SL24 Grandes Corporações e Estado:
dominação, conflitos e resistências
Resumo
SL-24. Grandes Corporações e Estado: dominação, conflitos e resistências
Coordenadora: Edna M. Ramos Castro (UFPA)
Resumo:
1 – Apresentação e justifica Assistimos, no presente, ao aprofundamento da relação entre Estado e grandes corporações com o suporte financeiro dos bancos internacionais e dos bancos estatais. Chamamos atenção, no Brasil, para o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), cujas estratégias têm contribuído para reconfigurar o espaço social gerando impactos nas esferas da reprodução da família, do trabalho e da cultura, e comprometendo a natureza com processos diversos e recorrentes de degradação ambiental.
A formação de blocos econômicos e de grandes corporações constituiu uma estratégia de mercado que modificou os modos de vida desde o século passado. As empresas transnacionais e os organismos multilaterais, enquanto atores globais e com capital político, acabaram por reforçar ainda mais a posição hegemônica e o modelo neoliberal pressionando a esfera política para ganhar ou assegurar espaços na nova economia competitiva. Os estados nacionais permanecem com papel importante na constituição da nação, mas sob restrições impostas pela lógica liberalizante do capital tendo muitos sucumbido aos acordos de agências reguladores internacionais, sacrificando trabalhadores e a sociedade em geral, como observado na crise de países da Comunidade Econômica Européia (CEE).
Nessa perspectiva se reconfiguram as grandes corporações e suas estratégias de expansão e subordinação de territórios, em varias direções, seja nas cidades com a expansão imobiliária, a construção de grandes obras e ainda, a produção de grandes eventos. Todos eles avançam e transformam a vida das pessoas, expropriando, vulnerabilizando e as empurrando para áreas mais distantes e com menor qualidade ou inexistência de infraestrutura. Sejam as grandes corporações que se movem sobre as terras e os recursos naturais, caso no Brasil de setores como a mineração, o agronegócio, as obras de infraestrutura de energia e transporte. As crises financeiras desde o inicio do século XXI mostraram a instabilidade do modelo neoliberal e a artificialidade dessa economia volátil que segmenta e barbariza a sociedade e gera problemas ambientais que estão chegando à beira do incontornável.
A relação tripartite entre o Estado, os Fundos de Participação dos grandes bancos estatais e as grandes corporações serviu e tem servido de base para o ingresso das grandes corporações brasileiras em países, a exemplo da América do Sul e da África, uma vez que o BNDES só financia projetos de empresas brasileiras.
A relação Estado x economia se estreita crescentemente, uma vez que os fundos de participação dos grandes bancos estatais detêm uma participação nessas grandes corporações, como é o caso do BNDES-PAR e outros. Assim, são abertos editais e linhas de financiamento para grandes obras públicas, em que essas grandes corporações de diversos setores concorrem de forma articulada pelos recursos públicos. Podemos dizer que não constitui novidade pois desde as obras de Brasília, durante o governo de Juscelino Kubistchek (1955-1960), foram realizadas com base em compromissos entre o empresariado e os órgãos estatais. Nos governos militares (1964-1989), varias corporações brasileiras cresceram com a realização das obras públicas, sobretudo nos setores de infraestrutura, estradas, habitação, minas e energia. Na ditadura as empresas estrangeiras ganharam espaços relevantes de mercado, mas com a estatização das obras públicas foi dado prioridade às empresas nacionais. Isso certamente contribuiu para gestar e nutrir uma parceria público privado que se desdobra até os dias atuais.
A ditadura adotou a estratégia de apoio ao grande capital através de políticas de incentivos fiscais, incentivo à diversificação das empresas de engenharia e extração mineral que ocorreu paralelamente ao incentivo às empresas nacionais para realizarem obras no exterior em ramos como a agricultura, a mineração e a petroquímica. Resulta daí uma oligopolização de grandes conglomerados econômicos em diferentes setores (mineração – Vale; extração mineral – Petrobrás, etc.) atuando articulados às grandes empreiteiras (Camargo Correa, Odebrecht, Mendes Júnior, entre outras).
Embora o período dos grandes projetos estatais aparentemente tenha se encerrado com o governo do presidente Sarney (1984-1989), tornando-se o Estado o promotor e financiador através de seus bancos estatais, tem-se nos últimos anos uma retomada massiva das ações das grandes corporações, dentro e fora das áreas urbanas, reconfigurando o espaço social, com intervenções relacionadas ao abastecimento de água (transposição e represamento de rios), de energia (represas, hidrelétricas, gasodutos, linhas de transmissão, termelétricas), aos transportes (megaportos, rodovias, sistemas intermodais) e à extração mineral (Petrobrás, Vale), que demandam a implantação de grandes complexos urbano-residenciais, o que leva a criação de enclaves de diferentes tipos com distintos impactos socioambientais. Essas
ações de diferentes capitais articulados com a formação conglomerados multisetoriais, que abrangem diferentes setores produtivos, como a Odebrecht-Braskem, Andrade Gutierrez-Telecom-CEMIG-Light, Camargo Corrêa-CPFL/AES-Banco do Brasil – BNDES, Aberdeen Asset Management PLC- Renner – Multiplan Emp. Imobiliários- Renner – Cremer – Saraiva – Vale entre outras, indicam uma retomada das parcerias e interesses forjados durante o desenvolvimentismo, que ganharam corpo e se aprofundaram com o regime militar.
As grandes obras de infraestrutura são retomadas no presente e apresentadas à sociedade brasileira pelo Estado como uma “visão de futuro”. Elas constituem a espinha dorsal do planejamento nacional, e da proposta de crescimento econômico – PAC I e PAC II - direcionadas ao transporte, à energia (diga-se, sobretudo, à hidroelétricas) e à comunicação. A região amazônica é vista nesta perspectiva como o espaço essencial de expansão da economia e por isso a abertura dos caminhos do Atlântico ao Pacífico é chave na logística de transporte. Mas a abertura de estradas é também uma estratégia público x privado de incorporação de novos territórios ao mercado de terras. Sob essa perspectiva percebe-se um novo momento de intervenção do Estado brasileiro junto com as grandes corporações internacionais, para ocupar novos territórios de exploração de recursos naturais e viabilizar a intensificação dos fluxos econômicos. Esses processos, de “conquista colonial” e de dominação tem sido desastrosos na vida de populações tradicionais, de povos indígenas, de territórios quilombolas e de pescadores, em todos os estados da Amazônia brasileira. Mas as ocorrência se multiplicam também em outras regiões do pais, ou seja, desterritorializaçao, negando direitos ancestrais à terra. e impedindo a reprodução de modos de vida. Processos esses que reafirmam as novas alianças entre Estado, bancos e corporações nacionais e internacionais. legitimadas pelo Estado como “processos civilizatórios”. Não por acaso houve também o aumento do desmatamento acompanhando os novos negócios que se estabelecem nas velhas e nas novas fronteiras da Amazônia. O Estado, para além da questão regional, pensa o pais como um espaço estratégico no âmbito de uma economia mundializada que potencializa o aumento dos interesses por parte de grandes empresas e corporações.
A proposta desta sessão livre é analisar distintos aspectos da relação Estado e grandes corporações, atualizar o debate e discutir uma agenda de pesquisa que procure dar conta das configurações em curso. Interessa-nos, identificar e mapear as ações e interações dessas empresas com o Estado e suas ramificações inter-setoriais, e regionais, de modo a poder avaliar e refletir sobre o seu papel como agente econômico na produção, organização e desorganização do espaço social em diferentes escalas do local ao global. Analisar as estratégias empresariais no território no sentido de revelar seus impactos sociais e ambientais considerando que os processos de dominação e de modernização conservadora e autoritária em curso, no pais, têm provocado conflitos e resistências de várias naturezas. A insurgência de sujeitos ou agentes sociais na cena política nacional tem contribuído de forma expressiva na construção da crítica aos processos de dominação do Estado e das grandes corporações. E por isso esta Sessão Livre se propõe a uma discussão sobre a complexidade desses processos, da interposição de escalas, de formas de dominação e de conflitos, e das disputas que constituem dimensões essenciais na sociedade, agravadas certamente no presente pelas alianças celebradas, à revelia da sociedade, entre Estado e grandes corporações.
Exposição: Grandes corporações mundiais de energia e de água: Estado, dispositivos legais e transformações no território
Expositora: Edna M. Ramos Castro (UFPA)
Resumo: Este estudo se dedica a explorar a dinâmica de agentes econômicos no mercado globalizado, revelando suas estratégias expansionistas sobre novos territórios de recursos, a exemplo da retomada da construção de grandes hidroelétricas – setor energia - no Brasil e em paises vizinhos como Bolívia e Peru. Na nossa argumentação mostramos a estreita relação entre os interesses do setor energético, com a construção de grandes barragens, e os voltados aos recursos hídricos conforme demonstram os discursos de agências como a OMC, Banco Mundial e FMI com relação ao que denominam de “setor água”. A água se tornou um tema central nas negociações da ONU sobre o acesso à água potável enquanto direito fundamental, face às instituições econômicas de regulação global como o FMI, o GATS e a OMC. Este artigo objetiva analisar a retomada da construção de grandes obras hidrelétricas no Brasil, e na Amazônia em particular por ser a região com maior potencial hídrico no pais e justamente sob a ameaça de centenas de hidroelétricas construídas até meados do século XXI. Pretendemos explicitar os interesses de grandes empresas do “setor agua”, como a empresa Suez, através de sua participação nos estudos de viabilidade. Enfim, contribuir com o esclarecimento da ação de grandes empresas/corporações no Brasil, seus interesses e estratégias do mercado global da energia e da água e seus efeitos sobre os territórios nacionais, (sociais, territoriais, econômicos e étnicos), seja sobre aglomerações urbanas, rurais ou indígenas, com destaque sobre hidrelétricas em regiões de floresta amazônica. Exposição: Relações perigosas.....aproximações entre capital e estado na produção do espaço Expositora: Heloísa Soares de Moura Costa (UFMG) Resumo: As estreitas relações entre estado e capital na produção do espaço abstrato assumem diferentes contornos, variando, dentre vários fatores, com a centralidade de um determinado setor do capital para o processo de produção e reprodução social de um dado território ou região, bem como com o formato e alcance das políticas públicas em diferentes escalas para atrair e regular o investimento público ou privado em grandes projetos. Nesta sessão, busca-se discutir algumas implicações territoriais e socioambentais desta simbiose entre investimentos públicos e privados na produção do espaço enfatizando-se o alcance e as limitações dos mecanismos de regulação, de controle social e/ou de indução da localização destes investimentos. Em termos mais amplos toma-se como referência o permanente e crescente dilema que se coloca aos governos, em especial no nível local, entre o empreendedorismo competitivo e posturas desenvolvimentistas matizadas por princípios de solidariedade e justiça sócio-ambiental. Toma-se como referência o processo recente de expansão metropolitana de Belo Horizonte e sua região, por se constituir em campo fértil de exemplos que iluminam a discussão proposta, tanto de parcerias público-privadas em empreendimentos complexos - imobiliários, minerários, da economia criativa – com implicações territoriais importantes a serem discutidas, quanto de movimentos sociais que se utilizam crescentemente de estratégias de resistência e lutas marcadas tanto pela apropriação direta de bens comuns – ocupações residenciais, por exemplo – como de utilização de instrumentos e mecanismos regulatórios para a construção de alternativas aos projetos hegemônicos - criação do parque Gandarela como resposta a um grande projeto minerário.
Exposição: Novos destinos urbanos, elementos para uma cartografia dos grandes agentes econômicos
Expositora: Ester Limonad (UFF)
Resumo: Tem-se nos últimos vinte anos a conformação de um novo mapa do Brasil com rearranjos espaciais, que se evidenciam na redistribuição das atividades produtivas e da renda com a formação de enclaves, na emergência de novos arranjos urbanos de grande porte populacional, na proliferação da urbanização dispersa e multiplicação de áreas metropolitanas em todo o território nacional. Cabe considerar que essas mudanças na organização do espaço brasileiro são viabilizados graças ao entrelaçamento interescalar contemporâneo da lógica geral da acumulação do capital com a lógica territorial do Estado (seguindo Arrighi), mediante articulações em diferentes escalas de diferentes agentes econômicos hegemônicos e o Estado. Sendo que o reconhecimento dos agentes e atores econômicos em diferentes escalas pode contribuir para desvelar suas articulações, bem como os processos que deram suporte a sua emergência e consolidação. Nesse contexto emerge como objeto privilegiado os grandes investimentos resultantes da interação Estado – bancos públicos - grandes agentes corporativos na produção de novas localizações, situadas fora das grandes aglomerações urbanas, muitas em áreas com mais de 150 hectares, designadas pela Odebrecht de “novos destinos”. Por entendermos que seu estudo pode contribuir para evidenciar redes de relações estratégicas e revelar interações entre o Estado e diferentes capitais, que de outra maneira seriam, por assim, dizer invisibilizadas pela “naturalização” dos processos, como tende a ocorrer, por vezes, em projetos e planos de renovação urbana em áreas ditas degradadas, que aparecem como necessários, independentemente dos interesses que congreguem.
Exposição: Nova fronteira minerária: consequências socioambientais e limites da gestão de conflitos
Expositora: Andréa Zhouri (UFMG)
Resumo: O crescente processo de globalização econômica mundial contribuiu para que a economia brasileira, nos últimos vinte anos, mantivesse a ênfase do crescimento na exportação de commodities, tendo a produção e venda de bens minerais primários importância estratégica nas pretensões de aumento do PIB nacional. Neste sentido, houve um redirecionamento da participação brasileira no mercado internacional como provedor desses recursos, iniciando, assim, o resgate de práticas minerárias corporativas que, revestidas por uma roupagem neoextrativista, se tornaram uma grande frente de investimento por parte de grandes empreendimentos. Em Minas,
projeta-se a construção de nove minerodutos, os quais escoarão a produção de minério de ferro do estado em direção aos litorais nordeste (Ilhéus) e sudeste (Rio de Janeiro e Espírito Santo). O paper apresenta apontamentos de pesquisa em andamento ao abordar algumas das consequências socioambientais desses projetos de mineração, com foco específico nos projetos Minas-Rio da Anglo American e Manabi/Morro do Pilar S.A, ambos localizados na bacia do Rio Santo Antonio, na Serra do Espinhaço, considerada pela UNESCO Patrimônio da Humanidade. A reflexão pretende trazer à luz aspectos institucionais e legais dos referidos empreendimentos, com foco no processo de licenciamento ambiental das obras e seus desdobramentos. Pretende-se analisar as implicações dos novos arranjos institucionais, inclusive do âmbito do Ministério Público, que objetivam a resolução negociada de conflitos ambientais, ou seja, o alcance e os limites da mediação de conflitos e suas implicações para a defesa dos direitos difusos e os direitos diferenciados de cidadania.