luis de La Mora
  • Fabiano Rocha Diniz
  • Ronaldo Augusto Campos Pessoa
  • Evanildo Barbosa da Silva
  • Edinéa Alcântara de Barros e Silva

Resumo

SL-54. “Cidades rebeldes” e direito à cidade

Coordenadora: Suely Maria Ribeiro Leal (UFPE)

Resumo:

Os economistas e cientistas políticos de tradição marxiana, David Harvey, Henry Lefebvre, Christian Topalov, entre os mais destacados, reconhecem que Marx centrou sua análise do capitalismo no confronto entre capital x trabalho nas relações de produção.

Na atualidade fica evidente que o confronto dos interesses antagônicos entre o projeto neoliberal e o socialista ganha materialidade a partir dos conflitos urbanos que se intensificam. Desse confronto emergem como protagonistas os Grupos de Pressão, os grupos hegemônicos detentores do capital imobiliário, fundiário, empresarial, além dos movimentos sociais e outros coletivos de resistência urbana que se apresentam como aliados das populações excluídas nas cidades, disputando com visões antagônicas ao capital as funções e usos do solo urbano.

A Sessão Livre aqui proposta tem o propósito de produzir uma reflexão crítica sobre esses movimentos e interesses antagônicos que disputam as cidades no sentido da luta pela hegemonia entre o espaço urbano produzido pelo capital, de um lado, e àquele desejado pelos seus cidadãos em luta, configurando o que David Harvey conceitua como Cidades Rebeldes.

As Cidades são motores da acumulação urbana capitalista tendo na urbanização uma pré-condição para funcionamento da lógica do capital. A forma como esta dinâmica ocorre está estreitamente associada à ação do mercado imobiliário, principal ator que confere à produção do espaço e ao seu uso e ocupação, por meio do produto habitacional, as condições para sua reprodução.

Mas, as cidades são também expressão de lutas de classes e, portanto, abrigam no seu cotidiano distintas estratégias políticas pelo direito à cidade. Por meio desse ideário, atuam seus cidadãos em contraposição ao domínio do capital e visando novas possibilidades de contra-hegemonia aos modelos de cidades vigentes.

A urbanização predatória – condição e meio de expansão do lucro pelo capital - tem hoje traços de homogeneidade em todo mundo, retratados pelos megaprojetos imobiliários fundados na base das parcerias entre o publico e o privado, através das quais o capital controla o poder político. Esses empreendimentos são alvo de investimentos muitos dos quais públicos, apropriados pelas classes dominantes, sob a forma de alienação do lucro. Possuem características similares, tais como verticalização intensiva, grande número de apartamentos, redução significativa de áreas construtivas, associação com espaços de usos coletivos e públicos voltados para função comercial, de recreação e de lazer, dentre outras. São empreendimentos de grande impacto sobre a produção do espaço e que exigem um forte aparato de infraestrutura e mobilidade urbana, além assumirem formas de governança controladas pelo mercado com a anuência do Estado.

Em geral, os avanços do mercado têm sido identificados pelas opções por cidades e bairros considerados planejados. É fato que esse padrão urbanístico se difunde no país, mas, igualmente encontra resistências e reações importantes através da ação de movimentos do tipo Occupy que apregoam novos padrões de reorganização, reordenamento, funções e usos para as cidades referidos em ideários sociais e ambientais mais justos e democráticos para seus cidadãos.

Com um contexto urbano-metropolitano em profunda transformação, o mapa das cidades da Região Metropolitana do Recife (RMR), por exemplo, registra mais do que uma dinâmica econômica em ebulição – conforme pretende o pensamento hegemônico – sendo, antes, um retrato vivo de disputas ativas pelos sentidos de cidade e de metrópole entre classes sociais, grupos de pressão, meios de comunicação, distintos segmentos sociais e ou variadas concepções de gestão pública adotadas nas últimas décadas.

Disputas de sentidos no plural porque uma multiplicidade de projetos urbanísticos, de opções de planos e políticas urbanas tem igualmente emergido para entrelaçar às ações públicas mais e mais mecanismos privados de produção do espaço urbano, bem como para imprimir na superfície da metrópole (sua paisagem cultural e ambiental) mais de uma visão de mundo, de usos e formas ideológicas e materiais de apropriações dos meios e da vida que pulsa no espaço-tempo local.

As contribuições dos participantes da Sessão Livre proposta aportam um leque amplo de reflexões a propósito da questão de fundo que motiva sua organização: as iniciativas de resistência contra a ação hegemônica do capital na produção das cidades. Ainda que não esgotem os campos disciplinares e temáticos abrangidos pela problemática em questão, as contribuições trazidas pelos participantes pretendem pautar um debate que esclareça as repercussões do modelo de cidade que se tem consolidado nos grandes centros urbanos brasileiros neste início de século. Tratados sob pontos de vista distintos e complementares entre si, próprios das análises particulares desenvolvidas pelos participantes/intervenientes, os aspectos chaves recebem a atenção necessária para que as discussões não se limitem ao caso particular recifense, mas se tornem suficientemente atrativas para promover um diálogo comparativo com outras realidades nacionais.

Para isso, prevê-se desenvolver a dinâmica da Sessão Livre segundo as abordagens seguintes:

• A Ação do Capital Imobiliário em Megaprojetos Metropolitanos: Os Bairros e Cidades Planejadas como Nova Convenção Urbana.

• Grupos de Pressão x Movimentos Sociais, expressões urbanas da luta de classes na contemporaneidade.

• Disputas Ativas pelos Sentidos de Cidade e de Metrópole.

• Direito à Cidade e Coesão na Governança Metropolitana.

• Movimentos Sociais no Recife: Grupos Direitos Urbanos e Movimento#OcupeEstelita.

As questões metropolitanas são tratadas segundo a lógica da coesão dos arranjos de gestão dos processos de planejamento do desenvolvimento urbano, com ênfase às dimensões referentes aos mecanismos de construção e aplicação das diretrizes de ordenamento territorial, bem como às instâncias e instrumentos de seu controle social; os modelos de cidade produzidos são confrontados aos padrões morfo-tipológicos predominantes nas formas tradicionais de produção da cidade, para as quais camadas mais amplas da sociedade contribuem, pondo em cheque o exercício real do direito à cidade.

São questões como essas que movimentam nossas capacidades de produzir e oferecer colaborativamente conhecimentos e promover cidadania. As disputas urbanas não são e não podem ser apenas objetos das Ciências, mas, elas próprias condição para que as cidades sejam objetos de seus cidadãos e cidadãs, alcançáveis por meio da ação política, como direito a pertencer e a desfrutar desse pertencimento em condições de igualdade, de acesso e de pluralidade na forma de seu uso social público e coletivo.

Neste contexto, o Movimento#OcupeEstelita, um dos objetos de reflexão nessa proposta de Sessão Temática, está se configurando como um dos movimentos políticos de maior expressão nos últimos tempos, entre as lutas urbanas travadas na cidade do Recife, por simbolizar a luta dos cidadãos contra grandes empresas imobiliárias que impõem à cada dia a construção de megaempreendimentos à cidade.

Exposição: A Ação do Capital Imobiliário em Megaprojetos Metropolitanos: Os Bairros e Cidades Planejadas como Nova Convenção Urbana

Expositora: Suely Maria Ribeiro Leal (UFPE)

Resumo: Na dinâmica da produção do espaço, o capital imobiliário cria e recria as condições gerais da acumulação capitalista e da sua reprodução, introduzindo através do produto habitacional, inovações nos formatos tipológicos dos empreendimentos e modelos de governança. Os Megaprojetos Urbanos, presentes em grande parte das cidades mundiais, expressam essas inovações e sintetizam um modelo de governança onde se associam as diversas frações do capital, - do capital imobiliário, industrial e financeiro. Oriundos de uma nova convenção urbana utilizada pelos agentes econômicos para favorecer o surgimento de novos produtos imobiliários para atender as demandas das classes hegemônicas, os empreendimentos ofertados aportam elevada soma de recursos financeiros, se configurando nos chamados projetos de bairros e cidades planejadas. Os resultados dessas iniciativas habitacionais e empresariais são a geração de padrões morfológicos conflitantes com os alicerces de uma urbanização solidária e sustentável fundada em mecanismos decisórios democráticos, aproximando-se dos processos predatórios ditados pelo capitalismo e sua necessidade de expansão via lucro. Esses Megaprojetos Metropolitanos vêm se fundando na base de parcerias entre os setores público e privado, visando garantir as grandes corporações imobiliárias e empreiteiras da construção civil, parcelas significativas de capital somadas a fatias de recursos ofertados pelo poder público. Na RMR, empreendimentos imobiliários classificados como Megaprojetos Metropolitanos, a exemplo do Projeto Novo Recife, capitaneado pelo Consórcio de mesmo nome tem protagonizado conflitos urbanos com movimentos sociais, ao negar o direito à cidade a uma parcela ampla da sociedade, evidenciando na sua base a natureza da cidade como expressão da luta de classes.

Exposição: Grupos de Pressão x Movimentos Sociais, expressões urbanas da luta de classes na contemporaneidade

Expositor: Luis de La Mora (UFPE)

Resumo: Para os grupos hegemônicos o solo urbano constitui elemento fundamental para a reprodução ampliada do capital, e para os excluídos, o acesso ao solo urbano significa assegurar o direito ao bem estar da sua localização e amenidades para promover a habitabilidade. Uns priorizam o valor de troca do solo urbano, e os outros priorizam o valor de uso. No desenvolvimento destas expressões antagônicas dos conflitos urbanos são consideração os seguintes aspectos. 1) Para o surgimento, aparecem como fatores fundamentais da formação da identidade: a) A informação. b) A sensibilização. 2) Para sua mobilização é preciso que seja promovida a organização e o estímulo à ação, demonstrando a eficácia do esforço dispendido para atingir os resultados almejados, utilizando: a) A definição de responsabilidades dos membros. b) A constituição de alianças políticas, econômicas, organizacionais. 3) Para o seu fortalecimento: a) Manter a unidade do grupo, superando o divisionismo e conflitos internos. b) Consolidar as alianças demonstrando aos aliados que tem tudo a ganhar mantendo a articulação. Estas dimensões devem servir para pautar a ação mobilizadora dos agentes promotores dos Grupos de Pressão ou dos Movimentos Sociais, assim como para o estabelecimento das categorias de analise, variáveis e indicadores por parte dos pesquisadores, sua eficiência e eficácia como instrumentos da luta de classes na contemporaneidade. A comunicação analisará o grupo de pressão empresarial do Projeto Novo Recife e o movimento social #Ocupe Estelita que defende o Direito à Cidade.

Exposição: Direito à Cidade e Coesão na Governança Metropolitana

Expositores: Fabiano Rocha Diniz (UFPE), Ronaldo Augusto Campos Pessoa (UFT)

Resumo: As reflexões sobre os impactos das dinâmicas que conduzem o processo de produção dos espaços urbanos têm sido uníssonas em apontar o papel preponderante do capital imobiliário na definição dos modelos de cidade que se vem construindo no Brasil, neste Século XXI. Essa tendência é reafirmada quando se amplia a perspectiva de análise para a escala metropolitana. O caso da Região Metropolitana do Recife ilustra essa realidade, trazendo à luz conflitos e contradições que se refletem sobre os modelos de planejamento e gestão do desenvolvimento territorial, assim como sobre o desenho de governança que serve a estes. A crescente integração das metrópoles do ponto de vista funcional tem se contraposto a uma progressiva fragmentação, no tocante aos aspectos institucionais da gestão metropolitana. As tomadas de decisão acerca de diretrizes e/ou intervenções para o ordenamento territorial metropolitano têm se dado unilateral e isoladamente, na escala do governo municipal ou estadual, sem se atentar aos impactos dessas sobre o território e as ações de interesse comum. Capitaneados majoritariamente por empreendedores do setor privado, os grandes projetos obedecem a um padrão de cidade global limitado aos interesses desses atores, restringindo a fruição do direito à cidade – tal como conceituado por Lefebvre e Harvey – por parte significativa dos citadinos. Apesar de ainda não se estabelecerem como pauta de ação dos movimentos sociais que emergem com as manifestações de 2013, ações de rebeldia citadina como as do Ocupe Estelita se apresentam como um viés a considerar na (re)construção da coesão na gestão metropolitana.

Exposição: Disputas Ativas pelos Sentidos de Cidade e de Metrópole

Expositor: Evanildo Barbosa da Silva (Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional-PE)

Resumo: É nas cidades que ocorre uma diversidade de confrontos ou litígios em torno das condições, uso e posse da infraestrutura urbana, do solo urbano, dos serviços básicos essenciais à vida (saneamento, moradia, transporte e mobilidade, lixo e o destino de seus resíduos), da segurança e da violência, do uso dos recursos naturais, da cultura ou ainda da legislação urbana e da extensão de seu efetivo cumprimento, dentre outros. É nesse cotidiano que se manifesta uma diversidade conflitual fundamental ao direito à cidade. Ela aporta à cena urbana múltiplas manifestações públicas e coletivas que, ao seu modo e concepção, reivindicam a cidade como direito e nos convida a problematizar o que são, quem são e o que se pretende a partir desses conflitos urbanos? Quem são os violadores e quem se requisita violado nessas disputas conflituais? No que resulta a ação política dessas distintas formas de manifestações? Qual o objeto essencial de suas reivindicações e que perspectiva de efetivação de quais direitos apresentam? O que de proposições e alternativas coletivas são oferecidas e conquistadas ante essas violações? Como agem os entes públicos diante desses conflitos? O que se pode deduzir em termos da ação e do papel do Estado mediante o aguçamento dessas disputas conflituais urbanas? O que de público se sobressai desses conflitos e como é difundido e absorvido pelos formadores de opinião? O que nos dizem as Ciências Humanas e em que bases epistemológicas se movem seus operadores diante do seu próprio tempo e pertencimento urbano-metropolitano?

Exposição: Movimentos Sociais no Recife: Grupo Direitos Urbanos e Movimento#OcupeEstelita

Expositora: Edinéa Alcântara de Barros e Silva (IFPE)

Resumo: O Grupo Direitos Urbanos|Recife surgiu em 2012 e cresceu devido à crise da cidade e à insatisfação da população com a qualidade de vida. Sua ação tem potencializado discussões online/offline de um projeto de cidade que coloca o cidadão no centro da política de planejamento em reação à insustentabilidade do modelo de desenvolvimento urbano em vigor com impactos concretos na cidade. A maior luta tem sido contra o Projeto Novo Recife, empreendimento imobiliário, em um terreno de 10 ha, de 15 torres de até 40 andares, no bairro de São José, marco do início da cidade, com quase 500 anos de existência, que abriga grande quantidade de imóveis tombados. Tal empreendimento é emblemático do urbanismo segregador implantado na cidade, esvaziando os espaços públicos e levando ao colapso da mobilidade urbana nos horários de pico, fazendo do Recife a 2ª pior cidade do país no índice de bem-estar urbano. A mobilização contra esse projeto se ampliou e ganhou visibilidade (inter)nacional quando, em 21 de maio de 2014, ativistas e militantes acamparam para protestar após a destruição de galpões históricos no Cais Estelita. O nome Movimento#OcupeEstelita passou a firmar a identidade do movimento, que envolve o Direitos Urbanos e outros coletivos. Mesmo depois da expulsão violenta pela polícia, em 17 de junho, em uma ação de reintegração de posse, o movimento resiste, cresce e ganha apoios de figuras públicas (inter)nacionais, pois apesar de ser uma luta local, reflete uma problemática global. Analisar a resistência/resiliência do Movimento é o objetivo dessa comunicação.

Publicado
2019-05-22
Seção
Sessão Livre