SL25 Produção imobiliária e reconfiguração das cidades:

espaço e política

  • Paulo Cesar Xavier Pereira
  • Lúcia Zanin Shimbo
  • Carlos Teixeira de Campos Junior
  • Maria Beatriz Cruz Rufino
  • Márcia Saeko Hirata
Palavras-chave: Produção imobiliária, reconfiguração da cidade, espaço e política

Resumo

SL-25. Produção imobiliária e reconfiguração das cidades: espaço e política

Coordenador: Paulo Cesar Xavier Pereira (USP)

Resumo:

Atualmente se reconhece que as orientações do planejamento e do desenvolvimento das cidades calcado na tradicional visão do urbano subordinado à industrialização não atingiu os resultados esperados e precisa ser superada, senão, negada. Nesse sentido, vem se mostrando cada vez mais necessário refinar uma visão urbana capaz de pensar a construção de oportunidades de emancipação social e novas possibilidades de organização do espaço. Partindo dessas inquietações, o objetivo dessa Sessão Livre é apresentar reflexões críticas, resultados e alguns desdobramentos do Projeto de Pesquisa, Produção imobiliária e reconfiguração das cidades contemporâneas: contradições e conflitos urbanos, realizado entre janeiro de 2012 e maio de 2014.

Assim, da mesma maneira que esse projeto, pensado numa perspectiva multidisciplinar, reuniu pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento e instituições universitárias procurando avançar na discussão teórica e crítica relacionando o debate histórico sobre a construção com o das dinâmicas imobiliárias atuais de reconfiguração das cidades, se busca nessa Sessão Livre explorar as contradições e conflitos urbanos emergentes nos diferentes contextos das cidades contemporâneas discutindo suas potencialidades. Nela tão importante quanto expor esse debate à comunidade acadêmica, é dar continuidade a essa interlocução entre os pesquisadores, avançar na elaboração coletiva e interdisciplinar do processo urbano desenvolvendo a cooperação universitária, reforçada pela realização de um novo Projeto dessa equipe, intitulado Financeirização da cidade: estratégias de valorização imobiliária e produção da desigualdade, com apoio do CNPq e em fase inicial.

Considerando a produção imobiliária como centro focal de análise e desenvolvimento das diferentes pesquisas procurou-se definir com rigor o seu significado urbano e, também, industrial sem reduzir essa produção à tradicional visão fabril, buscando problematizá-la a luz dos debates mais profícuos. De maneira que o grupo de interlocução buscou referência em pesquisas de diferentes realidades urbanas e se apoiou nas ideias de Lefebvre (1972 e 1973) de que foi o desenvolvimento urbano das cidades e, particularmente, a emergência do “imobiliário” que assegurou a sobrevida do capital. Foi por meio da instrumentalização do espaço, que a economia imobiliária assumiu importância mundial. Por isso, além de relevar o estudo da produção do espaço, colocou-se em questão o significado da “terra” submetida ao capital numa perspectiva urbana. Cabendo lembrar que ela não é uma mercadoria real, mas algo artificialmente mantido pelo mercado por não ser produzida para a venda, como definido por Karl Polanyi (1944). E retomando Lefebvre (1970) não se pode esquecer que a propriedade da terra é uma irracionalidade necessária à reprodução das relações sociais capitalista, que se mostra socialmente perversa e devastadora da natureza. Por isso se torna imperativo (re)significá-la em função da qualidade da vida urbana apoiando-se na crítica da economia política contra a ilusão urbanística para que se possa avançar o direito à cidade.

Dentro desse enfoque, a pesquisa de cidades (mais e menos) globais e globalizadas serviram de referência para compreender o sentido do que muda e do que permanece na reconfiguração atual, que tende a ser planetária. Essas mudanças emergem banalizadas e assumem vários sentidos: renovação urbana, recuperação de áreas centrais, criação de áreas turísticas, hotelaria de luxo, parques de lazer, industrial ou tecnológico, bem como o surgimento de novas formas de morar, seja em condomínio ou fora deles e, também, pela ocupação de ruas, praças e áreas baldias por quem não consegue pagar para morar. Nesse quadro, a reconfiguração da cidade pode ser descrita pelo aumento da dispersão em extensa mancha urbana, reforçando a policentralidade e uma nova periurbanização, mas também pela concentração de grandes investimentos imobiliários que elegem a forma condominial e verticalizada urbana por elevar a lucratividade, sem dispensar à maximização da renda. A cidade, assim reconfigurada, revela com violência que já não se contém no limite institucional do planejamento e apresenta tendências à dissolução do urbano junto com a necessidade de sua superação.

Assim, ter a produção imobiliária como foco significa construir uma articulação dialética entre produção e consumo e, como método de reconstituição histórica, compromisso com a totalidade e, portanto, com as diferentes esferas da existência urbana. Esse critério é estratégico para compreender o momento atual como entrelaçamento de processos inconclusos e emergentes no qual novas lógicas de produção do espaço dominadas pelo caráter “patrimonial” da propriedade imobiliária e da propriedade financeira, para formular como Chesnais (2005), colocam em risco não só a pertinência do planejamento, mas a qualidade do urbano e a continuidade da urbanização.

Fundamentalmente, questiona-se as interpretações tradicionais sobre construção da cidade, que entendiam a construção como setor industrial “atrasado” e procura-se discutir o protagonismo do “imobiliário” nas crises recentes. Considera-se que nessa passagem de século, a globalização e o crescente poder das finanças permitiram ao capital enfrentar as dificuldades e manter a continuidade da reprodução capitalista em um mundo saturado pela produção de manufaturados (Brenner, 2003). E, destaca-se que, paradoxalmente, a financeirização consorciada com o desenvolvimento da produção imobiliária vem impondo a partir do caráter dominante da formaincorporação uma racionalidade produtiva no projeto e no canteiro de obras, que jamais foi alcançada pelo capital industrial.

Deve-se considerar que o avanço de uma nova racionalidade nesta produção, pautada pela financeirização, encontra apoio na ação do Estado, que busca a inserção das cidades no contexto mundial a partir de uma dinâmica associada às atividades imobiliárias no sentido de auferir cada vez mais rentabilidade potenciando o poder do patrimônio e sua valorização. O Estado, tanto por sua presença omissa, como pela captura da política urbana, continua se reajustando da maneira mais conservadora, tornando-se refém da dominação partilhada entre agentes financeiros e imobiliários, que exacerba na rentabilidade patrimonial de traço rentista e exterior à produção (Chesnais, 2005). Esses agentes pilotam os megaprojetos de reconfiguração e se favorecem com os sofisticados negócios financeiros e imobiliários, banalizando a paisagem urbana com artefatos arquitetônicos, que se repetem indiferentes à cidade e aos seus habitantes.

Em todos os casos, essa reconfiguração da cidade tende a subverter estrutura, forma e função com origem na urbanização industrial. No caso brasileiro, e mesmo do desenvolvimento das cidades latino-americanas, foi característico durante a maior parte do século XX o adensamento de uma área moderna circundada por um crescimento extensivo promovendo um contraste territorial a serviço da indústria, que substituía importações e conseguia baratear o salário por generalizar a produção imobiliária extensiva da casa-própria utilizando trabalho do próprio morador. Este crescimento urbano precário e desigual predominou até os anos 1970, privilegiando o ganho com a produção de lotes urbanos sem qualquer urbanismo que aumentavam de preços pela mera transformação do uso da terra. Desde então, esse modelo de crescimento urbano precário mostrou sinais de esgotamento e, neste século, com o avanço das reformas financeiras e imobiliárias facilitando o crédito e a generalização da forma-condomínio, a produção imobiliária intensiva tornou-se hegemônica. A demarcação dos preços dos imóveis passou a ocorrer pela capitalização da renda imobiliária na construção e não mais apenas pela transformação setorial do uso da terra e da renda fundiária. Esta passagem, mudanças na produção e produtos, assim como nos mecanismos de preços e de capitalização da renda conforma uma reestruturação imobiliária e vem “mascarando” a crise urbana, como se esta fosse um problema localizado e de mercado, mas ao configurar-se em crise imobiliáriafinanceira, torna-se manifesto seu caráter mundial. Porém, a reestruturação ao generalizar a forma-condomínio na produção por incorporação de propriedades horizontais ou verticais, intensifica a renda capitalizada e a sua privatização, tornando impagável a moradia na cidade. Ressalte-se, que essa reestruturação questiona o caráter absoluto da moderna propriedade privada da terra, mas faz esse questionamento apenas do ponto de vista do capital ao potenciar a privatização de “direitos a rendas” patrimoniais sob a forma de juros e de renda da terra. Por isso mesmo, a atual reconfiguração da cidade se mostra como mero produto imobiliário, embora possa conter a utopia de outra política urbana.

Enfim, a exposição proposta para a Sessão Livre ressalta a atualidade da produção do espaço, que ao consorciar o imobiliário e o financeiro na reconfiguração da cidade, aprofunda contradições e renova conflitos que implicam em novas formas de política e de construção da cidade.

Referências:

BRENNER, Robert. O Boom e a Bolha. Os Estados Unidos na economia mundial. São Paulo: Record, 2003.

CHESNAIS, François (org.). A finança mundializada. São Paulo: Boitempo, 2005.

LEFEBVRE, Henri. La survie du capitalisme. Paris: Anthropos, 1973.

__________, Le droit à La ville suivi de Espace et politique. Paris: Anthropos, 1972.

__________, La Révolution Urbaine. Paris: Galllimard, 1970.

POLANYI, Karl. [1944] A grande transformação. As origens de nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 1980.

Exposição: Reestruturação imobiliária: generalização da forma-condomínio e do poder das finanças

Expositor: Paulo Cesar Xavier Pereira (USP)

Resumo: A ideia de reestruturação imobiliária identifica o que seria essencial ao atual momento de reconfiguração das cidades. Entende-se que essa noção ao abarcar a produção do espaço, imediata e global, sintetiza diversas reestruturações e revela o ponto crítico do processo de produção imobiliária e do valor. A totalidade da reprodução capitalista articula as formas de produção do espaço – doméstica, encomenda, para mercado e estatal - e manifesta a dinâmica das lutas dos grupos sociais pela apropriação da cidade e da riqueza social. Nessa luta desigual, atualmente, dominam forças concentradoras da economia e centralizadoras do poder significativamente distintas daquelas que provocaram as demandas sociais e os movimentos populares do passado. Para avançar a compreensão desses conflitos que se revelam essencialmente urbano é importante identificar que contradições a generalização da forma-condomínio e do poder das finanças movimentam na construção da cidade subvertendo espaços, produtos e formas de apropriação imobiliária. Nessa analise, cabe elucidar o campo cego da emergência do “condomínio” reduzido à materialidade de artefato arquitetônico obscurecendo a propriedade condominial consorciada com o financeiro como maximização de ganho patrimonial sob a forma de juros e renda da terra. Discutir como a exacerbação dos processos espoliativos financeiros e imobiliários torna a cidade inabitável para quem não pode pagar levando parcela dos habitantes a atos de desespero ou a movimentos urbanos de protestos. Assim, poder-se-á entender porque a atual reconfiguração da cidade acontece como reestruturação embora apresente potencialidades de uma crise com maior amplitude.

Exposição: Produção imobiliária e financeirização da construção: produtividade e tecnologia

Expositora: Lúcia Zanin Shimbo (USP)

Resumo: Talvez, tão importante quanto discutir, como fez Lefebvre, a insuficiência da visão industrial para compreender o urbano, é a necessidade da crítica à visão dualista da urbanização e principalmente da ideia de que a construção seria uma indústria atrasada. Por isso, esta apresentação destaca a relação entre produção imobiliária e financeirização presente em grandes incorporadoras e construtoras que atuam na promoção contemporânea de habitação, com forte apoio do Estado. A hipótese a ser discutida é a de que o capital financeiro está conseguindo impor uma racionalidade produtiva (envolvendo produtividade, tempo e tecnologia) que o capital industrial não conseguiu implementar na construção civil. Isso porque essa nova racionalidade coincide tanto com a mecanização do canteiro (com aumento
significativo de maquinário de transporte, na maioria das vezes, alugado de poucas empresas de locação e produzido por pouquíssimas indústrias internacionais), quanto com a contratação de subempreiteiras (pequenas empresas, ainda com muito emprego de mão de obra). Além disso, exige controle centralizado na sede da empresa, baseado num sistema de gestão online utilizando tecnologia de informação bastante sofisticada – muitas vezes adquirida de fornecedores internacionais. Esse comando envolve, por sua vez, investidores estrangeiros que adquiriram ações de tais empresas na Bolsa de Valores e os proprietários nacionais, além de executivos com perfis mais próximos do setor financeiro do que da construção civil. Revela-se assim, a particularidade dos caminhos produtivos e tecnológicos que levam à financeirização da construção, numa perspectiva absolutamente voltada para a concentração de capital em grandes empresas nacionais e internacionais.

Exposição: Formas de produção imobiliária e mudanças espaciais das cidades: uma análise dos municípios de vitória e vila velha, ES.

Expositor: Carlos Teixeira de Campos Junior (UFES)

Resumo: Essa apresentação pretende mostrar a relação entre produção espaço e as mudanças das cidades, tendo como foco o estudo das formas de produção da construção imobiliária, em Vitória e Vila Velha. Que relações podem ser percebidas entre as formas de produção da construção imobiliária e a configuração da cidade de Vitória, horizontal, vertical, e aquela configuração que se estende para o município vizinho de Vila Velha, que hoje cresce de maneira intensiva e dispersa nas áreas anteriormente de ocupação extensiva e informal? Utiliza-se o conceito de continuidade e descontinuidade do mesmo modo que Lefebvre, quando apresenta seu eixo espaço-temporal em referência à urbanização completa da sociedade. Cada forma de produção resultaria em uma continuidade da construção que seria superada por outra, numa descontinuidade impulsionadora para nova continuidade estabelecida em outras bases. O conceito desse mesmo autor sobre o obstáculo e impulso que a propriedade da terra apresenta para a produção imobiliária foi outra referência importante, utilizada na discussão das mencionadas continuidade e descontinuidade. O entendimento das formas de construção terá como base a fórmula trinitária do valor em Marx, e a cada uma dessas formas de construção haveria uma urbanização que lhe fosse solidária. Por fim, como resultado, mostrou-se que a cidade horizontal estava relacionada com a construção realizada por encomenda; a verticalização indicou o ingresso da construção no mercado e o crescimento disperso e intensivo das áreas até então periféricas evidenciou a dominância financeira na construção imobiliária que, mudando, passou a ter maior autonomia em relação à urbanização.

Exposição: Incorporação e metropolização: novas desigualdades urbanas na reconfiguração da região metropolitana de fortaleza

Expositora: Maria Beatriz Cruz Rufino (USP)

Resumo: Considerando as importantes mudanças evidenciadas na produção imobiliária no Brasil durante a primeira década do século XXI, e as relações sociais específicas da produção do espaço em Fortaleza, procuro contribuir aprofundando a discussão de dois conceitos chaves: Incorporação e Metropolização. Tratam-se respectivamente de uma forma de produção imobiliária particular e de um processo particular de reconfiguração das metrópoles, ambos dominantes na atualidade. Acreditamos que as características assumidas por essa forma particular de produção imobiliária, a partir do domínio das grandes empresas de incorporação, consolidaram-na como um objeto privilegiado para a compreensão e interpretação crítica do processo de reconfiguração – a metropolização. Desta forma procuramos também articular as discussões de uma ordem imediata – relacionada diretamente com a produção material do edifício – a uma ordem mais global – relacionada à produção do espaço como totalidade. Para o desvendamento dos significados do protagonismo desta forma, recuperamos inicialmente sua conceituação teórica para, em seguida, avançarmos na discussão sobre os contornos particulares assumidos na atualidade. Consolidando-se como um meio privilegiado de centralização do capital na produção do espaço, a incorporação passa a assumir domínio sobre as demais formas. Nesse sentido, a investigação das estratégias dos principais agentes da incorporação em Fortaleza permite iluminar o vertiginoso processo de valorização imobiliária que, articulado a emergência de novas formas espaciais, impõe dinâmicas decisivas no processo de metropolização que tendem a ampliar em intensidade e escala as desigualdades urbanas.

Exposição: Financeirização e campo cego: contradições da reconfiguração urbana e ambiental das cidades

Expositora: Márcia Saeko Hirata (UFSJ)

Resumo: Nos últimos anos consolidamos a visão urbana que nos permite discernir práticas sociais que buscam possibilidades emancipatórias e avanço das formas de apropriação do espaço contrárias à sua apropriação como valor de troca. Desde o caso do catador, que emerge como sujeito político e cujo trabalho produz espaço para além da situação de exclusão, até a luta dos movimentos de moradia na área central da cidade de São Paulo, identificamos a instituição de qualidades urbanas que se contrapõem ao quantitativo estabelecido pelo capital. Com isto iluminamos parte do campo cego de práticas urbanas subordinadas à industrialização, como nos propõe Lefebvre (1970). Para continuarmos na elucidação da cegueira industrial, neste mesmo eixo espaço-tempo lefebvriano temos, além da luta pela qualidade e formas de acesso à terra, a necessidade de compreender a cidade como segunda natureza socialmente produzida, o que acrescenta uma contradição mais ampla que as anteriores, agora entre o capital e a natureza. Assim, até por não ser independente da concentração e financeirização do uso do espaço pelo capital, encontramos o conflito ambiental tanto na grande quanto nas pequenas cidades, como na histórica São João del-Rei, em Minas Gerais. Tal contraposição, em uma perspectiva interescalar e processual da produção do espaço, revela como o conflito entre a presença de voçorocas e os recentes investimentos imobiliários, entre produções habitacionais populares e de classe média, não são menores. Fazem parte da problemática urbana contemporânea, não podendo ser banalizado pela espetacular reconfiguração urbana, que torna raro o que era abundante.

Publicado
2019-05-21
Seção
Sessão Livre