SL43 Plano Diretor e ativismo social
Resumo
SL-43. Plano Diretor e ativismo social
Coordenador: Nabil Bonduki (USP)
Resumo:
Essa Sessão Livre objetiva debater as perspectivas da política urbana no Brasil, em especial as relacionadas com o processo de revisão dos planos diretores, a partir da conjuntura e da agenda criada pelo processo de mobilização que ganhou novos contornos relacionados com o ativismo social e com a ampla visibilidade gerada partir das grandes manifestações de junho de 2013.
Embora as chamadas jornadas de junho tenham marcado simbolicamente a emergência desse novo ativismo social relacionado com a agenda urbana brasileira, ele já estava presente no cenário político e urbano nacional desde o início do século XXI. Trata-se de um processo novo, que amplia e renova os horizontes e a pauta da reforma urbana e que introduz novos atores sociais.
Tradicionalmente, as lutas urbanas no Brasil estiveram marcadas pelos movimentos sociais que estiveram muito focados na luta pela terra, moradia e infraestrutura urbana. Originários, sobretudo, da organização gerada a partir das Comunidades Eclesiais de Base, criadas no Brasil pela Igreja Católica vinculada à Teologia da Libertação, que teve grande importância nas décadas de 1970 e 1980, os movimentos sociais reuniam basicamente os moradores das áreas periféricas das grandes cidades brasileiras, geralmente migrantes recentes que lutavam pelas condições básicas de vida, com ênfase na luta pelo acesso a terra e aos equipamentos e infraestrutura urbana.
Apoiados e assessorados por urbanistas e militantes de esquerda, ainda no âmbito da luta contra a ditadura, esses movimentos formaram – em conjunto com entidades profissionais e ONGs que abrigavam esses “intelectuais orgânicos” –, o núcleo principal que formulou a agenda da reforma urbana e lutou por sua implementação a partir da Constituinte de 1988.
A trajetória seguida por essa luta é conhecida, tendo alcançado parte significativa dos seus objetivos institucionais com a aprovação, ainda no governo FHC, do Estatuto da Cidade (2001) e com a criação, já no governo Lula, do Ministério das Cidades (2003), do Conselho das Cidades (2004) e dos marcos institucionais da habitação (2005), do saneamento (2007) e de resíduos sólidos (2010). No entanto, do ponto de vista prático, a implementação da reforma urbana dependia fundamentalmente dos planos diretores e das políticas urbana e habitacional, realizadas no âmbito dos municípios.
Os descaminhos trilhados pelo Ministério das Cidades e a correlação de forças políticas desfavoráveis nos municípios tornaram espinhoso o avanço dessa plataforma, ao mesmo tempo em que inúmeros dos atores políticos e sociais que formularam essa agenda envelheceram e, alguns, se perderam pelo caminho, desiludidos ou cooptados pelo pragmatismo.
Pesquisa realizada sobre o ciclo de planos diretores aprovados em quase dois mil municípios brasileiros no prazo estipulado pelo Estatuto da Cidade (2001-2006) mostrou que grande parte dos avanços esperados pelo Fórum Nacional da Reforma Urbana não se concretizaram. E, por outro lado, a implementação dos programas nacionais relacionados com o desenvolvimento urbano não conseguiu nos três últimos governos que, em tese, teriam compromissos com uma agenda urbana progressista, alterar substancialmente as características essenciais das cidades brasileiras, que continuam marcadas pela exclusão socioterritorial, reforço a mobilidade motorizada individual e especulação imobiliária, embora o acesso a serviços e bens tenha se ampliado enormemente.
Mais do que refletir sobre esse quadro, que mobiliza uma nova geração de ativistas, a Sessão Livre proposta busca debater as novas perspectivas de política urbana que estão presentes nas nossas cidades na atual década, em especial considerando os novos atores sociais que passaram a ter maior protagonismo e experiências recentes, como no caso do Plano Diretor de São Paulo, recentemente aprovado, que além de reforçar a agenda da reforma urbana, introduziu novos temas, em um ambiente de forte mobilização social.
Embora a agenda tradicional da reforma urbana continue sendo fundamental para as cidades, novas pautas e novos atores entraram em cena, em uma realidade urbana cambiante. Passado o intenso processo de migração campo-cidade que marcaram as cidades brasileiras na segunda metade do século XX, as ruas estão sendo tomadas por uma nova geração que já nasceu no meio urbano. São jovens se alfabetizaram e cursam ou cursaram o ensino médio das cidades e estão plenamente incluídos na era digital. Sem desconsiderar a agenda tradicional da terra e moradia, reivindicam uma nova agenda urbana e se organizam de uma forma mais horizontal e se articulam através da internet.
O debate e o ativismo social presentes no processo participativo realizado pela Câmara Municipal de São Paulo na implementação do Projeto de Lei do Plano Diretor revelou para além da pauta tradicional – que ainda foi a mais mobilizadora – uma agenda que incluem temas como o cicloativismo, a agricultura urbana, a cidadania cultural, a agroecologia, a defesa das comunidades tradicionais, a valorização do espaço público, necessidade de restrição ao uso do automóvel, entre outros temas que não são abordados pelo Estatuto da Cidade.
Esses novos atores situam-se em um amplo espectro social, incluindo desde jovens oriundos de famílias pobres e excluídas até membros de classe média que, como ativistas sociais, reivindicam um novo modo de vida urbana, menos privatista e consumista. O impacto dessa nova geração de sujeitos políticos urbanos poderá ser significativa nos debate sobre o futuro das cidades, que se concretizam nos planos diretores, desde que sejam abertos canais de participação que garantam novas metodologias que dialoguem com as mídias digitais.
Por outro lado, a experiência permite refletir sobre a necessidade de agenda urbana nacional ser renovada pela inclusão de novos paradigmas o que exige não apenas uma revisão dos marcos legais como uma nova forma de enfrentar as realidade das cidades brasileiras.
A Sessão Livre proposta espera aprofundar esse debate tendo como foco o Plano Diretor de São Paulo, relatado pelo seu coordenador, mas incluindo ainda debatedores externos que possam trazer um quadro comparativo com outras realidades urbanas brasileiras. A inclusão de uma liderança de um movimento social com ampla participação desse processo é essencial para garantir maior diversidade de olhares e perspectivas.
Infelizmente, por razões de financiamento, não foi possível incluir outros atores externos à Universidade nessa mesa, como seria nossa intenção. No entanto, talvez isso possa ser minimizado pela presença de ativistas de Belo Horizonte que eventualmente possam estar participando do evento.
Exposição: Ativismo social e a nova agenda urbana no Plano Diretor
Expositor: Nabil Bonduki (USP)
Resumo: Em junho de 2013, quando o Plano Diretor de São Paulo estava em elaboração, as ruas foram tomadas pelo maior movimento de massa que ocorreu no século XXI no Brasil. Aparentemente, a mobilização popular nada tinha a ver com o plano diretor e, de fato, não se falou desse assunto naquele mês. No entanto, a partir de setembro de 2013, quando o Projeto de Lei do Plano Diretor chegou à Câmara Municipal, o processo de mobilização da sociedade, articulado com a construção do texto substitutivo pela relatoria foi decisivo apenas para a conquista de avanços na agenda da reforma urbana como para a introdução de novas pautas. Após nove meses de debates, elaboração técnica e pactuação no legislativo, o substitutivo foi aprovado em junho de 2014, em meio a uma intensa pressão dos movimentos sociais. É indiscutível que os desdobramentos das jornadas de junho, marcados pelos seus impactos na política municipal, pela intensa mobilização social e pela alteração da conjuntura na cidade na virada de 2013 para 2014 acabaram por interferir de maneira decisiva no conteúdo no Plano Diretor. A exposição deverá mostrar que antigas teses do movimento da reforma urbana (combate à especulação, função social da propriedade, ZEIS, solo criado) foram reforçadas e foram introduzidas novas pautas urbanas. Deverá ser analisar a conjuntura política em que esse processo se deu, seu impacto sobre a política urbana e as possíveis repercussões nacionais desse processo, refletindo sobre a relação entre urbanismo e política.
Exposição: Ação corporativa na cidade: privando o planejamento do público?
Expositora: Ana Fernandes (UFBA)
Resumo: Uma das formas de caracterização da conjuntura urbana recente no Brasil pode ser feita pela associação e sincronia entre ativismos sociais de diversas ordens e a emergência de novos modos corporativos de atuação sobre a cidade, o que vem gerando tensionamento crescente da esfera da construção do direito à cidade. Instrumentos de planejamento urbano hoje já tradicionais, como o Plano Diretor, (re)construídos em longos e por vezes intensos processos de negociação social, se veem crescentemente acompanhados por novos instrumentos, a exemplo dos Procedimentos de Manifestação de Interesse (PMIs) e das Manifestações de Interesse Privado (MIPs), onde o setor privado passa a poder encampar, em sua esfera conceitual e propositiva, o próprio processo de planejamento, ainda que de forma bastante fragmentada. Atuando a montante do setor público, os espaços-alvo do interesse corporativo (como o próprio nome do instrumento designa) são definidos claramente, embora a dimensão de controle social seja ainda muito rarefeita do ponto de vista da sua regulação. Uma insatisfação pontual, setorial e muitas vezes difusa, no entanto, vem se expressando em movimentos de contraposição a essa forma imperial de atuação sobre a cidade. Trata-se, portanto, de explorar as interrelações entre esses instrumentos e seus modos de operação na definição das perspectivas para as cidades brasileiras, bem como de problematizar as instâncias de direito à cidade as quais eles interrogam. Salvador da Bahia será o lugar onde se empiricizam as questões levantadas.
Exposição: Direito a cidade e ativismo social
Expositora: Raquel Rolnik (USP)
Resumo: As cidades brasileiras foram tomadas nos últimos anos por um número crescente de manifestações pelo direito à cidade. Protesto contra grandes empreendimentos imobiliários, ocupações de imóveis ociosos lutas por terra e moradia, manifestações contra a Copa do Mundo, revoltas contra o aumento das passagens de ônibus: inúmeras as mobilizações que tomaram a cidade como objeto de luta. Para além das tradicionais mobilizações, nota-se um novo protagonismo social, em grande parte viabilizado pela divulgação pela internet que articula as manifestações sem passar com coordenações centralizadas e pautas únicas. Nesse contexto, surgiu um sem número de temas, que até então não vinham sendo amplamente debatidos pela sociedade, e organizações que surgem da noite para o dia e que se articulam de forma horizontal. O exemplo mais conhecido dessas organizações, que teve grande protagonismo em 2013, foi o Movimento Passe Livre. Embora tenha surpreendido o país, é uma organização mais antiga, que há anos vem se mobilizando e se articulando em nível nacional para lutar pelo direito a mobilidade. O Comitê Popular da Copa é outro caso importante que atuou fortemente contra a exclusão socioterritorial promovida pelo evento e por suas obras. A grande questão é em que medida essas lutas e manifestações poderão se articular na perspectiva de contribuirem para enfrentar os poderosos interesses que incidem sobre as cidades. A arena proporcionada pelo processo participativo do Plano Diretor pode ser um espaço de conflito e pactuação.
Exposição: Processo Participativo na elaboração do substitutivo do Plano diretor de São Paulo
Expositora: Rossella Rossetto (Câmara Municipal de São Paulo)
Resumo: A lei do plano diretor de São Paulo trata de várias dimensões além da urbana e imobiliária: a social, a econômica, a ambiental e a cultural. São dimensões que se desdobram em vários temas. Trazem para o debate interesses que se expressam em disputas pelo território, e que procuram mostrar que sua causa tem significado atual e importância fundamental para o futuro da cidade. Ganharam relevância na discussão do plano diretor as manifestações organizadas por movimentos sociais pela moradia popular, os que defendem as causas ambientais em vários de seus aspectos, os grupos de defesa dos bairros bem estruturados da cidade, as várias demandas relacionadas com a mobilidade urbana, e ainda, o empresariado imobiliário, em seus diferentes matizes de interesses. Havia portanto, uma forte expectativa de que instaurasse um amplo processo de discussão na elaboração do plano diretor e que não seria suficiente as estratégias tradicionais de audiências públicas, ou a representação nos canais institucionalizados dos Conselhos. Essa exposição procurará mostrar os mecanismos de transparência, de divulgação e capacitação utilizados nas três etapas de discussão do projeto de lei na Câmara Municipal, que buscaram i) ampliar a participação; ii) apresentar as propostas e sua espacialização; iii) acompanhar as modificações do texto e a incorporação ou exclusão de propostas; iv) explicitar conflitos e interesses. Pretende ainda levantar os impasses e as limitações do processo participativo direto na elaboração de leis, em especial, no que se refere à representação da população vis a vis a representação dada pelo voto aos vereadores.
Exposição: A Batalha do Plano Diretor
Expositor: Guilherme Boulos (MTST)
Resumo: Muito se falou das pressões para a aprovação do Plano Diretor de São Paulo. É verdade! Os avanços não teriam sido possíveis sem a intensa pressão popular. Mas esta foi apenas a pressão mais visível. Foram inúmeras mobilizações nas audiências públicas de debate do PDE. O MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) permaneceu acampado em frente à Câmara durante sete dias até a aprovação do Plano. Nem sempre porém a maior pressão é a mais visível. O Plano foi objeto de uma pressão violenta dos lobistas do mercado imobiliário. A pressão silenciosa de um engravatado poderia ter mais efeito que o barulho dos descamisados. Nos bastidores, a atuação dos empresários foi pesada e também incidiu no resultado final do Plano, como vimos na Cota de Solidariedade. Ou alguém se atreveria a subestimar um setor que investiu R$22 milhões em doação de campanha para os atuais vereadores de São Paulo? Ainda assim, se estabeleceu algum freio para o predomínio do mercado imobiliário sobre o crescimento da cidade. Talvez o mais inovador avanço seja a Cota de Solidariedade. Mas ela também expressa os limites do Plano. O mercado entrou em campo e a Cota foi relativizada. O planejamento não pode reverter a lógica excludente da cidade capitalista. Com a atual correlação de forças e sistema político, nenhum Plano poderia fazê-lo. Enquanto as empreiteiras controlarem valiosos espaços no Estado não conseguiremos mudanças estruturais no sentido de uma verdadeira Reforma Urbana.