SL37 “A lei?...ora a lei”:

a efetividade da legislação urbanística

  • Flávio Villaça
  • Silvana Zioni
  • Ângela Pilotto
  • Penha Pacca
  • José Marinho Nery Jr
  • Fernanda Haddad
  • Sergio Luis Abrahão
  • Beatriz Kara José
Palavras-chave: legislação urbanística

Resumo

SL-37 “A lei?...ora a lei”: a efetividade da legislação urbanística

Coordenador: Flávio Villaça (USP)

Resumo:

Há uma ideia generalizada de que no Brasil “...há leis que pegam e leis que não pegam”. É preciso entender por que foi criada entre nós essa cultura. Nosso anedotário está cheio de exemplos, sendo das mais conhecidas, frases como “Aos meus amigos tudo! Aos meus inimigos…a lei!” ou, aquela que teria sido pronunciada por Getúlio Vargas: “A lei? ....ora a lei” ! No tocante a Plano Diretor isso é particularmente verdade, uma vez que é frequente a ideia de que “...o plano é bom....só que não é obedecido”.

O que se pretende discutir aqui é principalmente a legislação municipal, edilícia e urbanística, ou seja, os códigos de obras e as leis urbanísticas, tais como lei federal 6766/79 (sobre loteamentos) e suas alterações, as leis municipais de loteamentos e de zoneamento e os planos diretores municipais. Essas leis são, sabidamente, leis que, por razões econômicas, não podem ser cumpridas pela vasta maioria das populações urbanas brasileiras. Por isso essa população é obrigada a morar em áreas de risco, favelas, loteamentos e casas irregulares. Assim é que, de 60 a 80% ( no sudeste menos, e no nordeste mais ) da população brasileira mora em lotes e casas irregulares, ou seja, fora da lei.

Nossa classe dominante tem então nas mãos, o seguinte dilema: Como fazer leis que ela (classe dominante ) sabe que a maioria não pode cumprir?

Como essa classe enfrenta esse dilema? Isso precisa ser investigado. Precisa ser analisado. Precisa ser entendido. Este debate é uma tentativa nesse sentido.

O estratagema encontrado por nossa classe dominante para resolver esse dilema, no tocante a legislação urbanística, foi através de um movimento duplo e contraditório, mas sempre ideológico. De um lado, super valorizando a lei e passando a ideia (ideológica) de que para resolver um problema, a lei é um instrumento altamente eficiente. De outro, desmoralizando a lei criando a cultura de que ela pode “pegar” ou não. A cultura da lei facultativa, que parte do pressuposto: quem quiser cumpre, quem não quiser, não cumpre.

Na verdade nossa a classe dominante faz leis apenas para ela própria; para regular seus terrenos, suas casas...claro que com todos os percalços que o cumprimento das leis sofrem no Brasil.

Há ai, uma realidade social a ser ocultada e para isso nossa classe dominante lança mão da ideologia. No sentido marxista/gramsciano de ideologia, esta é uma ideia produzida pela classe dominante - e portanto uma ideia dominante - tendo em vista ocultar a realidade social e a dominação, e assim torná-la mais aceita pelos dominados. Na verdade os próprios dominados incorporam a ideia dominante.

Em síntese os vários estratagemas visam criar a “lei flexível”, o “jeitinho brasileiro” de contornar a lei e a lei de cumprimento facultativo. Vejamos alguns processos ligados a esses tipos de leis que visam confundir e não regular.

1) O abuso no uso das leis, e a difusão da falsa ideia de que as leis são um instrumento forte para resolver os problemas urbanos. Não podendo resolvê-los, nossa classe dominante finge fazê-lo através de leis. Daí vem o abuso das leis.

2) A aprovação de leis impossíveis de serem cumpridas - pela maioria de nossa população. Impossíveis por razões econômicas. Exemplos dessas leis são os códigos e obras e os códigos de loteamentos. A maioria de nossa população não tem condições econômicas de morar num lote legal nem numa casa legal

3) As leis inúteis. São aquelas que nada permitem, mas também nada proíbem.

4) As leis sem sanções para os que as desobedecerem. Se nada acontece para os infratores, por que obedecê-las?

5) As leis de fiscalização impossível, como por exemplo, o art. 182 de nossa Constituição Federal que obriga todas as cidades com mais de 20.000 habitantes (são centenas delas) a ter plano diretor. Como fiscalizar e implementar isso? Ter plano na gaveta vale? O que acontece para o município que não cumprir?

6) A lei que se limita a princípios gerais, ou seja, a lei que não especifica o que se pode e o que não se pode fazer. Os princípios gerais são validos, sem dúvida.

Porém, para abrigar princípios gerais temos três categorias de leis: a Constituição Federal, as Constituições Estaduais e as leis Orgânicas Municipais. Essas leis são o lugar adequado para os “princípios gerais” e para isso são mais que suficientes.

Essas são as razões fundamentais pelas quais as leis são tão desmoralizadas no Brasil. Não é porquê nossos legisladores são incompetentes ou venais. O Brasil é assim, não porquê nós somos atrasados e ignorantes. Isso decorre da desigualdade de poder político e que possibilita uma dominação relativamente tranquila por parte de uma classe dominante opressora.

A legislação urbanística não nasceu para regular nada. É o melhor exemplo da lei que nasceu para não ser cumpridas. Trata-se de uma categoria de lei que é usada quando convém e por quem tem interesse em seu cumprimento. Para alguns (a minoria) ela serve. Para a maioria não serve, pois esta não tem condições econômicas de cumprila.

Tendo em vista tal cenário, a Sessão Livre ora proposta tem como objetivo o debate sobre a efetividade da legislação urbanística na construção de nossas cidades; e está organizada a partir de contribuições trazidas por pesquisadores e profissionais de entidades públicas de planejamento urbano engajados na reflexão crítica sobre tal instrumental.

Nas exposições desta Sessão serão apresentadas análises sobre a relação uso do solo e transporte urbano presente na legislação urbanística por meio do instrumento polo gerador de tráfego (PGT); sobre a utilização dos instrumentos criados para controlar e socializar os benefícios do Direito de Construir, como a Transferência de Potencial Construtivo (TPC) e a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC); sobre os limites das Zonas Especiais de Interesse Social – ZEIS e o fato de que não têm conseguido atingir seu principal objetivo; e sobre a concepção de participação social proposta nas Operações Urbanas desenhadas para a cidade de São Paulo.

O objetivo do debate proposto é aprofundar essas reflexões de modo a contribuir para a produção de uma cidade sócio espacialmente mais equilibrada e justa.

Exposição: "A Lei?...Ora a Lei"

Expositor: Flávio Villaça (USP)

Resumo: Este texto pretende entender a ideia generalizada de que no Brasil “...há leis que pegam e leis que não pegam”. Entender por que foi criada entre nós essa cultura. Nosso anedotário está cheio de exemplos, sendo um mais conhecidos, frases como “Aos meus amigos tudo! Aos meus inimigos ......a lei!” ou, aquela que teria sido pronunciada por Getúlio Vargas: “ A lei?....ora a lei” ! No tocante a Plano Diretor isso é particularmente verdade, uma vez que é frequente a ideia de que “...o plano é bom....só que não é obedecido”. O que se analisa aqui é principalmente a legislação municipal, edilícia e urbanística, ou seja, os códigos de obras e as leis urbanísticas, tais como lei federal 6766/79 (sobre loteamentos) e suas alterações, as leis municipais de loteamentos e de zoneamento e os planos diretores municipais. Essas leis são, sabidamente, leis que, por razões econômicas, não podem ser cumpridas pela vasta maioria das populações urbanas brasileiras. Por isso essa população é obrigada a morar em áreas de risco, favelas, loteamentos e casas
irregulares. Assim é que, de 60 a 80% (no sudeste menos, e no nordeste mais) da população brasileira mora em lotes e casas irregulares, ou seja, fora da lei. Nossa classe dominante tem então nas mãos, o seguinte dilema: Como fazer leis que ela sabe que a maioria não pode cumprir?Como essa classe enfrenta esse dilema? Isso precisa ser investigado. Precisa ser analisado. Precisa ser entendido. Este texto é uma tentativa nesse sentido.

Exposição: Os polos geradores de tráfego e a efetividade da legislação urbanística

Expositores: Silvana Zioni (UFABC), Ângela Pilotto (Ministério Público do Estado de São de Paulo)

Resumo: A regulação da complexa relação uso do solo e transporte urbano está presente na legislação urbanística por meio do instrumento polo gerador de tráfego (PGT), utilizado para condicionar o licenciamento e funcionamento de empreendimentos de grande impacto no meio ambiente urbano. Em São Paulo, a regulação sobre PGT ssurgiu para adequar a Legislação de Zoneamento e do Código de Edificações frente ao fenômeno da motorização e de sua forma cada vez mais intensa de se apropriar dos espaços públicos viários, definindo medidas mitigadoras para os impactos viários negativos previstos para cada empreendimento. Mais recentemente, a aplicação do instrumento PGT também passou a ser orientada para financiar modificações na infraestrutura mais dispendiosas, a partir do recolhimento de percentual do custo do empreendimento para o Fundo Municipal de Desenvolvimento de Trânsito (Lei nº 15.150/2010). Entretanto, os impactos negativos dos empreendimentos potencialmente PGT não se restringem àqueles relacionados aos sistemas de transporte e circulação. Ou seja, apenas os impactos no sistema viário e de circulação são, supostamente, objeto de ressarcimento/mitigação, enquanto ficam negligenciadas as consequências na vizinhança do empreendimento no uso do solo, na densidade de ocupação e no valor dos terrenos. Além disso, questiona-se a suposta efetividade da legislação sobre PGT (amplamente aplicada no município de São Paulo), dado que a maior parte das medidas mitigadoras exigidas se restringe a melhorias como implantação de sinalização e fornecimento de câmeras, pouco contribuindo para a redução do impacto no tráfego.

Exposição: A transferência de potencial construtivo e a outorga onerosa do direito de construir

Expositora: Penha Pacca (Prefeitura Municipal de São Paulo)

Resumo: Dos instrumentos instituídos pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001) e regulamentados pelo subsequente Plano Diretor das cidades encontram-se a Transferência de Potencial Construtivo (TPC) e a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC). A legislação urbanística procura, teoricamente, estabelecer uma determinada ordem na distribuição espacial das atividades da cidade inerente à organização social, definindo parâmetros de uso e ocupação do solo e estratégias de ação. A legislação urbanística é a ferramenta mais utilizada pelo Estado para impor o modelo idealizado de cidade. Um dos elementos legais ordenadores do espaço que dispõe a Legislação Urbanística é a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, mais conhecida como lei do zoneamento. Esse instrumento institui zonas de adensamento diferenciadas no território municipal, distribui os espaços, conformando-os, quase sempre, às pressões econômicas, sociais e culturais demandadas pela população mais ativa. A lei, também, pode possibilitar que o direito de propriedade absoluto seja relativizado diante do direito de construir. Desse modo, conceitua-se o Direito de Construir, a diferença entre a construção de áreas dentro de um lote a partir de um coeficiente de aproveitamento básico pela legislação de uso e ocupação do solo até o seu limite máximo. Dentre os instrumentos criados para controlar e socializar os benefícios do direito de Construir encontram-se a Transferência de Potencial Construtivo (TPC) e a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC). Esses instrumentos serão analisados à luz de sua aplicação no município de São Paulo a partir de 2004.

 

Exposição: O zoneamento como instrumento de política fundiária para produção pública de habitação de interesse social - HIS

Expositores: José Marinho Nery Jr (Prefeitura Municipal de São Paulo), Fernanda Haddad (UNIP)

Resumo: As zonas de uso ZEIS 2 e 3 presentes no zoneamento paulistano desde o PDE 2002, voltadas à construção de novas HIS, não têm conseguido atingir seu principal objetivo: atender com moradia adequada a população de baixa renda que se situa na faixa populacional com renda familiar entre 0 a 3 salários mínimos. O fato é
que, ao longo da última década, o preço dos terrenos em ZEIS 2 e 3 não se desvalorizaram de modo a possibilitar que eles pudessem ser apropriados, via mercado privado ou público (desapropriado), por essa demanda populacional que, hoje, se aproxima a 130.000 moradias (Plano Municipal de Habitação). O mais preocupante é que essas famílias "sem-teto" de baixa renda continuam pressionando a ocupação das áreas de proteção ambiental da cidade (mananciais e ZEPAM), que tem um zoneamento bem restritivo, com baixíssimo potencial construtivo (CA max = 0,2), o que desvaloriza o preço do terreno e torna-o acessível à população pobre. Esse fato demonstra que o zoneamento pode ser sim um instrumento de desvalorização fundiária, mas como fazê-lo para que isso ocorra com as ZEIS 2 e 3? A hipótese está no estabelecimento de controle do poder público de parte do potencial construtivo dos terrenos urbanos delimitados como ZEIS. Isso consistiria em atribuir índices urbanísticos em ZEIS 2 e 3, como o CA Máximo de 0,5 a 1,0 na área urbana, e de 0,1 a 0,3, na área de expansão urbana, exceto para produção pública ou conveniada ao poder público de HIS.

Exposição: Operações urbanas: o que se pode mudar com a participação?

Expositores: Sergio Luis Abrahão (Centro Universitário FIAM-FAAM), Beatriz Kara José (Centro Universitário SENAC)

Resumo: No artigo Gentrificação, a fronteira e a restruturação do espaço urbano, Neil Smith (2007) destaca o processo de busca constante do Capital por novas fronteiras para aplicação dos excedentes de produção.Com as devidas ressalvas em relação ao ocorrido nos países centrais, assistimos no Brasil intervenções em áreas consolidadas de nossas cidades cujo sucesso é condicionado aos interesses da iniciativa privada.Tal é o caso das Operações Urbanas Consorciadas. No Estatuto da Cidade, as Operações Urbanas se afirmam com o objetivo de alcançar “transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”, pressupostas como meio de minimizar distorções sócio-espaciais. Um de seus pilares é a parceria entre poder público, proprietários, investidores privados, moradores e usuários. No município de São Paulo já foram aprovadas 5 Operações Urbanas, todas com significativa escala de abrangência. Os resultados demonstram que vêm favorecendo preponderantemente o mercado imobiliário e aprofundando as desigualdades socioespacias em detrimento ao preconizado na legislação referida. Constata-se que as operações em elaboração seguem os mesmos princípios das anteriores. Como novo elemento o condicionamento estabelecido pelo Plano Diretor de um Projeto de Intervenção Urbana participativo, a ser encaminhado na forma de Projeto de Lei para aprovação da Câmara Municipal de São Paulo. Se a lógica é a mesma das aprovadas, quais as alterações que o processo participativo poderá introduzir? Qual o sentido dessa participação na Operação Urbana? O objetivo deste trabalho é aprofundar essas reflexões de modo a contribuir para a produção de uma cidade sócio espacialmente mais equilibrada e justa.

Publicado
2019-05-21
Seção
Sessão Livre