SL47 Ação participativa, pedagogia urbana e formação do lugar.

  • Antonio Busnardo Filho
  • Catharina P. C. dos Santos Lima
  • Caio Boucinhas
  • Sylvia Adriana Dobry-Pronsato
  • Wilis Miyasaka
  • Débora Sanches
Palavras-chave: ação participativa, pedagogia urbana, formação do lugar

Resumo

SL-47. Ação participativa, pedagogia urbana e formação do lugar.

Coordenador: Antonio Busnardo Filho (Universidade de Guarulhos)

Resumo:

A proposta a ser discutida nesta Sessão Livre tem como objetivo a discussão da ação participativa, no que tange à intermediação popular nas decisões do Poder Público, a pedagogia – aqui denominada urbana, por se considerar o espaço da cidade como um espaço formador – nas suas dimensões de prática educacional, mas acima de tudo na sua dimensão de formação do indivíduo, enquanto ator social, com suas devidas responsabilidades, remetendo ao sentido de Paidéia. Portanto, considerando a participação da população, nas questões urbanas, e a vivência advinda desta participação como fontes de formação do Ser e do ser urbano, já que o homem contemporâneo tem como espaço para suas experiências, a cidade. Assim, podemos considerar os processos participativos como processos de arte, na produção dos lugares, (no sentido que Beuys imprime ao conceito ampliado de arte), procurando nos interstícios da relação de poder, possibilidades para, entre as administrações e a dimensão afetiva dos moradores, definir propostas de novas, ou outras, metodologias de intervenções urbanas. Considerando-se a convergência entre o poder administrativo e a afetividade dos moradores, na leitura contextualizada dos espaços urbanos estudados, é possível compreender a complexidade, a variabilidade e a diversidade de uma gestão aberta à participação da sociedade, permitindo aflorar o imaginário dos moradores como base de fortalecimento do sentido de pertencimento ao lugar. Isto possibilitará perceber a cidade como espaço de todos e direito de todos os seus cidadãos e, como tal, demonstra o dever de todos para a concepção e preservação dos espaços públicos, enquanto lugares de convivência e de construção do conhecimento – entendido não somente como uma apropriação intelectual, mas como uma relação entre objeto conhecido e sujeito cognoscente, quase que uma gnoseologia do lugar, que em sentido amplo, permite o estudo de todas as formas de conhecimento, inclusive o estudo do imaginário social. Neste sentido, espaço urbano, imaginário social e conhecimento constroem, definem ou revelam o genius loci, que dará autenticidade ao lugar.

A insurgência do imaginário social e revelando o local, e o reconhecimento do espírito do local permitem que a população se valha dos seus direitos e tomem a dimensão prática da ação participativa para definir, por referendos populares, as melhores decisões para a área de suas moradias, acabando com a impressão e manipulação popular pelo Poder, por meio de uma pseudoparticipação; fazendo com que as audiências públicas não sejam mera mise-em-scène. A análise da fala do Poder ficará mais próxima à realidade dos cidadãos, demonstrando as fragilidades do jogo político, facilmente percebido em Portugal, quando Nuno Portas, após a Revolução dos Cravos, 25 de abril de 1974, propôs a nova politica de habitação e urbanismo, atribuindo responsabilidade participativa aos moradores, às brigadas técnicas e aos funcionários públicos. Os princípios orientadores era a articulação entre os moradores para a resolução de suas necessidades, o que lhes dava direito à cidade e à habitação, que apoiados pelas brigadas técnicas chegaram ou desenvolveram formas de autogestão e autoconstrução, desenvolvendo o sentimento de pertencimento, base para a formação de cooperativas habitacionais.

Os resultados práticos das ações participativas da população resultam em melhorias para os bairros periféricos das grandes cidades, principalmente; porque são os locais mais esquecidos pelo poder público, fora dos períodos eleitorais. Nestes locais, a percepção das necessidades de melhorias urbanas transcendem os projetos políticos e se ancoram em necessidades reais da população, que por um sentido extremado de pertencimento permitem o afloramento das dimensões afetivas e do sentido de posse – não somente do terreno público, da parte parcelada do solo urbano -, de todo o local, de todo o bairro, chamando-o de “meu”. O pronome possessivo dá força ao sentido de pertencimento e demonstra que quem mora naquele local, morará sempre ali. Aquele local é o seu mundo. Neste local, então, as forças dos sentidos estabelecerão as preocupações e definirão as narrativas, que não serão mais somente as narrativas das relações de poder estabelecido, mas as narrativas das histórias de vida dos moradores, daqueles que constroem um lugar, muitas vezes com atitudes desbravadoras. Estes moradores saem de um cotidiano rotineiro e banal, desencantado, para o reencantamento desta banalidade, como descoberta de novas possibilidades de vivências, como um reencantamento do mundo. Este reencantamento de mundo gera o sentido de refúgio, de proteção e permite o aconchego; desta forma as periferias adquirem uma realidade maior que os centros, muitas vezes, decadentes e abandonados – consequentemente, vazios - das cidades, estabelecendo-se como regiões autônomas que vivem as suas realidades independentemente da realidade da cidade administrativa. São como “pequenas cidades” que compõem o aglomerado urbano das metrópoles contemporâneas. Criam seus espaços de lazer, de esporte e de cultura e buscam a regularização. Não esperam mais os projetos públicos e nem a vontade do poder estabelecido, valem-se de suas necessidades latentes e desenvolvem suas propostas e por último, recorrem aos profissionais competentes. Criam seus espaços de socialidades, e contam as histórias míticas desses lugares como formas de pregnâncias espaciais, somente para pensar conforme Maffesoli, num processo de criação cultural e de representações simbólicas. São criados, valorizados os recantos e as reentrâncias urbanas e retóricas que o planejamento convencional/funcional combate. As ruas são ainda locais de encontro e trocas sociais, as praças são áreas de convivências, as mais diversas possíveis. A periferia se estrutura por meio de uma vontade popular e pela necessidade de habitar, e seus moradores já não têm mais tanta vontade de morar na “cidade”, porque a identificação cultural e política com o local se intensifica cotidianamente, na resolução de problemas. Com a formação da identidade do local, do desvelamento do espírito local, da constituição de um imaginário próprio, a periferia tem encontrado maneiras coletivas de gerar suas questões, antes mesmo de qualquer intervenção do poder público, demonstrando a agilidade de resoluções não burocráticas, que, numa pesquisa metodológica, pode servir de paradigma para as resoluções de problemas das áreas centrais. As periferias não podem mais ser pensadas como locais desprovidos de capacidade de resolução, nas periferias encontra-se a solidariedade que a cidade perdeu, o sentido de comunidade – em que um e todos se representam mutuamente e se defendem mutuamente. O medo que persiste nos centros urbanos, o medo moderno que institui o cuidado e a vigilância, que faz com que os semelhantes sejam cada vez mais considerados como desiguais, está longe das periferias. Isto não quer dizer que o medo não exista, só que ele não distancia os moradores; aproxima-os, num sentido de proteção.

Os moradores da periferia se organizam e constroem comunitariamente a “sua cidade” apropriando-se do espaço urbano, dando-lhe a forma que corresponda às possibilidades da comunidade, ritualizando a construção deste espaço por meio de festas comemorativas, de enchimento de lajes, por exemplo – o trabalho é comunitário, e o congraçamento também. Imperceptivelmente, as dimensões simbólicas se sobrepõem às duras práticas cotidianas e sacralizam o espaço periférico da cidade, unindo as heterogeneidades dos indivíduos para a construção do refúgio familiar – pelo rito as diferenças se complementam. E as ações participativas tornamse cada vez mais práticas educativas que instituem o local.

Exposição: Prática participativa como prática pedagógica

Expositora: Catharina P. C. dos Santos Lima (USP)

Resumo: A mobilização de setores populares por espaços livres públicos que atendam as necessidades de lazer, recreação, esporte e convivência, tem se tornado uma prática cada vez mais comum nas periferias metropolitanas, ampliando o leque de reivindicações usualmente circunscrito às necessidades básicas de moradia e saúde. Em Pirituba, setor noroeste periférico paulistano, movimentos sociais e escolas públicas têm somado esforços a universidades para o desenvolvimento de planos e projetos urbanos participativos, na perspectiva político-pedagógica de um processo de construção de conhecimento. O parque Pinheirinho d’Água, na região, é resultante de uma parceria de 12 anos entre escolas públicas, movimentos sociais, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente e a Secretaria municipal de Educação, entre outros atores. Propõe-se aqui uma reflexão crítica em torno das potencialidades e limitações que esse rico processo tem evidenciado, no intuito de contribuir para uma discussão mais ampla das questões que envolvem a construção de projetos de espaços livres públicos com participação da população.

Exposição: Participação, gestão das cidades e ensino de arquitetura e urbanismo

Expositor: Caio Boucinhas (Centro Universitário FIAM-FAAM)

Resumo: Esta comunicação trata de experiências pedagógicas no ensino do urbanismo voltado as periferias paulistanas, que tem nos levado a uma reflexão sobre processos participativos no desenvolvimento de projetos de arquitetura, urbanismo e paisagismo como possibilidade de fortalecer as novas instâncias de gestão democrática das cidades. Ruas, praças, parques, escolas, escadarias, vielas, centros esportivos e culturais, e as áreas de proteção ambiental — públicas ou privadas, mas de interesse coletivo, pois asseguram, muitas vezes, a proteção dos mananciais de água e a qualidade do ar — compõem uma rede de espaços públicos que qualificam a vida na cidade e podem acolher ou segregar os moradores. Os contextos urbanos onde esses espaços se inserem apresentam diversidade, complexidade e variabilidade que deveriam ser apreendidas profundamente, entendendo que um projeto aberto à participação da sociedade pode oferecer ao imaginário dos moradores apoio aos seus sonhos e desejos, fortalecendo as relações de pertencimento com seus lugares de vida. Como hoje os principais movimentos sociais atuam por meio de redes locais, regionais, nacionais e internacionais e utilizam-se de novos meios de comunicação e
informação, como, por exemplo, a Internet, acredita se que esses pequenos movimentos distribuídos pela cidade tem a potencialidade de formar uma rede de organizações democráticas que atuem no espaço público, possibilitando procurar soluções que contribuam à reverter a situação de violência e pobreza: uma rede de resistência à desintegração sócio-espacial nas periferias de São Paulo.

Exposição: Criação participativa e insurgências no processo de projeto de arquitetura e urbanismo

Expositores: Sylvia Adriana Dobry-Pronsato (Centro Universitário FIAM-FAAM), Antonio Busnardo Filho (Universidade de Guarulhos)

Resumo: Esta comunicação discute o que é projeto participativo e qual seu peso na intervenção urbanística e arquitetônica, como processo e também como arte. A produção de lugares e paisagens entendidas como produto e, ao mesmo tempo, processo da ação dos homens, portanto atividade criadora se insere na contradição arte - mercadoria, valor de uso - valor de troca, como todo produto no sistema capitalista de produção. Procura-se encontrar brechas para superar essa contradição e definir as características de um processo participativo de intervenção urbanística que contribua para abrir possibilidades de mudanças sociais, desejáveis e necessárias. Os casos analisados, que relacionaram poder público, comunidades, universidades e ambiente, permitiram perceber que o processo de projeto participativo, quando permeado de afeto pelo lugar, é ligado às lutas pelos direitos de cidadania, contribuindo, muitas vezes a partir da resistência e da insurgência com um desenvolvimento urbano que priorize o sentido de pertencimento. O estudo de experiências consideradas pioneiras permitiu a formulação de uma articulação entre uma prática pedagógica interativa e dinâmica com a prática de arquitetos urbanistas, também dialógica e interativa. Entre a educação com objetivo participativo a intenção de intervenção urbanística participativa existe uma convergência fundada em objetivos comuns: a busca de metodologias que permitam a inserção nos lugares de vida, para desenvolver a criatividade; o imaginário cognitivo e a discussão democrática, com o objetivo de se apropriar dos lugares de vida, construindo um sentido de pertencimento em um processo de caráter participativo que se entretece com a construção de cidadania.

Exposição: Participação popular e poder

Expositor: Wilis Miyasaka (Centro Universitário Belas Artes de São Paulo)

Resumo: Este texto trata de projetos participativos no Córrego Tremembé, Zona Norte do município de São Paulo e suas interfaces com o Poder, segundo a óptica de Foucault e está baseado nas Audiências Públicas promovidas pela Prefeitura. Nessas Audiências, foi apresentado o projeto de controle de inundações no Córrego, como exigência legal e buscar o referendo popular sobre aquilo que já está decidido. Não há espaço para alterações, retirada ou inclusão de outros projetos, entretanto, a população fica com a impressão que tem participação nas decisões do Poder. Concordando com a visão de Foucault, de que o poder se mantém e é aceito porque ele não tem só o peso da força que diz não: ele permeia, constrói coisas, saberes, discursos, etc. Porem, quando existe uma relação de poder, há também uma possibilidade de resistência. Contudo, a capacidade de se insurgir, de se rebelar e/ou resistir, que são elementos inerentes à própria definição de poder, depende de um nível de organização, esclarecimento e preparo da população para participar dessas Audiências, evitando que seja mera mise-en-scène. Nesse sentido, considera se o poder como uma relação de forças ou, dito de outra forma, toda relação de força constitui uma relação de poder. Pretende-se assim, a partir de análise, reflexão e elaboração de alternativa ao projeto elaborado pela Prefeitura, contribuir para uma melhor correlação de forças entre a comunidade e o Poder.

Exposição: Processo SAAL: processos participativos de projeto com acesso ao direito à cidade e a habitação em Portugal

Expositora: Débora Sanches (Centro Universitário Belas Artes de São Paulo)

Resumo: Este resumo apresenta o Processo SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), criado na transição democrática, após a deposição do regime autoritário do Estado Novo em Portugal, a partir da revolução de 25 de abril de 1974. O então nomeado Secretario de Estado arquiteto Nuno Portas cria a Nova Política de Habitação e Urbanismo, com diversas ações, entre elas o SAAL. Programa de Estado, com responsabilidade tripartida entre – moradores, brigadas técnicas e funcionários públicos – com dinâmica própria, chamadas também de operações SAAL. Os princípios orientadores são pautados na articulação dos moradores organizados para a busca das necessidades e por soluções, com caráter prioritário para concretizar o direito à habitação e a cidade com apoio das brigadas técnicas (equipe multidisciplinar liderada por arquiteto) em forma de autogestão e autoconstrução assistida no projeto e obra, sendo o Estado agente financiador. Segundo Lauwe (1960) a participação direta dos moradores em todo o Processo promove a apropriação e o sentimento de pertencimento. A metodologia SAAL foi desenhada com experiências diversas, de muitos países – entre os quais o Brasil – com a urbanização da favela Brás Pina (Rio de Janeiro) no final dos anos 1960 com o arquiteto Carlos Nelson F. dos Santos. A experiência do SAAL (1974-1976) foi incorporada no momento de mudança da política pública, desencadeando processo de planejamento integrado de projetos de habitação, infraestrutura e gestão urbana. O legado são as cooperativas habitacionais que tiveram larga produção com qualidade entre os anos de 1970 e 2000 naquele país.

Publicado
2019-05-21
Seção
Sessão Livre