SL45 Visões de mundo a partir do olhar de Ana Clara Torres Ribeiro
Resumo
SL-45. Visões de mundo a partir do olhar de Ana Clara Torres Ribeiro
Coordenador: Manoel Lemes da Silva Neto (PUC-Campinas)
Resumo:
A proposta desta Sessão Livre é tornar presente interlocuções possíveis entre o pensamento de Ana Clara Torres Ribeiro e a temática do XVI ENANPUR – espaço, planejamento e insurgências: alternativas contemporâneas para o desenvolvimento urbano e regional.
Ana Clara ocupa um lugar pioneiro e descortinador de perspectivas libertárias. Sem dúvida, foi vanguarda entre os intelectuais latino-americanos envolvidos na formulação da teoria social voltada à interpretação dos movimentos insurgentes, e consequentemente, na busca de alternativas políticas fundadas na prática social e no humanismo concreto.
A intenção é apresentar um conjunto de exposições-diálogos para fincar um espaço dedicado a discutir e levar adiante as direções apontadas pelo trabalho de Ana Clara. Com isso, oferecer reflexões convergentes sobre as perspectivas analíticas que ela entreabriu e as problematizações suscitadas pela temática deste Encontro. A escolha desse formato deriva de pensamentos originalmente lavrados por ela, em interlocução com diversos autores das ciências humanas.
A ação social é chave analítica constante em sua obra. Deriva daí, a “sociologia do presente” e a criação de conceitos que elucidam problematizações centrais para a compreensão do mundo contemporâneo, tais como o agravamento da crise societária e a necessária ampliação da participação popular. Com um projeto científico comprometido às urgências sociais, Ana Clara contribui decisivamente na explicação de processos econômicos, político-culturais e ideológicos responsáveis pela fragilidade dos elos entre a gestão urbana e a experiência popular. Quanto ao método, seus ensinamentos prosseguem no trabalho de alunos e orientandos.
A lida acadêmica da professora abriu amplas possibilidades de articulação de métodos e técnicas de pesquisa entre campos disciplinares. A coerência interna de argumentos e proposições deve-se a “nortes reflexivos” constantemente direcionados para a redução de mecanismos responsáveis pela exclusão em suas muitas manifestações. Reconhecer e desenvolver metodologias capazes de articular anseios, desejos e projetos de indivíduos que tecem a cotidianidade do circuito inferior da economia urbana propiciam muitas possibilidades de definição de objetos de estudo.
As injunções teórico-metodológicas produzidas por Ana Clara são fundamentais para a interpretação do fenômeno espacial no presente. A pertinência analítica de elementos por ela abordados desde os anos 1990, como cultura, comunicação, base institucional e controle territorial, foi essencial para que a teoria espacial produzida no Brasil atingisse o plano reflexivo que atualmente a distingue internacionalmente.
Nos “conceitos-projeto” presentes na obra de Ana Clara Torres Ribeiro, observa-se afinidades teóricas fundamentais, como a interlocução com Milton Santos a respeito de inter-relações espaço, território, prática social e política. Abordagem notável e original do fenômeno espacial sob a ótica da teoria social crítica, em especial sobre as cidades. Por exemplo: as de lugar e saber, como ideias-conceito e ideias-projeto, que iluminam perspectivas libertárias. O conceito-projeto, a ideia que, em se definindo, define também a ação política como possibilidade concreta de transformação, enquanto projeto, resistência e contra-racionalidade.
O pensamento de Ana Clara é muito rico. Percorre diversas províncias disciplinares. Adentra no campo da ação social e cotidiano de afazeres banais. Explora associações que especulam as artes, a filosofia e a história. Ilumina análises nas dimensões da cidade, das regiões e dos territórios.
A natureza de sua obra é supradisciplinar à medida que propõe situar as relações entre prática social e fenômeno territorial no patamar da existência. Isto é, no patamar do homem e de suas circunstâncias, um patamar de valores. Um patamar de projetos para o futuro da sociedade, o que ultrapassa cada uma das disciplinas. O perpassar de um saber disciplinar num outro ocorre no modo como se elegem os temas, mas especialmente por meio das visões de mundo. O método de construção de teorias e conceitos decorre tanto de suas atividades puramente intelectuais quanto de sua militância junto aos movimentos sociais, especialmente o Movimento Nacional pela Reforma Urbana.
Na obra da autora, as aproximações analíticas e apropriações conceituais a partir da leitura do espaço e da cidade juntam um leque de autores que contribuem para a reflexão sobre as formas de dominação e, ao mesmo tempo, a análise sobre as formas de resistências e de insurgências.
A “Declaração de Buenos Aires”, texto produzido em 2008 na VIII Reunião do Grupo de Trabalho Desenvolvimento Urbano do Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais (CLACSO) e subscrito por 28 pesquisadores da Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador e Uruguai, traduz a articulação de seu ponto de vista com o pensamento crítico latino-americano.
O documento valoriza as seguintes orientações para a produção do conhecimento sobre o urbano: o resgate da historicidade e singularidade das formações sociais latino-americanas; a linguagem transdisciplinar, as racionalidades alternativas, a leitura ativa e dialógica da questão urbana; a simultaneidade dos movimentos de involução e evolução das cidades; a inclusão de outros saberes e a valorização de contextos e lugares; a resistência à reprodução acrítica de paradigmas e modelos, superando o economicismo e a tecnocracia, tendo como guia uma reflexão moral e ética da experiência urbana.
Sistematizada na coleção “Por uma sociologia do presente: ação, técnica e espaço” (2013) e no livro “Teorias da ação” (2014), a sua obra é referência obrigatória no estudo do instrumentalismo que ronda a explicação científica dos fenômenos sociais. Assim, é vital que seu projeto continue sendo socialmente produzido nos âmbitos da academia e da ação política. Para isso serão necessários muito empenho intelectual e muito diálogo interdisciplinar.
Nessa trilha de ideias, as exposições desta Sessão Livre exploram abordagens criadas sob condições originariamente propostas pela autora. A perspectiva, portanto, é produzir exposições-diálogos emulados em tal projeto científico, nas suas muitas noções instigantes.
As “propostas libertárias para esses dias tumultuados” na teoria social crítica de Ana Clara Torres Ribeiro são horizontes epistemológicos que contribuem para decifrar o contexto atual e refletir sobre o futuro do fazer científico e do humanismo concreto. Abrem-se muitas entradas para dar conta dos enfoques particulares das exposições. Ao mesmo tempo definidas a ponto de produzir convergências, de atribuir coerência interna entre apropriações disciplinares de conceitos fulcrais.
Desse modo, os temas a serem abordados nesta Sessão Livre, sob prismas particulares, pretendem contribuir na discussão de alternativas contemporâneas para o desenvolvimento urbano e regional no contexto de múltiplas insurgências. Traduz o reconhecimento de sua contribuição inestimável à produção da teoria social crítica brasileira e latino-americana, reunindo cinco pesquisadores que se propõem a debater suas ideias: Carmen Beatriz Silveira (FIOCRUZ) – A reflexão sobre a cidade: crítica aos modelos e a ideia de “cidade justa”; Catia Antonia da Silva (UERJ) – Em busca de nova epistemologia dialógica na produção da ciência sensível; Manoel Lemes da Silva Neto (PUC-Campinas) – Pistas de projeto na era do humanismo concreto; Mónica Arroyo (USP) – Elementos da teoria crítica do espaço para um diálogo interdisciplinar renovado; Paola Berenstein Jacques (UFBA) – Relações entre sujeito corporificado e corpografia urbana.
Exposição: A reflexão sobre a cidade: crítica aos modelos e a ideia de “cidade justa”
Expositora: Carmen Beatriz Silveira (Fiocruz)
Resumo: Pretende-se expor alguns aspectos do legado de Ana Clara Torres Ribeiro no contexto dos debates contemporâneos sobre cidades saudáveis. Esta proposta inspira-se na sua reflexão, como palestrante no Seminário Cidades Saudáveis: perspectivas e desafios (FIOCRUZ, nov. 2010). A sua crítica perspicaz revela a ingenuidade das análises que enfatizam os modelos de cidade e os diagnósticos padronizados, os quais dificultam a compreensão dos diferentes lugares com suas especificidades. Desse modo, evidencia a necessidade de inclusão do debate mais abrangente sobre sociedade e território, com a inserção da temática da cidadania, da democracia e da construção de sujeitos. Ao afirmar que os “direitos precisam ser conectados à materialidade urbana”, expõe a necessidade da valorização do sujeito corporificado e enfatiza que “o corpo – incluindo a sua força reprodutiva e mobilidade – configura um norte da pauta humanística, por sustentar nexos entre direitos urbanos e direitos humanos”. A complexidade dessas ideias se acentua quando expressa a importância dos “vínculos entre o corpo individual e o corpo coletivo constituído pelo espaço urbano, pela cidade”. Nessa abordagem, aciona as teorias do envolvimento sob a perspectiva da construção de novos prismas analíticos. Na crítica à vida urbana contemporânea, explicita que as contradições entre as diversas práticas espaciais podem ser percebidas em ações culturais e criativas, com potencialidades transformadoras. Finalmente, consolida ideias-síntese sobre uma proposta de cidade justa, contraposta à concepção de cidade saudável. Trata-se de um pensamento direcionado aos direitos urbanos e à teoria socialmente necessária, dimensões essenciais na construção da cidadania.
Exposição: Em busca de nova epistemologia dialógica na produção da ciência sensível
Expositora: Catia Antonia da Silva (UERJ)
Resumo: É importante fazer um encontro com o pensamento de Ana Clara Torres Ribeiro, sobretudo no que diz respeito à consolidação de uma episteme dialógica, sensível e criativa, proposta pela socióloga. Tal episteme vem sendo experimentada em projetos acadêmicos e em práticas pedagógicas e de pesquisa social que buscam ter um olhar sensível para o outro. Este gesto de valorização do Outro, não apenas era experimentado no cotidiano da referida professora, como constituía parte significativa de sua proposta de teórico-metodológica. Com base em um diálogo construído por Ana Clara com Milton Santos, Jean-Paul Sartre, Henri Lefébvre, Michel de Certeau, entre outros autores, buscamos nesta proposta dialogar sobre o reconhecimento da importância desta pesquisadora, no desenvolvimento de uma base teóricometodológica que tem se mostrado bastante fértil à formação e à prática docente, na geografia, no urbanismo, na sociologia e no planejamento urbano. Trata-se de uma busca por consolidar ferramentas fundamentais à elaboração de projetos voltados ao desvendamento de relações sociedade-espaço conduzidas por racionalidades alternativas. Em suas aulas e palestras, Ana Clara ressaltava a necessidade de se consolidar uma nova episteme para o reconhecimento da complexidade e diversidade da vida urbana atual; não somente pelo fato da ordem hegemônica não ser uma ordem total, mas também pela limitação do modelo mecanicista de leitura da sociedade. Dizia ainda da necessidade de se ter uma imaginação analítica mais ampla, no que diz respeito a teorias e métodos, para a realização de uma reflexão crítica e consistente sobre as alternativas existentes à racionalidade dominante.
Exposição: Pistas de projeto na era do humanismo concreto
Expositor: Manoel Lemes da Silva Neto (PUC-Campinas)
Resumo: Atualmente o reconhecimento de períodos históricos parece inclinar-se quanto a tudo o que se produziu antes. Continuidades, descontinuidades, continuidades, descontinuidades sucederam-se e sobrepuseram-se (ou coexistiram) em longas cadeias transformativas de relações do homem com a natureza, a sociedade, a política, a cultura. Mas nada se equipara ao momento histórico atual. A aceleração contemporânea e a existência de pré-condições históricas para a constituição do período demográfico são fenômenos rigorosamente inéditos. Prevista por Milton Santos, a globalização-possibilidade traz a insurgência do humanismo concreto e uma história universal verdadeiramente humana que “apenas começa”. Na disseminação desse plano científico, que é projeto social e ação política, a reflexão de Milton Santos e de Ana Clara Torres Ribeiro produz obras confluentes de um discurso fundamental e instaurador de possibilidades analíticas que, pela universalidade, extrapolam a geografia e a sociologia. Daí, a particularidade que interessa explorar. Diálogos possíveis entre a sociologia crítica de Ana Clara e o projeto: arquitetura e urbanismo a partir de articulações teóricas entre a arte, a história e a filosofia; disciplina, ação e o fazer concreto do projeto; o território usado/praticado como princípio integrador do planejamento e categoria essencial para elaboração do futuro; o projeto e as instâncias do “socialmente necessário”; substantivação de projetos e metodologias de projetos negociados; lugar e saber, nortes reflexivos. A esses pontos junte-se, como método, a ideia de projeto social comprometido com a radicalização da democracia.
Exposição: Elementos da teoria crítica do espaço para um diálogo interdisciplinar renovado
Expositora: Mónica Arroyo (USP)
Resumo: Encontramos na obra de Ana Clara Torres Ribeiro um convite permanente ao diálogo interdisciplinar. O trânsito de suas ideias e práticas por diferentes campos do saber assim o revela. E é nesse movimento inquieto que a socióloga fundamenta sua contribuição para a teoria crítica do espaço, com uma preocupação permanente de aliar a análise crítica a uma perspectiva propositiva que pense em outros futuros possíveis, em alternativas insurgentes. Buscamos nesta proposta revisitar seu diálogo com Milton Santos, com o intuito de refletir sobre o território usado, o território praticado, o mercado socialmente necessário e a centralidade popular. Isto nos conduz à superação teórico e política de análises do território que se restringiram a reconhecer os seus usos, sem articulá-los à práxis; uma práxis que implica projeto/transcendência, a procura de futuros alternativos. Nessa perspectiva está embutida uma visão renovada da própria política, e da economia. Pensar o mercado com base na experiência daqueles que conquistam a sobrevivência em ambientes hostis, antagônicos pode ser um dos caminhos para definir a centralidade popular, que exigiria propor inclusive outros padrões espaciais para discutir o planejamento urbano e regional. O envolvimento de Ana Clara com América Latina já desde os anos 60 mostra sua sensibilidade e compromisso em construir uma interpretação do mundo permeada com as especificidades históricas de nosso continente. Isto a leva a criticar os consensos impostos por uma racionalidade dominante, aquela dos impulsos globais, para resgatar e promover consensos ativos construídos sobre outras bases teóricas e políticas.
Exposição: Relações entre sujeito corporificado e corpografia urbana
Expositora: Paola Berenstein Jacques (UFBA)
Resumo: A ideia de sujeito corporificado, que às vezes é chamado por Ana Clara Torres Ribeiro de corpo-sujeito está diretamente relacionado a noção de homem lento, proposta por Milton Santos, e também parece dialogar com os praticantes ordinários da cidade e sobretudo com a ideia de tática desviacionista de Michel de Certeau. Esse conceito também se relaciona com outros trabalhados por Ana Clara, como microconjuntura urbana, espaço vivenciado e sistematicidade popular. Para a autora, essa conexão entre os conceitos indica um compromisso com uma busca de maior “incorporação” das ideias nas práticas. De forma distinta e mais modesta, mas quase complementar, buscamos tentar entender que não só os estudos do corpo influenciaram os estudos urbanos mas que corpo e cidade se configuram mutuamente e que, além dos corpos ficarem inscritos nas cidades, as cidades também ficam inscritas e configuram os nossos corpos. Passamos a chamar esse tipo de cartografia realizada pelo e no corpo de corpografia urbana, o registro de experiências corporais da cidade que ficam inscritas no corpo de quem as experimenta. Partimos da premissa de que corpo e cidade se relacionam, mesmo que involuntariamente, através da simples experiência urbana.
