SL38 Política habitacional, movimentos sociais e trabalho social:
o PMCMV em foco.
Resumo
SL-38. Política habitacional, movimentos sociais e trabalho social: o PMCMV em foco.
Coordenadora: Rosângela Dias Oliveira da Paz (PUC-SP)
Resumo:
No Brasil, a problemática da habitação social, a despeito de conquistas dos últimos anos, ainda se destaca por sua complexidade, desafiando Estado e movimentos sociais e a sociedade em geral, mobilizando as forças do mercado. Não se pode reduzir a questão a uma discussão sobre o “déficit de moradias”, sobre a necessidade de produção ou modalidades técnicas de resposta, em termos de políticas ou programas, ou acerca das formas de gestão, ainda que tais dimensões não possam ser ignoradas. As respostas do Estado à questão da habitação serão sempre perpassadas por contradições e por disputas, por envolverem interesses distintos e mesmo contraditórios, que convivem e se interpenetram em um campo de tensões e disputas pela cidade. Dessa forma, comparecem os interesses das populações mais pobres, de entidades e movimentos de moradia de defesa de direito, das assessorias técnicas, ONGs, como também das forças do mercado com o apelo à dinamização de um setor da economia, espaço de criação de valor de troca e de acumulação, notadamente, em tempos de mundialização financeira.
No âmbito da sociedade brasileira, a discussão da habitação, como dimensão importante do direito à cidade data dos idos dos anos 1950, ainda que, no interregno do período ditatorial tenham sido arrefecidos os debates críticos e as lutas sociais em torno desta questão. A partir dos anos 1980, os movimentos de luta por moradia, os espaços do Fórum Nacional da Reforma Urbana, em distintas cidades brasileiras, dão novo élan ao debate, ocupando a cena política e interferindo nos modos de regulamentação e de ação do Estado, na defesa do direito à moradia e à cidade. O Estatuto da Cidade constitui marco importante e conquista em termos de regulamentação e de legislação urbana no Brasil contemporâneo. Entretanto, tal conquista não se traduziu, diretamente, em políticas mais amplas de enfrentamento da questão urbana e da problemática da habitação social. Ao mesmo tempo em que organizações sociais avançavam no nível da legislação e da regulamentação, as cidades e metrópoles vivenciavam intensos processos de transformação urbana, especialmente, no período mais recente, com a reedição de operações de “modernização” e de “renovação” de áreas urbanas, com a preparação das principais cidades brasileiras para a realização de megaeventos, configurando-se novas formas de segregação socioespacial, agravando a questão urbana como expressão concreta da questão social.
Passados mais de dez anos da aprovação do Estatuto da Cidade – e da perspectiva, alimentada de várias formas, de que cidades seriam produzidas de uma forma mais sustentável, mais democrática, com tímidas iniciativas do Estado Federal e ações pontuais em municípios brasileiros nesta direção, o lançamento do Programa Minha casa Minha Vida (PMCMV) levanta novas expectativas, mobiliza diferentes atores, tornando-se objeto de atenção e campo de intervenção e de disputa, e reacende a questão sobre que cidades o Programa está construindo?
A preocupação com a dimensão social dos processos em políticas e programas urbanos destinados aos segmentos empobrecidos da classe trabalhadora, com a participação dos movimentos sociais na condução de projetos, as experiências de trabalho social em projetos urbanos e, em particular, no âmbito da provisão de habitações sociais e/ou de implantação de infraestruturas urbanas em áreas precarizadas tem também uma história, assumindo matizes e contornos diferenciados ao longo dos anos.
O objetivo da sessão livre proposta é por em debate a intervenção dos movimentos sociais e o trabalho social no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, frente à problemática habitacional brasileira, a partir dos resultados de pesquisas mais amplas desenvolvidas a partir de edital do Ministério das Cidades e do CNPq. Parte dessas pesquisas foram realizadas em uma rede que envolveu 11 equipes em 6 unidades da federação; outra, muito embora não estivesse na rede mencionada, fazia parte do mesmo edital e sua equipe foi interlocutora frequentes ao longo de quase 2 anos . Enfocaremos, nesta sessão em particular, a intervenção dos movimentos sociais e o trabalho social no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida frente à problemática habitacional brasileira.
Os procedimentos metodológicos da rede foram construídos através de reuniões e oficinas de trabalho, nas quais cada equipe pode delinear seu processo de investigação, tendo em conta objetivos inscritos nos respectivos projetos e particularidades de cada município e região metropolitana estudado. A abordagem multiescalar foi definida como elemento comum para balizar as análises. Neste sentido, as escalas regional (metropolitana), municipal, do empreendimento e de seu entorno e da unidade habitacional foram trabalhadas, delineando-se para cada uma, variáveis de análise e instrumentos de pesquisa.
Nossa proposta para a Sessão Livre articula discussões mais gerais sobre a questão habitacional no contexto contemporâneo com problematizações que emergem da pesquisa de campo a indagar sobre conteúdos, formas e perspectivas assumidas pelo trabalho social no âmbito da política de habitação social (voltada para as famílias de mais baixa renda) e, especialmente, do PMCMV, em face de um universo heterogêneo de famílias beneficiárias, cujas condições de vida em geral são precárias. Desse modo, as discussões e reflexões da mesa se inscrevem em um debate mais geral acerca do direito à moradia no contexto do Brasil contemporâneo, destacando a condição de segmentos pauperizados da população de municípios de importantes áreas metropolitanas brasileiras, beneficiários do PMCMV e as contradições e desafios a perpassarem o trabalho social e participação dos sujeitos sociais coletivos na condução e definição das respostas oficiais ao problema da habitação social.
No que se refere aos beneficiários, população atendida pelo Programa, ressaltamos elementos do perfil socioeconômico, a origem e os dilemas enfrentados na construção de novos coletivos de moradores, apontando como se defrontam com os “novos atributos da condição da legalidade” decorrentes da moradia adquirida, como têm enfrentado o cotidiano vivenciado “entre muros”, com compromissos e modos de vida diferenciados, inerentes à vida em condomínios, forma urbana predominante nos empreendimentos do PMCMV, em sintonia com uma ideia de “modernidade”, de ascensão social propalada pelas construtoras e por promotores imobiliários. Discutiremos ainda dimensões do cotidiano, das formas de sociabilidade predominantes nesses espaços.
Os processos de implantação dos empreendimentos, as características dos projetos urbanos, do desenho, da tipologia e da inserção, urbana dimensões também trabalhadas pelos grupos que compõem a Rede, têm repercussões sobre a problemática social, sobre a perspectiva de construção de novas comunidades, recriadas via PMCMV, a partir da entrada nos empreendimentos. Dados indicam que processos de segregação socioespacial estão sendo criados com a execução do programa, as modalidades distintas postas em foco, apontam características e possibilidades bem distintas de constituição e/ou de fortalecimento de sujeitos coletivos, a atuarem na defesa do direito à moradia, aos serviços, infraestruturas e equipamentos urbanos indispensáveis para uma melhor inserção social e urbana nas cidades. De fato, os conjuntos construídos pelo PMCMV Entidade e pelo PMCMV empresas têm singularidades, em sua dinâmica social e urbana. Em ambos os casos, a lógica mais geral do mercado está presente. Com relação às possibilidades do PMCMV constituir de fato uma perspectiva de enfrentamento da questão habitacional, de modo sustentável também entram em jogo as condições reais dos municípios assumirem papel central no processo e da disposição política dos mesmos de agir no sentido da construção de cidades mais justas, onde o direito à moradia constitua elemento fulcral na construção de novas formas de urbanização baseadas no valor de uso e não no valor de troca, nos termos apontados por David Harvey ou, em nosso conhecido lema, na construção de cidades em que a função social da propriedade se sobreponha às formas de especulação fundiária e imobiliária.
Exposição: Trabalho social: concepções e a percepção dos moradores
Expositora: Rosângela Dias Oliveira da Paz (PUC-SP)
Resumo: A comunicação apresenta reflexões sobre o trabalho social em programas de habitação de interesse social, particularmente no Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), desenvolvido pelo governo federal, a partir da experiência no município de Osasco em São Paulo. Destacam-se os conceitos em disputa sobre o trabalho social, dificuldades e limites na execução como também a percepção e avaliação dos moradores sobre suas condições de vida e organização social. Parte-se do reconhecimento de que o direito a moradia está estritamente vinculado ao direito à cidade e à cidadania. Entende-se o trabalho social como um processo que objetiva a melhoria da qualidade de vida, à defesa dos direitos sociais, o acesso a cidade e aos serviços públicos, o incentivo e o fortalecimento da participação e organização autônoma da população. O Trabalho Social faz a diferença, mas não resolve problemas estruturais do Programa, como questões do projeto, obra, inserção urbana, mobilidade, serviços públicos e ainda questões relativas ao contexto social, como a violência e o tráfico.
Exposição: O desafio da participação na implementação do minha casa minha vidaentidades no Estado de São Paulo.
Expositora: Luciana Tatagiba (UNICAMP)
Resumo: A exposição visa apresentar os resultados da pesquisa realizada em nove empreendimentos do MCMV-E no Estado de São Paulo que teve como objetivo avaliar a qualidade da participação nos processos de implementação da política. A pesquisa teve duas perguntas centrais: Qual a qualidade da participação nos empreendimentos do MCMV-E? Quais são os principais fatores que explicam a variação encontrada? A questão da participação foi abordada em dois planos: das entidades, que assumem o direito e o dever de executar os empreendimentos; e das famílias, que segundo as normativas do programa devem ter papel ativo na gestão da obra, em todas as suas fases. Dois conceitos orientaram nosso esforço de descrição e análise comparada dos casos: socialização do poder (que remete à relação entre as organizações sociais e as famílias) e autonomia decisória (que remete à relação das organizações com as construtoras e com os agentes públicos). Operando a distribuição dos casos entre os dois eixos, encontramos significativa variação entre os empreendimentos no que se refere à qualidade da participação. Da mesma forma, encontramos uma significativa variação na percepção das famílias sobre os significados do processo e seus resultados. A pesquisa combinou métodos quantitativos e qualitativos, com a realização de entrevistas semiestruturadas junto aos responsáveis pelos nove empreendimentos e de um survey junto às famílias na condição de moradores ou futuros moradores.
Exposição: Minha Casa Minha Vida – entidades: entre os direitos, as urgências e os negócios
Expositor: Caio Santo Amore (USP)
Resumo: A modalidade “Entidades” do Programa Minha Casa Minha Vida é usualmente apresentada como estágio evolutivo das experiências de produção habitacional autogestionária, desenvolvida particularmente em São Paulo, estado e capital. Foi ‘cavada’ no contexto geral do nosso “maior programa habitacional”, pelas interações entre os movimentos nacionais de moradia e governo federal, pela presença institucional desses movimentos em Conselhos participativos e interlocução permanente entre lideranças e técnicos do Ministério das Cidades e da Caixa Econômica Federal. Em cinco anos acumularam-se conquistas institucionais nas condições de produção, ganhou-se escala nacional, e o Programa mobiliza associações e lideranças em todo o país. Nesta sessão discutiremos como o Programa tem conformado a atuação das Entidades e dos históricos movimentos de luta por moradia, bem como de organizações populares que têm a “ação direta” entre as suas estratégias. Associações com origens e naturezas diversas vêm se organizando para pleitear participar do programa e produzir habitações para ‘suas’ famílias, criando uma espécie de ‘mercado’ que condiciona o direito à moradia (e à participação) a uma profissionalização para a gestão de longos e tortuosos processos de aquisição de terras, projeto e execução das obras. Apesar de uma produção ínfima em termos quantitativos, com qualidades gerais que não se apresentam como diferenciais em relação à produção do MCMV (mesmo reconhecendo casos “excepcionais e virtuosos”), a participação instrumental dos movimentos no Programa revela uma faceta da política habitacional no contexto das políticas sociais contemporâneas, contribuindo para uma grande coalisão que não se opõe às condições estruturais da desigualdade.
Exposição: O Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: trabalho social e gestão dos condomínios
Expositora: Irene de Queiroz e Mello (UFRJ)
Resumo: Neste trabalho pretende-se avaliar a implementação do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, no que diz respeito ao trabalho social e a gestão dos empreendimentos. Nesse Programa, os recursos são repassados para as construtoras, havendo um acordo tácito entre estas e os agentes governamentais que a implantação das unidades habitacionais sejam em condomínios, em função da rapidez para a aprovação dos projetos na Prefeitura. Consequentemente, surge a organização institucionalizada de um condomínio e, para o seu funcionamento, é necessária a figura de um síndico e sua equipe. Assim, a responsabilidade de um território complexo, com muitas carências e vulnerabilidades foi transferida, principalmente, para este ator. O trabalho social é um componente deste Programa, que enfrenta um contexto adverso para exercer a sua ação, com regras burocráticas e limitadas impostas pelo Ministério das Cidades. Os municípios, por sua vez, encontram-se despreparados para ter uma política habitacional, portanto, para planejar e implementar o trabalho social. Os diversos setores da Prefeitura e os profissionais do projeto físico e do trabalho social estão desarticulados e, comumente, os profissionais que executam o trabalho social são terceirizados. Além disso, a expectativa dos órgãos governamentais e dos moradores é que o trabalho social, em um curto período, mude a cultura de uma população que tem uma vivência de segregação, de carências e de informalidade no trabalho e nos serviços públicos.
Exposição: Trabalho social nos empreendimentos do PMCMV na RM Natal: descompassos entre normativas e efetivação
Expositora: Glenda Dantas Ferreira (UFRN)
Resumo: A exposição tem por objetivo apresentar resultados da análise do Trabalho Social no âmbito da pesquisa Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Natal- RMNatal: inserção urbana e qualidade do projeto. Priorizaram-se aspectos de sociabilidade e formas de apropriação dos empreendimentos na análise dos 17 empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), em Natal, Parnamirim, Extremoz, Ceará-Mirim, Macaíba e São Gonçalo do Amarante. Para o Plano Nacional de Habitação, o Trabalho Social tem a responsabilidade de promover a participação social, a melhoria das condições de vida e efetivação dos direitos sociais, dentre outros (Portaria Nº21/2014). Para além de seus aspectos formais, o Trabalho Social constitui peça-chave para a efetividade dos projetos, na perspectiva do habitar. Todavia, sua operacionalização depende dos arranjos técnico-institucionais dos municípios. A pesquisa evidenciou fragilidades nesses arranjos, agravadas pela lógica - ainda cristalizada na implementação de obras públicas no país – que prioriza a dimensão física, tida como mais importante, em detrimento da dimensão social. Identificaram-se ainda questões referentes à ausência ou fragilidade do Trabalho Social, com impactos diretos sobre as famílias e territórios, revelando laços de pertencimento e sociabilidade frágeis ou inexistentes. No cotidiano, isso se explicita na individualização das ações, nos loteamentos; ou na personificação da figura do síndico, apresentando-se legitimado como substituto do poder público, dos grupos e organizações sociais. A concepção, o escopo do trabalho social, as possibilidades de articulação das politicas e dos serviços presentes em cada território, o papel do município destacam-se como dimensões a problematizar.