SL53 Territórios em disputa:

conflitos e estratégias de resistência dos movimentos e grupos vulneráveis em áreas urbanas consolidadas

  • Francisco de Assis Comaru
  • Orlando Alves dos Santos Junior
  • Márcia S. Hirata
  • Paula Freire Santoro
  • Regina Soares de Oliveira
  • Cecilia Angileli
  • Benedito Barbosa

Resumo

SL-53. Territórios em disputa: conflitos e estratégias de resistência dos movimentos e grupos vulneráveis em áreas urbanas consolidadas

Coordenador: Francisco de Assis Comaru (UFABC)

Resumo:

As cidades brasileiras têm ser tornado, nos últimos anos, palco de intensa valorização imobiliária associada a processos de espraiamento, segregação sócioespacial e conflitos fundiários – expressos em despejos, reintegrações de posse e expulsão branca.

Há décadas em diversas grandes cidades e metrópoles vêm ocorrendo um aumento da população permanente justamente nas áreas impróprias a ocupação urbana, como áreas de preservação ambiental e áreas de risco.

O modelo de desenvolvimento econômico das últimas décadas também não contribuiu para a produção de cidades mais igualitárias, que seriam territórios marcados pelo acesso aos serviços básicos a toda população. Ao contrário, a urbanização com baixos salários aliado a ausência do Estado na garantia de serviços essenciais universais, nas áreas de habitação, saneamento ambiental e mobilidade urbana, reforçou a tendência à produção de espaços cindidos, vulneráveis e violentos (MARICATO, 1996).

Por fim, a estrutura fundiária extremamente concentrada em mãos de poucos proprietários concorreu para a estruturação de diferença abissal no acesso à terra urbanizada, bem servida de infraestrutura, algo que se reproduziu e persiste tanto no campo quanto nas cidades.

Políticas de cunho neoliberal em voga desde os anos 1980 (HARVEY, 2005), sintonizadas com o ideário do Estado mínimo e do protagonismo das forcas econômicas e do mercado em detrimento da construção de um Estado de bem estar social, contribuíram para ampliar os obstáculos a uma enorme parcela da população historicamente alijada dos direitos sociais e serviços essenciais para uma vida digna.

O cardápio de soluções recomendadas (e impostas) para a agenda urbana internacional em relação aos países do Sul, como os mega projetos, mega empreendimentos de desenvolvimento, e mega eventos esportivos (Jogos Pan Americanos, Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, por exemplo), assim como o empresariamento urbano (ARANTES, et. al. 2000), não contribuíram para ampliar a oferta de moradia social e serviços urbanos básicos (JEANNINGS, et al, 2014).

Ao contrário, em muitos casos, apurou-se o aumento dos conflitos pela terra, deslocamentos involuntários e violentos, associados a promoção do “ambiente de negócios”, sintonizado com uma atmosfera especulativa, principalmente no que tange ao preço da terra e aos aluguéis, com conseqüências drásticas para os grupos mais vulneráveis residentes das favelas, cortiços, povos originários, quilombos, assentamentos, ocupações, população em situação de rua, e vários outros.

Os significativos investimentos recentes em habitação, materializados no Programa Minha Casa Minha Vida, apesar de permitir a produção massiva de moradia, numa perspectiva de enfrentamento do déficit habitacional quantitativo, tem sido bastante criticados pelo acento desenvolvimentista (e econômico) de sua formulação, pelo atendimento prioritário a demandas das empresas construtoras, bem como pela produção massiva de conjuntos em regiões periféricas e distantes das redes de infraestrutura, serviços públicos urbanos e oportunidades de emprego e trabalho decente (CARDOSO, 2013).

Diante deste cenário repleto de contradições e complexidade, nota-se que o Brasil abriga uma quantidade bastante significativa de movimentos sociais que lutam há décadas pelos direitos nos mais variados campos (direito de acesso à terra, direito à moradia, à água e ao saneamento, direito ao transporte público de qualidade, direito ao trabalho decente, direito ao serviço de energia elétrica, direito de igualdade de gênero, direito de oportunidades no que tange a raça e etnia, entre tantos outros).

Neste contexto, a organização e mobilização dos movimentos sociais tem permitido a articulação de espaços e frentes de resistência e formulação de propostas alternativas diante do esgotamento e dos limites do modelo hegemônico de organização das nossas cidades, de produção e reprodução do espaço urbano.

Movimentos de moradia em particular, desde os anos 1980 ampliaram sua pauta de reivindicações nas cidades. Além da luta pela terra urbana nas periferias e regiões intermediarias das cidades, iniciaram um movimento de demanda por habitação em áreas centrais e/ou bem servidas de infraestrutura e serviços urbanos em diversas metrópoles do país.

Estima-se que nas últimas duas décadas mais de 200 ocupações ocorreram somente no centro da cidade de São Paulo. Por um lado, alguns milhares de projetos de moradia popular foram conquistados, e por outro, muitas dezenas de reintegrações de posse e despejos e deslocamentos involuntários ocorrem semanalmente no país.

Fato é que ao longo dos anos os movimentos populares aperfeiçoaram estratégias, aprimoraram e diversificaram formas de organização e mobilização, numa perspectiva pedagógica ou de uma pedagogia do confronto (BARBOSA, 2014). Novos movimentos sociais surgiram, por vezes articulando-se aos já existentes, outras vezes contrapondo-se a eles, incrementando a complexidade, as contradições e as disputas preexistentes.

Por outro lado, governos locais, proprietários, empreendedores, poder judiciário, mídia entre outros atores conservadores, têm mostrado uma capacidade de reação tantas vezes perversa e desproporcional, impondo aparentes ou reais refluxos.

Esta sessão livre tem como objetivo viabilizar um conjunto de apresentações, seguido de debates sobre diferentes cenários e estratégias de luta e resistência dos movimentos a partir deste quadro. Espera-se que os debatedores apresentem elementos reflexivos relevantes, também do ponto de vista das perspectivas e possibilidades de atuação dos movimentos sociais de resistência no contexto destes territórios centrais em disputa. Pretende-se assim viabilizar a apresentação e debates de experiências de conflitos, disputas e resistências envolvendo movimentos sociais e comunidades vulneráveis de um lado, e poder público e empreendedores do mercado imobiliário, do outro, do Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), São João Del Rei (MG) e Foz do Iguaçu (PR).

Todos os participantes / apresentadores da sessão proposta têm experiência na condução de pesquisas acadêmicas, projetos de extensão e ativismo junto a comunidades vulneráveis e movimentos sociais urbanos, o que potencializará uma reflexão consistente que articule as dimensões teórica-conceitual e prática-empírica.

Referências

ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. Coleção Zero à esquerda, Petrópolis: Vozes, 2000.

BARBOSA, Benedito Roberto. Protagonismo dos movimentos de moradia no centro de São Paulo: trajetória, lutas e influências nas políticas públicas. Dissertação de Mestrado em Planejamento e Gestão do Território. Universidade Federal do ABC, 2014.

CARDOSO, Adauto (org.). O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.

HARVEY, David. A Brief History of Neoliberalism. Oxford: Oxford University Press, 2005.

JEANNINGS, Andrew; VAINER, Carlos; ROLNIK, Raquel. Brasil em jogo O que fica da Copa e das Olimpíadas? São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.

MARICATO, Erminia. Metropole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade, violência. São Paulo: Hucitec, 1996.

Exposição: Morar no Porto Maravilha: conflitos e resistências no contexto da operação urbana da área portuária do Rio de Janeiro

Expositor: Orlando Alves dos Santos Junior (UFRJ)

Resumo: A Lei Municipal nº 101/2009 criou a Operação Urbana Consorciada – OUC da Área de Especial Interesse Urbanístico – AEIU da Região Portuária do Rio de Janeiro, que abrange 5 milhões de metros quadrados. Em seguida, a prefeitura municipal do Rio de Janeiro instituiu uma parceria público-privada para efetivar esta operação urbana. Desde então, estão sendo desenvolvidas diversas obras de requalificação urbana e diversas políticas visando atrair investidores para a construção de escritórios e habitações de média/alta renda. De fato, a existência das classes populares em áreas de interesse por parte de grandes agentes econômicos se torna um obstáculo ao processo de apropriação desses espaços aos circuitos de valorização do capital vinculados à produção e a gestão da cidade e tem sido objeto de inúmeros conflitos sociais. No caso da região portuária, além do perfil popular dos atuais moradores, há que se considerar a existência de ocupações organizadas pelos movimentos de moradia. Nesse cenário, busca-se analisar o conflito em torno da mercantilização/desmercantilização da região portuária, com foco no acesso à moradia. Por mercantilização, entende-se os processos de remoção/expulsão das classes populares e da transferência de patrimônios sob a posse das mesmas para outros agentes com maior poder econômico, expressando processos de acumulação por despossessão, tal como formulado por David Harvey. Por outro lado, por desmercantilização entende-se os processos de resistência na perspectiva da afirmação do direito à moradia, protagonizado pelos movimentos populares, na perspectiva da criação de espaços heterotópicos, tal como formulado por Henri Lefebvre.

Exposição: Contradições e conflitos da produção do espaço contemporâneo: visão urbana sobre a apropriação de centros históricos: São Paulo/SP e São João delRei/MG

Expositora: Márcia S. Hirata (UFSJ)

Resumo: O atual processo de reestruturação imobiliária em função da territorialização de dinâmicas financeiras mundiais geram conflitos com formas locais de apropriação do espaço, ao mesmo tempo que apresentam difíceis desafios às formas de resistência social. Propomos a ampliação das correntes interpretações industriais sobre tais processos urbanos, para uma visão urbana e interescalar sobre contradições observadas nas continuidades e descontinuidades de dois estudos de caso, os conflitos sociais recentes no centro da cidade de São Paulo e na cidade histórica de São João del-Rei, no estado de Minas Gerais. Tratam-se de diferentes experiências urbanas que evidenciam contradições que nos permitem apreender os desafios centrais a serem enfrentados, cuja solução por meio de novas formulações orientam o estabelecimento de estratégias que apontam para horizontes de superação da desigualdade social da produção do espaço urbano.

Exposição: A divisão do espaço em áreas rentáveis e não rentáveis: direito à moradia em contexto de alta rentabilidade da terra nas parcerias público-privadas em São Paulo

Expositora: Paula Freire Santoro (USP)

Resumo: Experiências em São Paulo como o novo Plano Diretor, a Operação Urbana Consorciada Água Branca e a PPP da Habitação reforçam a tese de que, nem a regulação, nem a gestão das parcerias público-privadas, tem se mostrado suficientes equacionar a promoção do direito à cidade e à moradia com as altas rentabilidades da terra exigidas. Nas áreas centrais, esta equação tem sido resolvida com alguma produção de moradia popular para os mais pobres, mas que ainda podem pagar, baseadas na propriedade privada, que não evita a expulsão pelo mercado; enquanto há frequentes remoções violentas e desorganizadas, além de desapropriações. Por outro lado, são valorizadas as áreas de venda de CEPACs, viabilizando a lógica da rentabilidade constante; são ampliadas as possibilidades de flexibilização das regras de uso e ocupação através de novos instrumentos urbanísticos; são renovados os instrumentos das PPPs de forma a incluir desapropriação pelos privados e a gestão de serviços, sob uma lógica onde os custos são públicos e os benefícios privados. Paralelamente há uma luta por regulação e por direitos, envolvendo a crítica à (não) regulação e mobilizações de resistência às remoções e às desapropriações. E ainda a
luta pela produção de novas unidades de moradia que vive o conflito de não concordar com as lógicas de rentabilidade impostas, mas lutar para que uma quantidade das moradias seja destinada às entidades organizadas. Assim, divide-se o território em áreas rentáveis e áreas para a produção habitacional, mantendo a velha lógica de produção de um urbano segregado.

Exposição: Estratégias de lutas e desafios dos movimentos de moradia da região central da cidade de São Paulo

Expositora: Regina Soares de Oliveira (Universidade Federal do Sul da Bahia)

Resumo: Os movimentos de moradia da região central da cidade da cidade de São Paulo buscaram, ao longo da década de 1990, se consolidarcomo protagonistas no debate sobre a região. Tal busca permitiu ao movimento avançar na implementação de algumas de suas bandeiras de luta, tais como: o cumprimento da função social da propriedade urbana e o acesso a moradia,nessa região,à população de baixa renda. Entre as estratégias adotadas para obter visibilidadejunto a sociedade, destacamos as diversas ocupaçõesde imóveispromovidas pelos grupos de moradia que ressaltavam a ausência de política habitacional em uma região dotada de infraestrutura consolidada, mas com muitos imóveis ociosos frente ao grande número de pessoas sem moradia na cidadee, ao mesmo tempo, buscavam pressionar o poder pública na criação de políticas específicas a essa região. Muitas dessas ocupações, ainda que tivessem caráter temporário, tornaram-se alternativa habitacional em curto e médio prazopara uma parcela dos membros do movimento de moradia, tornando-se um novo desafio na medida em que os grupos passaram a administrar questões ligadas a gestão do espaço, ao enfrentamento das precárias condições dos imóveis e ao estabelecimento de regras de convivência interna para coibir o consumo de álcool e drogas e a violência doméstica. Por outro lado, a criminalização dos movimentos de moradia se tornou constantetanto por parte da mídia (impressa e televisiva) como pelo poder público, retomando a ações adotadas durante a Velha República, quando as questões sociais eram vistas como caso de polícia.

Exposição: Resistência às remoções em territórios de disputa: novas e velhas estratégias

Expositores: Francisco Comaru (UFABC), Cecilia Angileli (UNILA), Benedito Barbosa (UNILA)

Resumo: A existência de um número considerável de projetos urbanos que implicam em remoção de assentamentos populares não corresponde necessariamente ao conhecimento e divulgação da dimensão e impacto deste processo. Há tanto um desconhecimento, como também uma subestimação dos reais impactos de tais projetos dando-se ênfase as modificações no valor do solo e de sua função física espacial, e do atendimento habitacional proposto as famílias atingidas em forma de aluguel social, indenização ou unidade habitacional. Não dando destaque a todas as violências que se dão de forma sucessiva no cronograma do despejo. As populações envolvidas que tentam resistir a tais processos sofrem com a falta de informação, com a insegurança, com a cooptação de lideranças, com a destruição e tentativa de reconstrução de suas redes sociais, com o deslocamento involuntário para novas áreas de fragilidade ambiental ou de risco. Esse processo violento que dura anos amplia a vulnerabilidade em que estas comunidades se encontram, pois terão muito mais que se adaptar a novos projetos ou moradias alheias a sua história, terão que se adaptar a novos territórios de disputa. Nesta apresentação serão apresentados estudos que mostram como as comunidades afetadas por remoções, depois de fazerem parte de uma disputa no contexto de estratégias empreendedoristas de planejamento urbano passam a ser disputados por grupos de controle social (tráfico de drogas e mercado informal), fragilizando as ações de resistência. Estes estudos terão como base análises comparativas em comunidades afetadas nos municípios de São Paulo e Foz do Iguaçu.

Publicado
2019-05-21
Seção
Sessão Livre