SL41 As diversas escalas de intervenção no espaço brasileiro durante os séculos XVIII e XIX
Resumo
SL-41. As diversas escalas de intervenção no espaço brasileiro durante os séculos XVIII e XIX
Coordenador: Clovis Ramiro Jucá Neto (UFC)
Resumo:
Esta proposta de Sessão Livre objetiva debater as intervenções territoriais pela metrópole lusitana e pelo império brasileiro em suas múltiplas escalas durante os séculos XVIII e XIX. As ações e seus impactos no espaço são considerados sínteses dos projetos de colonização, povoamento e de controle dos agentes públicos e privados nas diversas regiões. O ponto de partida da presente proposição está nos resultados e questionamentos das investigações desenvolvidas pelos integrantes do Grupo de Pesquisa intitulado “Cidades e territórios luso-brasileiros no século XVIII”, cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do Cnpq e sediado na Universidade Federal da Paraíba. Este Grupo teve origem quando da realização em 2008 do X Seminário de História da Cidade e do Urbanismo (SHCU) através da identificação de trabalhos cujo objeto específico de análise eram as diversas capitanias do Brasil setecentista.
Visando intensificar o intercâmbio e a difusão de conhecimentos sobre a urbanização brasileira do passado, este Grupo tem promovido encontros periódicos através de Mesas Redondas e Sessões de Trabalho em eventos. Em 2009 nos reunimos no XII Encontro Nacional da ANPUR (Florianópolis) quando organizamos a Sessão de Interlocução “Novos olhares sobre a urbanização setecentista na América Portuguesa”. No mesmo ano compomos a Mesa Redonda intitulada “Urbanização no Brasil do século XVIII: especificidades das regiões periféricas às estratégias portuguesas” no XXV Simpósio Nacional de História (Fortaleza). Em 2010 participamos do XI SHCU (Vitória), quando foi discutido o tema “Cidades e territórios luso-brasileiros no século XVIII” em uma Sessão Temática.
O Grupo tem por objetivo aprofundar a análise do espaço urbano, da organização do espaço territorial e da formação e dinâmica da rede urbana ao longo dos séculos XVIII e XIX identificando os múltiplos atores. As diversas linhas de pesquisas partem do pressuposto da relação indissociável entre urbanização e formação territorial na América Portuguesa e no Império Brasileiro. Estes processos são investigados sob variados aspectos como a política colonizadora; os diferentes agentes e saberes; as especificidades regionais e as comunalidades; as lógicas subjacentes aos sistemas urbanos; a morfologia dos núcleos, sua implantação e seus condicionantes; a relação entre os planos propostos e/ou efetivados; e o levantamento documental, iconográfico e cartográfico. Centrados sobre realidades distintas, os estudos têm desvendado as especificidades dos processos locais bem como os paralelismos ora identificados nos objetivos comuns dos projetos metropolitano português e imperial brasileiro quanto à apropriação do solo, orientando a geopolítica de fixação no território brasileiro, ora nas práticas e produtos urbanos gerados.
Ao estudar realidades locais e regionais e ao promover o diálogo entre essas diferentes realidades, os trabalhos deste Grupo de Pesquisa vêm se somando a outros que têm procurado desenvolver uma visão mais diversificada dos processos históricos da urbanização no passado, atentando para as divergências e as convergências. Reconhecemos que há bases comuns às experiências estudadas, próprias dos projetos metropolitano e imperial de povoamento que implicaram na conquista, apropriação e na fixação em diversas regiões do Brasil. Por outro lado, as particularidades devem-se ao sentido da colonização - uma equação entre a geopolítica e as condicionantes dos diversos lugares de intervenção - o que significa a identificação das diversas escalas de intervenção.
A perspectiva desta Sessão Livre encontra-se na análise tanto das ações e intervenções empreendidas nas mais diferentes regiões do território brasileiro como da caracterização de suas materialidades. Estas, enquanto expressão da lógica sistêmica entre os mecanismos de apropriação e fixação dos diversos agentes no território e os condicionantes sociais, regionais e locais, atribuem especificidades aos recortes temporais e espaciais. A compreensão de cada intervenção aponta para a sua existência relacional com o território, considerando suas diversas escalas, onde interagem os agentes (e seus interesses múltiplos). Desta forma a Sessão voltar-se-á para as características de cada intervenção e para a possibilidade de inter-relacionar as diferentes ações nas mais diferentes regiões e recantos do território no intuito de perseguir novas sínteses históricas.
Entendemos que a complexidade do processo de apropriação e fixação no espaço nos séculos XVIII e XIX impõe a discussão sobre a importância diferenciada - dentro da política global implantada no território pelo Estado português e o Império brasileiro - das diversas regiões e localidades de instalação dos assentamentos. A análise, tendo em conta os variados recortes temporais e espaciais, requer a compreensão dos condicionantes sociais da organização territorial, da formação das redes urbanas e a apreciação do desenho implantado nos núcleos urbanos.
A caracterização das intervenções nas diferentes regiões e localidades é, neste sentido, o depositário final das ações concernentes às múltiplas especificidades da escala territorial e sua relação com o urbano. Cada intervenção, como um instante do tempo em um ponto do espaço, cria uma temporalidade e uma espacialidade próprias possuindo como pano de fundo uma política global de onde emergem ações que interagem com os personagens locais. E na materialização do fixar-se, intencionalidades são manifestas e alianças são criadas, forjadas e rompidas em nome do projeto de ocupação e controle. Cada intervenção é expressão sistêmica de conflitos sincrônicos e diacrônicos na lógica da colonização. Ou seja, significa também uma longa duração.
Neste sentido, a noção de escala se aplica à análise das ações e intervenções. Indagamos: Qual a importância de cada região no território e de cada assentamento na região? Considerando o projeto global de apropriação e de fixação no espaço como cada região articula-se ao todo territorial? Como definir região nos tempos pregressos?
Pelo uso de sua autoridade, os agentes intervêm nas localidades e regiões. Contudo a escala das ações não é homogênea, como não é homogênea a sua materialização. A despeito dos Estados metropolitano e imperial irradiarem a dinâmica colonizadora, o espaço modificado é resultado da ação dos projetos dos distintos agentes envolvidos. Também, na lógica da fixação de núcleos devemos estar atentos às especificidades de cada região e de cada localidade. Na escala das ações operantes devemos levar em conta as intenções assim como a localização enquanto condicionante econômico, político e geográfico onde as variáveis atuam. Daí o sentido da variedade histórica do processo e a importância do desvendamento das particularidades para darmos conta, como síntese, da política empreendida no território brasileiro.
O objetivo desta Sessão Livre é, portanto, dar continuidade a tais inquietações que vêm sendo investigadas desde a formação do Grupo. Particularmente, pretende-se criar um espaço de debate e reflexão sobre a urbanização e a transformação do território luso e, desta feita, também ampliando a discussão para o espaço brasileiro no século XIX. Os trabalhos a serem apresentados nesta Sessão abarcam uma gama de temas que, de uma forma ou de outra, se inserem nos dois eixos principais aqui mencionados – urbanização e território. Lidam com questões relativas ao modo de urbanização, entre as quais a definição das funções urbanas, a arquitetura residencial urbana, o desenho urbano e os aspectos sociais dos núcleos urbanos, como também com temas envolvendo a relação cidade-campo, os aspectos rurais da produção arquitetônica e as regionalizações, entre outros. Os diversos focos dos estudos reunidos nesta Sessão Livre revelam a amplitude geográfica destas pesquisas ao abarcarem os atuais Estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Bahia, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo e demarcam três pontos em comum: 1) a dimensão socioespacial no período de aproximadamente dois séculos; 2) a perspectiva de diálogo pela proximidade histórico-cultural dos distintos exemplos; e 3) a continuidade das pesquisas desenvolvidas pelo Grupo.
Exposição: Pelos arredores da capital imperial
Expositora: Fania Fridman (UFRJ)
Resumo: Este trabalho, que é um desdobramento daquele que venho desenvolvendo nos últimos anos sobre a dinâmica espacial fluminense, pretende recuperar as políticas de caráter planejado no Oitocentos. O tema de reflexão desta pesquisa referese à análise da natureza da intervenção no “espaço imperial” através de programas urbanos e regionais. De modo a contar com um repertório dos projetos, protagonistas, instituições, empreendimentos e das lutas travadas, proponho o estudo da formação de núcleos urbanos e de regiões vinculando-o à fundação e extinção de aldeamentos, freguesias, vilas, cidades e de núcleos coloniais, à abertura de redes de comunicação e à delimitação das comarcas e das fronteiras, isto é, o “fazer” lugares que serviram aos interesses dos poderosos do país. Exploro a gestão dos recursos territoriais, as normas, os atores, os ideários e a natureza do desenho político tendo como arena os arredores da cidade do Rio de Janeiro. Tal reflexão tem como base o exame dos planos relativos à formação da rede urbana e ao ordenamento territorial de localidades do antigo termo da cidade do Rio de Janeiro que hoje compõem os municípios de Duque de Caxias, São João do Meriti, Magé, Queimados, Nova Iguaçu, Nilópolis, Belford Roxo, Mesquita, Guapimirim, Japeri, Paracambi e Seropédica.
Exposição: As permanências e rupturas do desenho urbano setecentista no espaço oitocentista brasileiro. Mapeando ocorrências no Ceará e Paraíba
Expositores: Clovis Ramiro Jucá Neto (UFC), Maria Berthilde Moura Filha (UFPB)
Resumo: Tratando especificamente a escala do intraurbano, esta comunicação aponta as permanências e rupturas, no século XIX, das características da morfologia setecentista dos núcleos de povoamento do Nordeste brasileiro. Questionamos em que
medida ocorreram, ou não, mudanças significativas no desenho implantado durante o século XVIII pelo Estado Português, em função das transformações políticas, econômicas e culturais decorrentes da reorganização do território na realidade oitocentista. O objeto de análise está constituído pelas vilas de Monte-mor o Novo d’América (atual Baturité) e Aracati no Ceará; Souza, Pombal e Coremas na Paraíba. As pesquisas vêm indicando possibilidades múltiplas: as alterações do desenho pressupõem uma direta relação com o reordenamento do território, evidenciando a inserção de cada núcleo na lógica da urbanização imperial; da presença do Estado português advinha um sentido de regularidade do desenho das vilas criadas durante o século XVIII, enquanto a sua ausência no século XIX aponta para um risco onde as diretrizes lusitanas ou se perpetuaram ou foram alteradas nas áreas de crescimento dos núcleos analisados; as vilas criadas durante o século XIX mantém uma morfologia herdada do setecentos, por não haver determinações ou modelos que viabilizassem outra forma de organização espacial. Lembramos ser necessário observar a substituição das orientações presentes nas Cartas Régias e Autos de Fundação do período colonial pelas orientações de Posturas do Império, como um dos condicionantes das possíveis transformações. Portanto, o objetivo desta comunicação é expandir para a realidade do século XIX as inquietações levantadas durante o estudo da forma das vilas e cidades nordestinas setecentistas.
Exposição: O sagrado e o profano na cidade colonial setecentista: três casos de análise numa perspectiva comparada
Expositores: Rubenilson Teixeira (UFRN), Josemary O. P. Ferrare (UFPB), Maria Helena Flexo (Universidade Católica de Salvador)
Resumo: Refletir sobre as atribuições de ‘construir espacialidades’ e ‘disciplinar comportamentos sociais’, intrínsecas ao Projeto Colonizador Português, pensado como meta de domínio político e ocupação territorial, constitui o foco deste trabalho, que aborda três realidades geográficas do Brasil colonial: as capitanias do Rio Grande do Norte, de Alagoas e da Bahia, no Nordeste do Brasil. Numa análise circunscrita ao século XVIII, os autores pretendem descrever aspectos que revelam as espacialidades e comportamentos sociais presentes, particularmente, no meio urbano como expressão das relações de poder que se estabeleceram entre o religioso e secular, ou entre o sagrado e o profano, a partir de três casos específicos, Natal, no Rio Grande do Norte, a ex-Vila Magdalena da Alagoa do Sul, - a atual cidade Marechal Deodoro em Alagoas, ex-Aldeia do Espírito Santo, atual Abrantes, Bahia. Outras localidades, nas referidas capitanias, também podem servir como contraponto à análise das três localidades. O estudo busca, o entendimento da construção urbana das duas cidades e Abrantes, atual distrito de Camaçari, na Bahia, sob o afã catequético do ideário colonizador português, que delineou a recorrência de um determinado padrão espacial, direcionador de sentidos a partir da prevalência cênica de igrejas e espacialidades adjacentes, propícias à realização de festas e procissões, sem deixar de considerar os eventuais conflitos com o braço secular do poder, especialmente no nível local. O maior interesse do trabalho reside na aproximação que pode ser feita entre as três localidades, sob o ponto de vista da problemática abordada, revelando aspectos comuns entre elas.
Exposição: Formação da população urbana nas vilas setecentistas. O caso do recôncavo baiano
Expositor: Adriano Bittencourt Andrade (UnB)
Resumo: A pesquisa sobre uma dinâmica territorial em tempos passados, passa pela análise dos agentes de produção do espaço em estudo.O exercício de identificar os agentes e seus papéis não segue a um padrão uniforme aplicável a todo espaço ou tempo histórico. Ainda que possam ser agrupados genericamente, as peculiaridades de um dado recorte têmporo-espacial dão especificidades aos atores que ali atuam mediados pelas relações de poder na produção do espaço social. Em busca da dinâmica territorial das recém criadas vilas setecentistas, cabe uma análise mais apurada acerca da população que ocupava aqueles espaços dando uma dinâmica cotidiana ao embrionário espaço urbano. Mesmo considerando que há alguma imprecisão na identificação da população urbana residente nas sedes das vilas setecentistas visto que não há uma relação posta dos moradores ou suas atividades e os dados demográficos, normalmente eclesiásticos, têm como recorte territorial as freguesias que não tinham necessariamente caráter urbano; parece possível, sustentado em escritos de época e documentação primária, classificar a população urbana daquelas incipientes nodalidades. Para o caso do Recôncavo baiano, acreditase que a população que ocupava as cinco vilas interiores era formada por: funcionários da Coroa e militares; religiosos; comerciantes; profissionais liberais; escravos; senhores de engenhos; donos de fazendas de gado e vaqueiros; lavradores; passantes; além dos genéricos "moradores da vila". Essa breve classificação suscita o debate e análise acerca do papel de cada um desses grupos e mesmo da observação de possíveis aproximações e distanciamentos em relações a outras regiões coloniais.
Exposição: O Brasil-colônia: em que medida mais urbano do que parece à primeira vista?
Expositora: Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno (USP)
Resumo: Uma série de estudos recentes sobre a História da Urbanização no Brasil Setecentista vem permitindo equacionar aspectos gerais e redimensionar as especificidades regionais da política de colonização da Coroa portuguesa na América. Essa historiografia pôs luz numa rede urbana mais plural do que nos parecia no passado, envolvendo poucas cidades, algumas vilas e inúmeras capelas, freguesias, lugares, aldeamentos missioneiros, julgados e registros, alinhavados por uma densa rede fluvial e de caminhos terrestres. Novas tecnologias da informática vêm permitindo espacializar na cartografia antiga esta rede e seus liames interregionais e elucidar dinâmicas e fluxos desconhecidos de um mercado interno intercapitanias bastante maduro. Em perspectiva comparada, nesta comunicação pretendemos analisar as características da rede urbana em cada contexto, mensurar índices de urbanidade e analisar os fluxos interregionais de negociantes e mercadorias, de forma a problematizar em que medida era o Brasil-Colônia mais urbano do que parece à primeira vista.