SL26 Turismo e cidade:

perspectivas e contradições do desenvolvimento urbano

  • Ricardo Alexandre Paiva
  • Heliana Comin Vargas
  • Lineu Castello
  • Leandro Forgiarini
  • Thiago Allis
  • Thiago Allis
  • Cristina Pereira de Araujo
  • Vanessa Taciana Chagas de Lima
Palavras-chave: turismo e cidade, desenvolvimento urbano

Resumo

SL-26. Turismo e cidade: perspectivas e contradições do desenvolvimento urbano

Coordenador: Ricardo Alexandre Paiva (UFC)

Resumo:

Os efeitos da atividade turística no processo de produção, consumo e gestão do espaço urbano tem sido objeto de estudo de pesquisadores de várias áreas do conhecimento. No entanto, verifica-se uma presença discreta das análises das intervenções urbanas e arquitetônicas suscitadas pela atividade turística à luz dos pressupostos teóricos do planejamento urbano, da arquitetura e do urbanismo, enfocando aspectos específicos destas disciplinas, justificando a importância desta discussão. Neste contexto, a Sessão Livre proposta buscar evidenciar pesquisas teóricas e empíricas realizadas ou em andamento que enfocam a articulação entre turismo, cidade e arquitetura, bem como a sua relação com as questões relativas ao planejamento e ao desenvolvimento urbano, discutindo suas perspectivas e contradições.

A atividade turística representa e materializa a diluição das barreiras do espaço e do tempo na contemporaneidade e tem impulsionado transformações substantivas no espaço, não encontrando limites para a sua penetração. Neste contexto, a produção e o consumo do “espaço turístico”, constituem a síntese da inter-relação das práticas econômicas, políticas e cultural-ideológicas que envolve a atividade, o que torna sua abordagem bastante complexa.

O turismo se enquadra como importante atividade econômica na lógica do consumo, no conjunto de transformações gerais ocorridas nas práticas econômicas contemporâneas supracitadas com o aumento e especialização do comércio e serviços no setor terciário, tornando-se uma nova "indústria motriz" (VARGAS, 1996), muito embora seja uma atividade suscitada pelo uso do tempo do não trabalho, ( do ócio) com atividades consideradas de lazer. Articula a produção e consumo de bens, mercadorias, serviços e lugares e caracteriza-se por ser um turismo flexível, devido à flexibilidade e a segmentação das demandas e das ofertas turísticas, a busca de uma série de sensações que envolvem o consumo de bens imateriais, experiências intangíveis e serviços diferenciados (PAIVA, 2012).

O ponto de interseção da relação entre o turismo e as práticas políticas corresponde à incidência das novas atribuições do Estado no processo de acumulação, marcado principalmente pelo planejamento estratégico. Esta nova forma de planejar e gerir a cidade incrementa políticas públicas que favorecem a atuação do mercado, estimula a produtividade e competitividade urbanas, valorizando a imagem turística dos lugares e sua promoção através das estratégias de placemarketing. Há o favorecimento do poder político das elites e assimetrias de poder econômico e político entre turistas e residentes.

O turismo é uma prática social por excelência de emissão, transmissão e recepção de mensagens dos valores culturais e ideológicos, permitindo a troca constante de conteúdos simbólicos da cultura, da arte, da religião, do folclore, dos modos de vida, da culinária, da indumentária, da moda, etc. (PAIVA, 2012). O espaço, contudo, se torna um dos principais meios de expressão dessas práticas cultural-ideológicas, sendo as características particulares do ambiente construído e natural, insumos importantes para as práticas de consumo de experiências e de bens intangíveis suscitadas pelo "turismo flexível".

A intricada relação entre o turismo, a cidade e a arquitetura se refere em grande medida à questão do desenvolvimento sustentável e, no caso mais específico das cidades, ao desenvolvimento urbano sustentável. É recorrente neste discurso a necessidade de considerar a sustentabilidade ambiental, econômica, sociocultural e político-institucional como condições essenciais para conciliar o crescimento econômico e a conservação do patrimônio ambiental e cultural, além da manutenção dos recursos naturais. Entretanto, se por um lado as práticas socioespaciais atreladas ao turismo podem promover um desenvolvimento mais sustentável, por outro, podem conduzir processos contraditórios e excludentes, marcado pelos impactos na natureza, pelo confinamento dos espaços públicos de lazer, pela espetacularização do espaço urbano, pelo simulacro na arquitetura e na intervenção no patrimônio histórico e pela fragmentação e segregação socioespacial.

É importante salientar ainda que a produção e o consumo do “espaço turístico” inserem-se na produção e consumo do espaço em geral verificado no processo de reprodução da acumulação capitalista. Neste sentido, a produção e o consumo do espaço - destinado ao turismo ou não - não se excluem. A incidência espacial do turismo coincide com outras práticas sociais, com outros usos e apropriações, além das preexistências espaciais de herança histórica, gerando impactos, transformações e contradições, constituindo, assim, um dos principais dilemas da agenda do desenvolvimento urbano contemporâneo.

Em síntese, o processo de produção e consumo do espaço relacionado ao turismo se manifesta em várias escalas e compreende:

- a urbanização turística, que constitui o impacto da atividade turística no processo de urbanização de metrópoles ou cidades existentes ou de áreas próximas, seja com o uso ou apropriação das preexistências espaciais, seja com a construção e devoção de áreas exclusivas para o lazer turístico, configurando os “territórios turistificados”;

- a urbanização precária decorrente dos empregos formais e informais gerados pela atividade turística e no conjunto da cadeia produtiva que articula, que estimula também a migração;

- a provisão de infraestrutura de transportes, terminais aéreos, marítimos, fluviais e rodoviários e sistema viário, além das redes de comunicações, essenciais para garantir a acessibilidade e mobilidade necessárias aos fluxos turísticos;

- a criação de áreas de preservação e conservação urbana e natural, através da institucionalização de sítios históricos e áreas de preservação e conservação ambiental, apostando na capacidade destes atrativos turísticos de características espaciais particulares;

- o processo de reabilitação urbana de áreas históricas ou degradadas e os grandes projetos urbanos, resignificando os lugares;

- a implementação de equipamentos culturais, que concentram funções híbridas e de grande impacto na tessitura urbana, como os centros culturais, os “novos museus”, teatros, entre outros;

- a criação de ícones urbanos e arquitetônicos, valendo-se dos pressupostos do desenho urbano e arquitetura contemporâneos, impactando a construção da imagem da cidade e sua veiculação no mercado turístico global;

- a construção de centros de convenções, que alimentam os fluxos turísticos na baixa estação, em função da sazonalidade e incrementam o turismo de eventos;

- a articulação do turismo ao mercado imobiliário e à construção de novas tipologias de segundas residências e de empreendimentos turísticos imobiliários;

- a estruturação de rede de hotelaria nas suas mais variadas modalidades (hotéis, pousadas, flats, resorts, albergues, etc.);

- o incremento do setor terciário e a criação de lugares de consumo de bens tangíveis e intangíveis privilegiados, agregando comércio e serviços avançados com atividade de entretenimento, cultura, compras e gastronomia;

- e, finalmente, a promoção de eventos de escala internacional, nacional e local, de caráter esportivo ou cultural, que mobilizam muitas das manifestações supracitadas; Com base nas nos estudos realizados pelos participantes, provenientes de seis instituições diferentes, no âmbito das suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, os temas apresentados nos resumos buscam enfatizar alguns dos aspectos supracitados que discutem o papel do turismo na produção e consumo do espaço, bem como a sua relação com o planejamento e desenvolvimento urbano.

A temática central da Sessão se desdobra em enfoques específicos, a saber: o conceito de turismo urbano, sua relação com turistas e residentes, e seus reflexos na gestão e intervenção no espaço urbano; as articulações entre a atividade turística, o entretenimento, o lazer e a arquitetura no desenvolvimento urbano; a relação entre a atividade turística e a mobilidade urbana e o transporte público; as transformações no planejamento e gestão urbana suscitadas pela realização de megaeventos; e finalmente as articulações entre a atividade turística e o mercado imobiliário, na forma de segundas residências e empreendimentos turísticos imobiliários, tomando-se como estudo de caso a cidade de Maceió.

Exposição: Turismo e megaeventos: a cidade como negócio

Expositor: Ricardo Alexandre Paiva (UFC)

Resumo: A magnitude que qualifica um megaevento se sustenta na mobilização, além da atividade turística e do evento em si, de uma variedade de ações e dimensões econômicas, políticas e simbólicas, que transcendem a escala local e apontam para um elevado nível de articulação entre os lugares e os agentes envolvidos globalmente e se traduzem em uma complicada trama de interesses, conexões, contradições e conflitos. Na perspectiva do turismo, estes megaeventos, pela grande cobertura e audiência da/pela mídia internacional na contemporaneidade, constituem uma oportunidade singular de estimular a produtividade e competitividade do lugar sede, potencializando não somente as atividades específicas relativas ao evento, mas toda a cadeia produtiva, modalidades e segmentações atreladas ao turismo, além das outras atividades econômicas, transformando a cidade em um grande negócio. Os megaeventos exigem intervenções no espaço, uma vez que a atratividade dos lugares por si só não permite o pleno desenvolvimento dos fluxos turísticos, sendo necessário a provisão de infraestruturas urbanas e edilícias para a sua efetivação. A promoção de megaeventos mobiliza simultaneamente, de forma concatenada ou não, práticas de ócio e negócio, que são capturadas pela atividade turística como estímulo para a reprodução do capitalismo, pela quantidade de outras atividades que engrena (primário, secundário e terciário), colocando a arquitetura e a cidade como protagonistas no desenvolvimento urbano contemporâneo. Nesta direção, o artigo analisa a articulação dos megaeventos à provisão de infraestruturas urbanas e edilícias e à construção da imagem turística dos lugares.

Exposição: Turismo urbano: subsídios conceituais para a gestão urbana

Expositora: Heliana Comin Vargas (USP)

Resumo: O presente artigo busca refletir sobre o conceito de turismo urbano e identificar quem é de fato este visitante que usufrui do urbano assumindo o perfil de turista que esta em busca das aventuras do não cotidiano, e seus reflexos na gestão e intervenção do espaço urbano. Com esta intenção discute: a complexidade do estudo do turismo urbano; a imprecisão na definição do termo; a mudança das motivações para visitação turística ocorridas no tempo; a dificuldade de contabilizar os turistas urbanos; a utilização conjunta dos serviços e infraestruturas por turistas e moradores; a atração espontânea de turistas sem acoplar a adjetivação de cidade turística. A discussão proposta busca identificar o turista urbano que ao misturar-se com o morador das grandes cidades assumem, conjuntamente, a condição de consumidores de lugar, contribuindo para relativizar as definições tradicionais de turista como alguém que gasta mais de 24 horas fora de casa. Nesta direção, o consumidor de lugar, incluindo nesta categoria todos os que consomem ou experienciam a cidade, incluindo os visitantes que não pernoitam na cidade (excursionistas), independentemente das motivações da viagem, assim como seus moradores, são considerados turistas urbanos. Estas reflexões, então delineadas, conduzem a melhor entender as dificuldades de gestão urbana, relativamente à atividade turística, principalmente nas metrópoles. Nelas, a sobreposição da oferta de atividades para moradores e turistas bem como a falta de visibilidade da presença dos turistas na cidade e seu impacto na dinâmica urbana dificultam a melhor apropriação das rendas urbanas geradas e a gestão adequada da cidade.

Exposição: Turismo e entretenimento urbano: arquitetura do lugar

Expositores: Lineu Castello (UFRGS), Leandro Forgiarini (UFRGS)

Resumo: Cada vez mais as cidades têm se apresentado como a melhor alternativa para a fruição das práticas de lazer e de entretenimento. Nelas, a oferta de lugares representa a chance real de se levar a diante um sem-número de experiências que tenham no urbano uma fonte para o contentamento humano. A cidade é um convite ao flanar pela diversidade de seus oásis de prazer. Quando fruída na dimensão do entretenimento, pode ser percebida a partir da arquitetura do lugar que aproxima o sujeito de um senso de “feliz cidade” e que vem a ser a mais genuína idealização de um auspicioso plano de viagem. Sobretudo as grandes cidades contemporâneas conservam uma aura de atratividade que as colocam em posição de absoluto destaque dentre as opções de lugares a serem visitados por turistas em busca de lazer e entretenimento. É o caso, por exemplo, de verdadeiros ícones do turismo no ocidente como Nova York, Londres e Paris. Essas cidades incríveis e seus lugares igualmente fantásticos propalam opções de entretenimento que transformam as práticas dos turistas em experiências de partilha da urbanidade entre si e com as pessoas que nelas residem. A arquitetura do lugar que atrai o olhar e desperta o interesse; que provoca sensações de prazer e convida à fruição; que envolve os sentidos e a percepção das pessoas; é o tema que se propõe a tratar no presente trabalho, tendo a atividade turística, o entretenimento, a arquitetura e a noção de urbanidade como linhas gerais de cruzamento.

Exposição: As mobilidades turísticas em grandes cidades brasileiras: reflexões preliminares

Expositor: Thiago Allis (UFSCar-Sorocaba)

Resumo: Em geral, os estudos sobre o turismo ancorados ciências sociais enfatizam aspectos, impactos e possibilidades da relação entre anfitrião e visitante, que oportunizam, em vários graus de intensidade, momentos de hospitalidade ou hostilidade, a depender do encadeamento de situações. Quando a atividade turística se desenvolve em grandes cidades, os visitantes se misturam à rotina urbana, o que pode ensejar interações mais orgânicas com as particularidades dos destinos visitados. Assim, o estudo das mobilidades urbanas pode ser considerado um caminho para melhor compreender a própria dinâmica do turismo nas grandes cidades. Dadas as dimensões e particularidades socioespaciais das aglomerações urbanas, as situações de deslocamento – desde o flanar por áreas históricas até os sobrevoos de helicóptero, passando pelo uso dos transportes públicos e as sensações nos interstícios do
ambiente construído – põem em destaque características do turismo urbano que demandam convergências entre várias áreas do conhecimento para a compreensão do turismo em tempos de “mobilidade sobre-moderna” (AUGÉ, 2010). Neste trabalho, pretende-se apresentar e discutir elementos de mobilidade nas principais metrópoles brasileiras, com o cuidado de entender, preliminarmente, as maneiras através das quais o turismo participa como motivação para os deslocamentos intra-urbanos, tendo por referência os sistemas de transporte público e a dinâmica turística dessas localidades. Do ponto de vista teórico metodológico, o estudo está lastreado nos princípios dos “novos paradigmas de mobilidade” (SHELLER, URRY, 2006), bem como nos modelos de viagem e deslocamentos turísticos (PEARCE, 2003; LEW, MCKERCHER, 2006).

Exposição: More em um cartão postal: a expansão imobiliário turística no litoral norte de Maceió

Expositoras: Cristina Pereira de Araujo (UFPE), Vanessa Taciana Chagas de Lima (UFAL)

Resumo: Esse artigo discute a produção do espaço urbano tendo como foco os empreendimentos turísticos imobiliários (ETIs) e sua capacidade de resiliência enquanto produto. Fruto da fusão entre segundas residências e resorts, os empreendimentos turísticos imobiliários ganharam expressividade desde os anos 1990 ancorados pela liberalização financeira. Somam-se a isto, as políticas públicas de turismo enquanto agente facilitador do processo, seja pela provisão de infraestruturas, seja pelos incentivos fiscais. No entanto, a crise financeira internacional de 2007 gerou um reposicionamento de investimentos e estratégias de negócio imobiliário, colocando em cheque a viabilidade dos ETIs no sentido de se avaliar a relevância da tipologia resort como âncora para a sustentação de lançamentos imobiliários à beiramar. É nesse contexto que se apresenta o litoral norte de Maceió. Do bairro de Cruz das Almas até o bairro de Ipioca, limite com o município de Paripueira, esse trecho do litoral era prioritariamente habitado por vila de pescadores, casas de veraneio e resorts. No entanto, a inauguração do shopping Parque Maceió em 2013, em Cruz das Almas, iniciou um rápido processo de lançamentos imobiliários na região norte litorânea. Além das implicações ambientais, esse artigo busca investigar se o turismo é um fator preponderante para essa expansão urbana ou se trata de um transbordo populacional das camadas de alta renda de Maceió que já ocupam as praias urbanas. O levantamento da tipologia dos empreendimentos, do público a que se destina e dos sistemas de governança presentes são indicadores que auxiliarão na compreensão da dinâmica que ora se desenha.

Publicado
2019-05-21
Seção
Sessão Livre