SL50 O Direito Urbanístico brasileiro e as suas insurgências:

dos novos processos socioespaciais às novas respostas emergentes do campo jurídico

  • Alex Ferreira Magalhães
  • Delana Cristina Corazza
  • Leandro Franklin Gorsdorf
  • Daniel Gaio
  • Henrique Botelho Frota
Palavras-chave: direito urbanístico brasileiro, processos socioespaciais

Resumo

SL-50. O Direito Urbanístico brasileiro e as suas insurgências: dos novos processos socioespaciais às novas respostas emergentes do campo jurídico

Coordenador: Alex Ferreira Magalhães (UFRJ)

Resumo:

Dado que as Sessões Livres do ENANPUR constituem espaços de reflexão sobre as diversas temáticas que dizem respeito ao Planejamento Urbano e Regional e áreas de conhecimento afins, a presente proposta visa debater algumas das questões insurgentes que têm mobilizado o campo do planejamento urbano, com o diferencial de fazê-lo, de modo privilegiado, sob o ângulo do Direito Urbanístico.

A proposta tem o propósito de estimular, no âmbito do ENANPUR, o debate a respeito das dimensões jurídicas da gestão urbana e das articulações entre Direito e Urbanismo. Ela emerge a partir de debates realizados no âmbito da rede Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), existente desde 2000 e que, hoje, congrega mais de 300 especialistas na questão urbana. O IBDU é uma associação civil de âmbito nacional constituída por juristas, urbanistas, pesquisadores, estudantes, profissionais e militantes sociais que atuam na temática urbana. Dentre os seus objetivos, destacam-se o desenvolvimento de pesquisas que contribuam para a avaliação e o aprimoramento das políticas governamentais e do quadro normativo na área urbanística, nos três níveis da federação. Nessa rede têm se desenvolvido o debate de determinadas questões, que se buscará socializar no espaço das sessões livres do ENANPUR.

A proposta parte do pressuposto de que o elemento mais novo e mais importante surgido no urbanismo brasileiro recente reside no surgimento do conjunto de cenários e atores trazidos pela ordem jurídica instituída nas últimas três décadas. O potencial dessa ordem ainda parece ser largamente desconhecido e pouco explorado, tanto por juristas quanto por urbanistas.

O atual contexto do Direito Urbanístico brasileiro tem sido visto, por um lado, como de sua plena institucionalização: contam-se 26 anos de vigência do capítulo da reforma urbana na Constituição Federal, que se desdobrou em capítulos sobre o mesmo tema – e muito mais ricos – nas Constituições Estaduais e municipais. Além disso, contam-se mais de 13 anos de vigência do Estatuto da Cidade. Milhares de municípios brasileiros elaboraram ou revisaram seus respectivos planos diretores e muitos avançaram na atualização de suas respectivas legislações de parcelamento, uso e ocupação do solo. Muitos princípios norteadores e instrumentos jurídicos-urbanísticos têm sido criados, regulamentados e testados. No plano nacional, o Ministério das Cidades completa 12 anos de sua criação; o programa Minha Casa Minha Vida entra em seu 7º ano de implantação; algumas importantes políticas setoriais se fortalecem, como no campo do saneamento básico, da mobilidade urbana e da gestão de situações de risco, que trouxe pela primeira vez ao campo jurídico um conjunto de normas e procedimentos mais orgânicos no sentido de orientar os processos de expansão urbana. Conselhos da Cidade, de Desenvolvimento Urbano, de acompanhamento do Plano Diretor, espalhados em municípios, estados e no âmbito federal. Os grandes projetos urbanos ultrapassam o restrito círculo das capitais e ganham cada vez mais espaço nas cidades médias, colocando desafios inéditos para o planejamento e a regulação das cidades. Os conflitos urbano-ambientais adquirem crescente complexidade, suscitando o debate a respeito das arenas e mecanismos institucionais para seu processamento. Em suma, não faltam experiências e insurgências no campo jurídico a serem conhecidas e avaliadas, para as quais a contribuição dos juristas em sua compreensão se revela insubstituível.

O robusto sistema normativo desenvolvido nos últimos 26 anos, no Brasil, sumariamente descrito acima, levaria, aparentemente, a um fortalecimento do Direito Urbanístico no atual momento histórico. Em outubro de 2008 esgotou-se o prazo estabelecido pelo Estatuto da Cidade para que os municípios com mais de vinte mil habitantes e/ou integrantes de regiões metropolitanas elaborassem seus planos diretores. A obrigatoriedade do plano diretor, com prazo e sanções, estabelecidas no sistema legal brasileiro, aliada às inúmeras campanhas de incentivo e de apoio do poder público à elaboração de planos diretores, foram determinantes para a institucionalização do planejamento urbano e para um forte incremento das discussões sobre o tema em cidades de todo o país.

Além de terem autonomia para regulamentar os instrumentos do Estatuto da Cidade em seus territórios através dos Planos Diretores (desde que não contrariem as normas gerais do Estatuto da Cidade), os municípios têm, ainda, a possibilidade de criar e regulamentar novos instrumentos jurídicos e urbanísticos, que contemplem suas necessidades e especificidades, valendo-se da margem que o sistema normativo brasileiro confere às insurgências e a processos de construção “de baixo para cima” do campo jurídico-urbanístico. As iniciativas municipais, via de regra, são consideradas bastante tímidas se considerarmos a complexidade dos desafios colocados pelo conjunto das cidades brasileiras. Em grande medida, as máquinas administrativas municipais ainda se encontram desaparelhadas – em vários sentidos – para implantarem uma política urbana que atenda aos ditames do sistema normativo brasileiro em vigor, gerando um impasse insuperável no tocante à implementação da nova ordem jurídico-urbanística, fortemente dependente da esfera municipal.

Em que pese o enorme reconhecimento internacional do Estatuto da Cidade, e mesmo depois da formulação e/ou aprovação pelos municípios de cerca de 1.400 planos diretores como cumprimento da obrigação legal decorrente da lei federal, por várias vozes têm surgido avaliações que já revelam uma certa descrença em relação às possibilidades e ao alcance dessa lei e do sistema jurídico-urbanístico que ela busca organizar em escala nacional. Como os maiores estudiosos brasileiros desse sistema já tiveram oportunidade de avaliar, muitos planos diretores municipais não têm sido implementados devidamente; outros são essencialmente artificiais ou simples cópias de modelos inadequados; outros são meramente retóricos, tendo incorporado formalmente diversas diretrizes e instrumentos do Estatuto da Cidade para a condução da política urbana, sem que tais princípios e instrumentos tenham sido devidamente territorializados nas cidades; muitos outros têm sido distorcidos por mudanças legislativas casuístas e que não passaram por processos participativos adequados; outros somente têm sido aplicados no que diz respeito aos interesses de grandes segmentos empresariais e/ou financeiros, reproduzindo uma lógica de privatização do planejamento urbano, que o torna excludente e que não faz mais do que coadjuvar o processo “natural” de urbanização própria do modo de produção capitalista contemporâneo.

Assim, a proposta da presente sessão visa refletir, sob diferentes ângulos e perspectivas, a respeito desse (relativo?) “ceticismo” e/ou “desencanto” para com o sistema de Direito Urbanístico brasileiro, pondo em questão uma das hipóteses que tem sido fortemente veiculadas nos debates da conjuntura recente. Com isso, busca-se intercambiar e amadurecer os entendimentos compartilhados pelo público do ENANPUR a respeito da medida ou os termos sob os quais tal hipótese pode ser aceita, ou se ela deveria mesmo ser abandonada ou em alguma medida reformulada. Como resultado dessa reflexão, espera-se apontar alguns caminhos que possam ser trilhados pelos agentes sociais – acadêmicos ou não – comprometidos com o projeto político da reforma urbana e da democratização do direito à cidade.

A proposta da presente seção visa garantir que o Direito Urbanístico e suas questões estejam permanentemente presentes na agenda do urbanismo e dos urbanistas brasileiros, a fim de que seja compreendida a importância do Direito Urbanístico como arena estratégica, que reúne atores que interferem decisivamente nos rumos do planejamento e da gestão urbana, superando-se a ideia reducionista de que as políticas urbanas constituiriam questões técnicas que estariam supostamente alheias à compreensão da dimensão jurídica nelas envolvidas.

A proposta da presente sessão representa, em última análise, um convite para que, no XVI ENANPUR, haja espaço para reflexão a respeito do próprio campo do planejamento urbano, da concepção de suas pautas, de sua abordagem metodológica da questão urbana, das lacunas eventualmente presentes em sua agenda, das ênfases que caberiam nela comparecer e das articulações entre os diversos agentes, campos e saberes nela presentes.

Exposição: Da Constituição Cidadã à judicialização dos conflitos urbanos

Expositores: Alex Ferreira Magalhães (UFRJ), Delana Cristina Corazza (UFRJ)

Resumo: A partir da Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, da criação do Estatuto da Cidade, novos agentes sociais entraram em cena e novas formas de atuação foram se configurando. Pesquisadores de diversas áreas, movimentos sociais e profissionais do Direito passaram a pensar a habitação de uma forma mais ampla, vinculada à construção da cidade e à sua integração. Na maioria dos casos, as propostas apontadas por esses agentes não têm considerado o problema da habitação em sua radicalidade, deixando a cargo das leis a responsabilidade de sua superação, ou, quando considerada a raiz das contradições, as ações propostas se limitam à teoria, não gerando potencialidade para essa superação. Dentro deste contexto e dado que o espaço aparece como indivisível, é necessário refletirmos sobre as “brechas” e possíveis caminhos para avançarmos nas respostas ao problema apontado. Diversas pesquisas em pós-graduação, que estudaram a jurisprudência, apontam que os novos direitos – particularmente à habitação – nos casos de conflito, só são considerados quando é possível a sua mitigação, mediante a ponderação de direitos. Nesse sentido, nos parece que o instrumento do Termo de Ajustamento de Conduta constrói um caminho insurgente, uma estratégia alternativa possível, no âmbito da complexidade do sistema legal brasileiro e dos conflitos coletivos contemporâneos. Assim, a presente apresentação terá por foco debater a relevância do TAC e as suas potencialidades enquanto mecanismo de produção de respostas adequadas para os intrincados problemas da ponderação de direitos, problemas esses que transcendem o campo jurídico, embora passem fundamentalmente por ele.

Exposição: Revisões de Planos Diretores, entre o Estado, mercado e movimentos sociais: avanço ou retrocesso?

Expositor: Leandro Franklin Gorsdorf (UFPR)

Resumo: 26 anos do capitulo da reforma urbana na Constituição Federal; 13 anos do Estatuto da Cidade; muitos planos diretores e pouco avanço na regulação do uso e da ocupação solo das cidades brasileiras; muitos princípios norteadores e poucos instrumentos jurídicos-urbanísticos regulamentados e aplicados; 12 anos da criação do Ministério das Cidades; 5 anos do programa Minha Casa Minha Vida; Plano Nacional de Saneamento e de Mobilidade Urbana; Conselhos da Cidade, de Desenvolvimento Urbano, do Plano Diretor, espalhados em municípios, estados e no âmbito federal. Diante desse cenário, coloca-se a exigência de revisão dos Planos Diretores, alguns em andamento e outros por vir. A pergunta a ser problematizada é se esta oportunidade de revisão dos Planos Diretores tem possibilidade de ser um avanço ou retrocesso para o Direito Urbanístico. Nesse sentido, a proposta dessa apresentação é verificar, a partir das experiências de revisão em Plano Diretor em andamento, quais as tendências incorporadas na discussão, entendendo que as mudanças legais e institucionais não ocorrem somente neste momento de repactuação social. Dois casos servirão de referência à análise: São Paulo e Curitiba. E três serão os eixos estruturantes da análise: função social da propriedade e valorização imobiliária; regularização fundiária e habitação de interesse social; gestão democrática. Ao traçar este estudo de casos e realizar análise comparativa, pretende-se apontar quais as possibilidades de obstáculos e avanços nas revisões de Planos Diretores de cidades, muitos dos quais iniciarão após o ano de 2015.

Exposição: Relações entre o Plano Diretor Municipal e a ampliação do perímetro urbano: reflexos no direito à cidade

Expositor: Daniel Gaio (UFMG)

Resumo: As mudanças promovidas pela Lei Federal 12.608/12 ao Estatuto da Cidade alteraram significativamente os requisitos para a ampliação do perímetro urbano, exigindo-se, dentre outros: i) a definição de mecanismos para garantir a justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes da expansão urbana e a recuperação para a coletividade da valorização imobiliária resultante da ação do poder público; ii) a previsão de áreas para habitação de interesse social por meio da demarcação de zonas especiais de interesse social. Ainda que os referidos dispositivos possam ser avaliados de modo positivo, sobretudo porque densificam e vinculam a qualificação urbanística aos princípios do Estatuto da Cidade, o novo texto legal não faz referência à mudança do Plano Diretor como pressuposto para a ampliação do perímetro. Entende-se que é necessário analisar a regulação urbanística-constitucional brasileira de modo a explicitar as relações de interdependência entre a ampliação do perímetro urbano e a alteração do Plano Diretor Municipal. A exigibilidade de alteração do Plano Diretor Municipal implica inúmeras mudanças nos procedimentos que em geral são praticados nos processos de ampliação do perímetro urbano: i) diagnósticos urbanístico-ambientais para o conjunto da cidade; b) cumprimento dos mecanismos de participação popular durante todo o processo, em especial a participação em audiências públicas e na conferência municipal de política urbana; c) reflexos em relação ao direito à cidade, pois permite avaliar a real necessidade da referida ampliação do perímetro. A presente apresentação terá por objeto a reflexão a respeito dessas relevantes mudanças procedimentais, recentemente impostas à institucionalização da expansão urbana.

Exposição: Conflitos Fundiários Urbanos e Poder Judiciário: análise sobre a efetivação do direito à cidade e do direito à moradia

Expositor: Henrique Botelho Frota (Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico; PUCSP)

Resumo: Desde a promulgação da Constituição de 1988, a produção legislativa do Direito Urbanístico tem sido intensa. Nos últimos anos, o país aprovou marcos normativos referenciais sobre habitação de interesse social, regularização fundiária, mobilidade urbana e saneamento ambiental, o que, somado ao Estatuto da Cidade, aprofundou a “nova ordem jurídico-urbanística brasileira”. Essa ordem tem sido assimilada e aplicada de forma lenta e desigual, carecendo de efetividade, especialmente no Poder Judiciário. O tratamento constitucional da questão urbana, por vezes, entra em colisão com concepções privatistas, gerando dificuldades na aplicação da legislação urbanística. No campo dos conflitos fundiários, experiências recentes têm revelado uma tímida abertura dos Tribunais. O Conselho Nacional de Justiça incluiu essa temática na lista classificatória dos litígios judiciais, sendo acompanhado por outros órgãos judiciais. Entretanto, não existem parâmetros adequados para a identificação desses litígios ou mecanismos processuais para lidar com eles. No caso do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em 2014, foi instituído grupo técnico para propor o desenho de varas especializadas e câmaras reservadas para os conflitos fundiários. Enquanto não ocorre a criação desses novos órgãos, a matéria é tratada de forma difusa nas diferentes varas e câmaras. Em muitas decisões, o fundamento ainda está baseado em uma concepção patrimonialista de defesa da propriedade privada em prejuízo do direito à moradia. Nesse cenário, a discussão proposta tem por objetivo aprofundar o debate acerca da efetivação dos direitos à cidade e à moradia adequada nos casos de conflitos fundiários urbanos levados ao conhecimento do Poder Judiciário paulista.

Publicado
2019-05-21
Seção
Sessão Livre