SL48 Direito humano à água e segurança hídrica:
acesso a serviços de saneamento e os desafios para o Brasil contemporâneo.
Resumo
SL-48. Direito humano à água e segurança hídrica: acesso a serviços de saneamento e os desafios para o Brasil contemporâneo.
Coordenadores: Ana Lucia Nogueira de Paiva Britto (UFRJ) e Léo Heller (ONU; Fiocruz; UFMG).
Resumo: A questão do acesso aos serviços de saneamento e da qualidade dos recursos hídricos vem ganhando cada vez maior visibilidade na mídia. Em São Paulo, em torno das questões relacionadas ao cenário atual de escassez e das alternativas para abastecimento da Macrometrópole; no Rio de Janeiro, no debate em torno do cumprimento das metas relacionada à recuperação das águas, que se encontra presente no compromisso assumido para os Jogos Olímpicos de 2014; na disputa recente entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais em torno das águas do Paraíba do Sul. Temas que se somam a uma desigualdade histórica no acesso à água da população metropolitana, sobretudo a que marca as diferenças entre núcleos e periferias metropolitanas nas principais metrópoles brasileiras. No que diz respeito à Região Metropolitana de Belo Horizonte, o Altas Brasil de Abastecimento Urbano indica que os mananciais que a abastecem possuem disponibilidade hídrica suficiente para o atendimento das demandas futuras, com destaque para o rio das Velhas e os afluentes do rio Paraopeba. Entretanto, o mesmo documento indica que uma série de adequações aos sistemas produtores é necessária para conferir maior flexibilidade operacional, otimizar o abastecimento e garantir o atendimento à população. No Nordeste, a seca vem se agravando: mais de mil municípios enfrentaram no segundo semestre de 2014 situação de emergência reconhecida pelo Ministério da Integração Nacional.
Essa sessão livre buscará discutir as ameaças de escassez de água para consumo humano, associadas às alterações climáticas, e o direito humano de acesso aos serviços de saneamento básico em diferentes contextos do Brasil, colocando as seguintes questões:
A escassez hídrica é produzida por mudanças ambientais (em termos de estiagem e qualidade) ou é social e politicamente construída? Como essa escassez confronta o direito humano à água e ao esgotamento sanitário? Como se dá efetivamente o acesso aos serviços de saneamento em territórios metropolitanos e em áreas do semi-árido nordestino? Quais são os conflitos existentes sobre a utilização de recursos hídricos nesses territórios? Como se dá a adaptação às mudanças climáticas no contexto de gestão das águas? De que forma modelos de gestão de saneamento orientados pela produção de lucro agravam a segurança do fornecimento de água em situações de baixa disponibilidade hídrica? Quais são as políticas públicas relacionadas à gestão do saneamento e dos recursos hídricos, e qual a capacidade dos atores institucionais para atuar na redução da desigualdade hídrica e atender às demandas previstas para próximas décadas? Quem são os atores chave na construção dessas políticas - governo (federal, estadual e municipal); grandes empresas públicas e privadas; organizações da sociedade civil que representam os interesses do setor (os sindicatos de trabalhadores , etc.); as agências internacionais (por exemplo, instituições financeiras internacionais e outros agentes do processo de " governança global ”), ONGs e outros detentores de poder relevantes? Que concepções eles defendem (usos prioritários, valores: água como direito, água como mercadoria). Qual é o papel da regulação dos serviços? Os paradigmas tecnológicos hoje adotados estão adequados para o enfrentamento desse duplo desafio: atender à demanda crescente e adaptar-se às inseguranças decorrentes das mudanças climáticas? Existem alternativas sóciotécnicas que possam contribuir para o enfrentamento dessas desigualdades? Quais são elas e quais os impasses para adotá-las?
Reconhecendo que no Brasil existe conhecimento científico e de soluções tecnológicas capazes de enfrentar a escassez objetiva de recursos hídricos, nosso ponto de partida é assumir que os obstáculos mais importantes a serem enfrentados na ação pública voltada para a redução da desigualdade e da insegurança no acesso à água e a construção de soluções para os problemas decorrentes de calamidades de origem hídricas (secas ou inundações) derivam principalmente de processos de caráter socioeconômico, político, cultural e institucional, incluindo-se aí a formulação e implementação de políticas públicas. Parte-se da hipótese de que a escassez de água para o abastecimento, decorrente do crescimento da demanda, confrontada com a degradação dos recursos hídricos, é um problema que tem sua origem nas falhas dos sistemas da gestão e provisão de serviços, que não conseguem ser sustentáveis em termos econômicos, ambientais, sociais e institucionais. Estas falhas estão relacionadas à influência dos condicionantes sistêmicos, definidos como “processos políticos e econômicos, mas também importantes fatores culturais – como a cultura política dominante – que podem facilitar ou dificultar a adoção de políticas públicas particulares.” (HELLER; CASTRO, 2007, p.285, CASTRO, 2013).
O enfrentamento da supracitada desigualdade passa pela superação de impasses que marcam o setor de saneamento. O planejamento é um primeiro passo. Contudo, para além do planejamento, um impasse fundamental a ser superado são as abordagens predominantemente tecnocêntricas, ditadas principalmente a partir da visão focada exclusivamente na engenharia sanitária. Nesse sentido, preocupações com obras têm tradicionalmente dominado o setor, em detrimento de uma visão que busque enquadrar a abordagem técnica em uma moldura sócio-política. As infraestruturas para produção de água para o abastecimento certamente não são apenas artefatos técnicos mas também estruturas organizacionais, arranjos institucionais, com significados socioculturais próprios, representando um sistema sócio-técnico complexo (GUY et al., 2010). A técnica e a tecnologia são produtos da ação humana e inseridas no contexto das relações sociais e no âmbito de seu desenvolvimento histórico; expressam a combinação, em cada lugar, das condições políticas, econômicas, sociais, culturais e geográficas que permitem sua instalação, operação e aproveitamento.
A dominância da dimensão técnica, desconsiderando a complexidade e multidimensionalidade que vem caracterizando o tratamento dos problemas relacionados à gestão dos recursos hídricos e dos serviços de saneamento, bem como o papel do cidadão no processo de tomada de decisão, traz ônus para a efetividade das decisões e ações. São frequentes, nesse aspecto, uma lógica voltada para o aumento contínuo de produção de água pelos sistemas sem operar na gestão da demanda; intervenções de saneamento não devidamente apropriadas pelos usuários, por conflitarem com suas práticas tradicionais; intervenções urbanas que não se coadunam com a dinâmica das cidades, agravando, por exemplo, a ocorrência de enchentes e inundações; incapacidade das concepções técnicas em enxergar com clareza o papel das ações no controle da ocorrência de enfermidades; ou ações que, ao contrário de cumprirem sua missão de preservar o ambiente físico, comprometem sua qualidade. São situações que, muito provavelmente, ocorreriam com menor intensidade se o poder público contasse com um planejamento estruturado, que tivesse a capacidade de visualizar as diferentes dimensões dos problemas da gestão das águas, considerando valores culturais e o envolvimento dos usuários, especificidades ambientais e a possibilidade de tecnologias alternativas, a partir de uma abordagem sócio-técnica que privilegie a justiça ambiental.
Exposição: Água potável: direito humano ou mercadoria? O caso da privatização indireta da COPASA - MG
Expositores: Thiago Guedes (UFMG), Sonaly Cristina Rezende Borges de Lima (UFMG)
Resumo: Desde a sua criação, em 1974, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais pautou suas ações no cumprimento das metas estabelecidas no âmbito do PLANASA, para legitimar o projeto de desenvolvimento do regime burocráticoautoritário dos governos militares. A Empresa orientou-se a partir de uma lógica empresarial e priorizou a expansão significativa do abastecimento de água nos maiores núcleos urbanos, com o objetivo de recuperar rapidamente o capital investido e viabilizar, no longo prazo, o atendimento de áreas carentes. Por esse motivo, os convênios estabelecidos por ela historicamente privilegiavam as cidades de médio e grande porte, com população superior a 50000 habitantes. Nas demais, onde havia interesse político ou perspectivas de ganhos futuros, os investimentos eram custeados por subsídios cruzados. Entretanto, as localidades pouco populosas nem sempre recebiam o apoio solicitado, pois eram, em sua maioria, deficitárias e economicamente inviáveis. A abertura do capital da Empresa, em 2005, aprofundou sua vocação privada e a necessidade de produção de lucro, para o pagamento de dividendos aos acionistas. A partir de então, o seu caráter público e o papel social desempenhado por ela ficaram em segundo plano, na medida em que os investimentos são agora fortemente baseados critérios mercantis. Até que ponto essa situação pode prejudicar a universalização do acesso à água? Cabe, pois, a essa sessão livre, discutir se a privatização indireta da COPASA foi realmente benéfica para a população que mais precisa dos serviços por ela prestados, sobretudo nas áreas rurais e regiões onde sua atuação era mais deficitária.
Exposição: Leitura Crítica das Políticas de Água para o Semiárido: das intervenções hidráulicas à gestão participativa
Expositor: Cidoval Morais de Sousa (UFPB)
Resumo: O propósito desta intervenção é fazer um balanço crítico das Políticas Públicas de Água para o Semiárido Brasileiro. Passa-se em revista os dois grandes paradigmas que tem orientado as leituras de tais políticas no contexto das ciências sociais – a perspectiva do enfrentamento das secas, que tem no enfoque hidráulico sua principal marca, com decisões governamentais de caráter unilateral e, não raro, para atender interesses pontuais, particulares ou setoriais, quer seja na construção de barragens, em projetos de irrigação, perfuração de poços ou construção de adutoras; e a perspectiva da convivência, que sinaliza para um modelo de desenvolvimento cuja finalidade é a melhoria das condições de vida e a promoção da cidadania, por meio de iniciativas socioeconômicas e tecnológicas ambientalmente apropriadas, dentre as quais se inclui o Programa 1 Milhão de Cisternas. As políticas, nesse contexto, diferentemente do modelo anterior, têm como característica forte a participação e como finalidade “a harmonização entre a justiça social, a prudência ecológica, a eficiência econômica e a cidadania política”. Entretanto, considerando que a primeira perspectiva encontra-se já superada pela crítica, a avaliação que se faz das práticas sociais, políticas, ambientais e culturais, relacionadas à convivência com o Semiárido, tomando como referências as políticas de água, é que elas têm reproduzido, em grande medida, o que, semanticamente, o termo (convivência) significa: acomodação, adequação, ajustes, conformação, alinhamento, e silenciado sobre a dimensão estrutural dos problemas que afligem a região. Cabe perguntar, portanto, que contribuição a Ciência tem oferecido para interpretar essa realidade?
Exposição: A urgência de adaptar os sistemas urbanos e a ironia da crise hídrica: desperdício do poder público e cobrança à sociedade por um uso mais raciona
Expositora: Laura Machado de Mello Bueno (PUC-Campinas)
Resumo: A pesquisa apresentada tem como objeto o espaço territorial comprometido com o abastecimento da população urbana e das atividades privadas urbanas e rurais das metrópoles paulistana e campineira. A segurança hídrica foi colocada em cheque na crise hídrica em andamento, que trouxe risco e incerteza - quantitativamente e qualitativamente - ao abastecimento as estruturas de gestão – empresas públicas estaduais e municipais, com alguma regulação por comitês, agências e planos municipais de saneamento e recursos hídricos. A injustiça ambiental se concretizou através dos ônus e restrições ao acesso à água tratada por diferentes grupos sociais – a depender de sua localização territorial em relação aos sistemas técnicos. A resposta oficial nos níveis federal, estadual e local, no caso de Campinas– mais recursos para mais grandes obras – contrasta com as cada vez mais abrangentes denúncias de corrupção e leniência na manipulação do escopo e valor de obras públicas. As bacias hidrográficas de nascentes, rios e reservatórios de água – commons – continuam sendo tratadas apenas através de normas de uso e ocupação do solo privado. Por outro lado, ao estudarmos os problemas das águas no espaço intraurbano em microbacias da região, verifica-se que os problemas mais complexos, envolvendo desafios não considerados na política setorial – idealizada e autoritária. As soluções devem ser processuais, integradas e multifocais. Envolvem os sistemas de gestão do saneamento e a proteção de mananciais, mas também adaptações no espaço urbano e nas instalações prediais inclusive do grande parque edificado através de processos irregulares, precários ou não.
Exposição: Água para consumo humano no contexto de mudanças globais: reflexões a partir das crises envolvendo a Bacia Paraíba do Sul e as metrópoles de São Paulo e Rio de Janeiro
Expositora: Rosa Maria Formiga Johnsson (UERJ)
Resumo: A partir da problemática atual da Bacia do rio Paraíba do Sul, esta apresentação visa discutir a questão da disponibilidade hídrica no contexto do abastecimento público de metrópoles e das mudanças ambientais globais. A crise de água na bacia do rio Paraíba do Sul ao longo de 2014, que ainda persiste, foi deflagrada pela combinação da pior estiagem de 84 anos de registro histórico com uma operação dos reservatórios demasiadamente orientada para geração de energia elétrica. Ao mesmo tempo, instalou-se um conflito federativo entre os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, envolvendo também a ANA e comitês das bacias, com a proposta paulista de transposição das águas da Bacia Paraíba do Sul para o Sistema Cantareira. Estas crises têm suscitado uma série de questionamentos acerca da segurança hídrica das populações abastecidas pelos rios Paraíba do Sul e Guandu, envolvendo o enfrentamento dos seguintes problemas: a vulnerabilidade de vários sistemas de abastecimento público, em função sobretudo da precariedade de seus sistemas de captação, portanto pouco adaptados à intensificação de eventos extremos; a necessidade de aperfeiçoamento das regras de operação dos reservatórios da Bacia Paraíba do Sul, de modo a privilegiar o uso múltiplo em detrimento da geração de energia; a necessidade de privilegiar a gestão da demanda junto aos usuários de água, inclusive com redução de perdas e uso racional da água nos serviços de saneamento básico; a necessidade de proteger e recuperar a qualidade ambiental da Bacia Paraíba do Sul, de modo a garantir a produção de água.
Exposição: Conflitos entre uso industrial e residencial da água na Baixada Fluminense – RJ
Expositoras: Suyá Quintslr (UFRJ), Antonella Maiello (UFRJ), Ana Lucia Britto (UFRJ)
Resumo: A preocupação com a água passou a ocupar maior espaço no debate público desde que ficou evidente a crise hídrica em algumas das principais Regiões Metropolitanas do país. Neste trabalho, busca-se abordar os conflitos entre os usos industrial e residencial das águas na RMRJ, os quais devem acirrar-se com o aumento dos investimentos decorrentes do Arco Metropolitano. Segundo a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Queimados e Seropédica estão entre os municípios que mais se beneficiarão com a obra. Além destes, a Companhia de Desenvolvimento Industrial está realizando um levantamento dos terrenos disponíveis em Nova Iguaçu e Duque de Caxias – também localizados na Baixada Fluminense, região periférica com problemas históricos de abastecimento (Valor, 2014). Através de pesquisa de campo e entrevistas com lideranças e gestores públicos, foram identificados diversos conflitos entre uso industrial e residencial da água. Dois deles, entretanto, são exemplares dos conflitos relacionados ao uso da água dos sistemas de abastecimento da região, sendo aqui tratados em maior profundidade quanto aos interesses em disputa, atores envolvidos e estratégias adotadas por moradores e empresas. O primeiro, em Queimados, ocorre pelo uso da água aduzida de Ribeirão das Lages para o município, que atende prioritariamente o distrito industrial, ainda que técnicos da CEDAE reconheçam a impossibilidade de abastecer diversos bairros com a água disponível. O segundo, em Duque de Caxias, ocorre entre o uso pela população e por uma refinaria de petróleo, a qual tem sua adutora de água violada pelos moradores sem acesso à água na região.