SL17 Sociedade e espaço -

estágios de desenvolvimento e planejamento urbano

  • Nuno de Azevedo Fonseca
  • Csaba Deák
  • Klara Kaiser Mori
  • Luiz Felipe Leão Maia Brandão
  • João Bonett Neto
Palavras-chave: sociedade e espaço, planejamento urbano

Resumo

SL-17. Sociedade e espaço - estágios de desenvolvimento e planejamento urbano

Coordenador: Nuno de Azevedo Fonseca (USP)

Resumo:

Entre os anos de 2008 e 2012 a University of Cambridge, UK, a Tsinghua University de Beijing, CN e a FAU-USP realizaram seminários dentro do ReVISIONS Project – Regional Visions of Integrated Sustainable Infrastructure Optimised for Neighbourhoods. O tema era a elaboração de cenários de longo prazo de desenvolvimento das metrópoles de Londres, Beijing e São Paulo e critérios e métodos de sua avaliação. O ReVisions Project foi um projeto idealizado pela Universidade de Cambridge que se propôs a desenvolver métodos de inter-relacionar as diferentes escalas espaciais e diferentes localidades dentro de uma estrutura integrada de modelagem de transporte, uso do solo e infraestrutura de energia, água e resíduos, permitindo uma avaliação de efeitos ambientais dos cenários. O objetivo era produzir orientações práticas e inovadoras, para o desenvolvimento espacial e infraestrutura associada a cidades-regiões visando um ambiente urbano sustentável. Os encontros entre pesquisadores das três instituições mostraram realidades bastante diferentes quanto à estruturação do espaço, às dinâmicas urbanas e às políticas urbanas em questão nos três países analisados. Essas diferenças levaram à elaboração de interpretações sobre a relação entre as formações sociais e a produção e estruturação do espaço correspondentes a elas.

Cada sociedade estrutura seu espaço de acordo com a sua necessidade de reprodução social, isto é, visando a manutenção dessa própria sociedade. No capitalismo esse pressuposto indica que a análise do espaço deve ser realizada a partir do âmbito nacional uma vez que nesse modo de produção as sociedades se estruturam em nações/países. A organização do espaço de frações menores do território nacional deve ser vista sempre como parte do todo. Assim a análise da estruturação do espaço das aglomerações urbanas ou a própria divisão do território em regiões e sua análise deve partir da compreensão das características de cada uma das sociedades e da estruturação da totalidade de seu território. O estudo dessa relação entre sociedade e espaço nos permite compreender os requisitos/características da estrutura espacial correspondente a cada sociedade e reciprocamente, nos permite vislumbrar as características de uma sociedade através da análise de sua organização espacial.

Da análise dos momentos de inflexão nos processos que caracterizam o próprio capitalismo – extensão da forma-mercadoria, propriedade privada dos meios de produção (em especial a propriedade da terra), extensão do trabalho assalariado, urbanização e formação de um mercado nacional unificado, podemos, como propõe Deák (Deák, 1999, p.36) identificar dois estágios na dinâmica capitalista – estágio de acumulação predominantemente extensivo e estágio de acumulação predominantemente intensivo ou, simplificando, estágios extensivo e intensivo.

O estágio extensivo corresponde à própria extensão das relações capitalistas a parcelas crescentes da sociedade (a toda a sociedade no limite), ou seja, à expansão da produção de mercadorias e do trabalho assalariado principalmente. Nesse estágio a acumulação se dá pela extensão do mercado e pelo aumento da produtividade do trabalho através de novas técnicas de produção mais eficientes. Esse estágio tem como limite o esgotamento dos processos de urbanização e assalariamento, ou seja, o processo de extensão do mercado.

Resta o aumento da produtividade que implica uma reorganização da produção visando propiciar a condição de desenvolvimento desta a fim de manter o processo de acumulação. Este é o estágio intensivo. A passagem de um estágio a outro não é automática, ao contrário, é fruto de uma crise onde se redefine o papel do Estado. Este passa a atuar de forma a garantir as condições da reprodução social no novo estágio ao mesmo tempo em que, em função de seus novos atributos, passa a abarcar uma parcela crescente da produção social: o desenvolvimento de novas técnicas de produção em um ritmo cada vez mais intenso leva à necessidade de políticas de educação, saúde, transportes, renda mínima, etc. Em outras palavras, leva à necessidade de planejamento.

Também o estágio intensivo tem seu limite. Este é fruto de suas próprias características: aumento da produtividade através do desenvolvimento cada vez mais rápido das técnicas de produção – que leva a uma crise de superprodução, e crescente participação do Estado na produção – reforçando a crise ao restringir o âmbito do mercado.

Esta periodização deixa explícitas as características das sociedades que geraram o espaço das aglomerações urbanas do período da chamada primeira revolução industrial – estágio extensivo. Baixo nível de reprodução da força de trabalho, limitada ação do Estado na produção de infraestrutura e regulação do espaço. O mesmo acontece com relação ao estágio intensivo – melhor nível de reprodução da força de trabalho propiciado por uma atuação mais intensa do Estado tanto na produção de infraestrutura como na regulação do espaço para a formação de mão de obra qualificada necessária às novas condições de produção. Finalmente a atual crise do estágio intensivo com a crítica ao crescimento do Estado, retração de sua regulação (desregulamentação da economia), tentativa de remercadorização das atividades assumidas pelo Estado através de privatizações. Em outras palavras, políticas neoliberais. Os reflexos sobre o espaço são também evidentes: queda no nível de reprodução da força de trabalho, concentração de renda, aumento da diferenciação no espaço, precarização da infraestrutura.

No caso do Brasil, a permanência das características herdadas do período colonial se sobrepõe às características acima delineadas dos estágios de desenvolvimento capitalista. Embora a limitada ação do Estado corresponda ao estágio extensivo, as características da formação social brasileira levam, dentro do processo de reprodução social, a uma dinâmica que impede e evita o desenvolvimento das forças produtivas e que se refletem na estruturação do espaço nacional.

A sociedade brasileira tem sua origem na estruturação de atividades produtivas no território colonial de Portugal com a finalidade de envio de parte dos excedentes produzidos para a metrópole colonial. Outra fração dos excedentes produzidos tinha, necessariamente, de ser reinvestida na própria colônia para a manutenção e ampliação da produção. A exploração colonial apresentava ainda outras características marcantes: a fração do capital reinvestida na colônia não poderia permitir a conquista da autonomia (e independência) com relação a Portugal. Assim diversas leis foram instituídas proibindo a construção de infraestrutura, atividades produtivas industriais, cursos superiores, imprensa, etc. que pudessem por em risco a dependência da colônia e/ou concorrer com os interesses industriais ou comerciais da metrópole.

O processo de independência do Brasil manteve no poder os interesses já consolidados ligados à produção de produtos primários para a exportação e ligados à exportação e importação de bens para os países capitalistas centrais. A independência significou uma ruptura pela internalização do aparato de estado, mas uma continuidade ao manter os interesses dominantes, a estrutura produtiva e a organização social intactas. Nossa sociedade é fruto desse processo e mantém até hoje as características fundamentais definidas em sua origem. Permanecemos como um país produtor e exportador de produtos com baixo valor agregado e importador de produtos e/ou técnicas produtivas com alto valor agregado.

Essas características significam um mercado interno fraco devido às atividades com baixo valor agregado e pouco desenvolvimento de técnicas produtivas avançadas (inexistência de indústria de bens de capital), implicando em uma baixa demanda por mão de obra qualificada. Mais do que a não necessidade prover uma condição de reprodução da força de trabalho que leve a uma estruturação do espaço de forma mais homogênea, à implantação de infraestrutura que permita solucionar as deseconomias urbanas e à diminuição das desigualdades sociais gritantes, os mecanismos da reprodução social atuam contra essas transformações. A este princípio que rege a organização da produção e da reprodução social Deák da o nome de Acumulação Entravada (Deák, 1999, p.32). Assim, a precariedade de nossa estruturação espacial, a existência de diferenças gritantes entre regiões quanto à disponibilidade de infraestrutura em nossas aglomerações urbanas, os investimentos públicos em sua maioria em áreas já estruturadas ou de interesse do capital imobiliário, a fragmentação administrativa de nossas metrópoles, a falta de coordenação das diversas políticas públicas setoriais, entre tantos outros problemas que se apresentam, não devem ser analisados como problemas e sim como soluções do processo de reprodução social no Brasil.

A compreensão da estruturação de nossa sociedade leva a chaves de compreensão da estruturação e produção de nosso espaço e põe em questão as iniciativas fragmentadas e fragmentárias de intervenções estatais pontuais no espaço. Desse modo, esta proposta de sessão-livre corresponde ao intuito de expor e expandir muitas das conclusões e interpretações concebidas em meio ao desenvolvimento e como decorrências do ReVISIONS Project. Devido ao restrito âmbito de debate do projeto, espera-se que este evento constitua uma oportunidade para a socialização dessas discussões, amadurecidas ao longo dos últimos anos.

Referência bibliográfica:

DEÁK, C. 1999. A acumulação entravada no Brasil e a crise dos anos 80, Revista Espaço & Debates, no32, p.32-46.

Exposição: Estágios de desenvolvimento capitalista e planejamento urbano

Expositor: Nuno de Azevedo Fonseca (USP)

Resumo:

Este estudo aborda a relação entre sociedade e espaço. Desenvolvemos esse tema através de uma interpretação de trabalhos apresentados nos três Simpósios Internacionais realizados dentro do ReVISONS Project: 2009 em Beijing-CN, 2010 em Cambridge-UK e 2012 em São Paulo-BR. As apresentações evidenciaram objetos de estudo e abordagens desses objetos bastante diferenciadas. As apresentações realizadas pela Universidade de Cambridge versaram sobre questões relacionadas à geração e consumo de água, energia, coleta e tratamento de esgoto (a nível local), transporte de média capacidade, e estudos sobre densidades e desenho urbano, relacionados a alternativas de regulação do espaço metropolitano de Londres. As apresentações realizadas pela Universidade de Tsinghua versaram sobre análises estatísticas do crescimento urbano, alternativas quanto à organização do crescimento urbano, planejamento compreensivo, preservação de patrimônio em contexto de rápida transformação e zoneamento de usos na metrópole de Beijing. Finalmente as apresentações realizadas pela FAU-USP e pesquisadores convidados abordaram análises estatísticas da estrutura urbana, estudos sobre precariedade na produção/ocupação do espaço urbano, intervenções pontuais em áreas da metrópole, e interpretações do por que desta precariedade. Como podemos ver, apesar do tema comum – elaboração de cenários alternativos de desenvolvimento espacial no longo prazo visando estruturar políticas de uso do solo e infraestrutura para as metrópoles estudadas – as pesquisas apresentadas tomaram rumos distintos. Propomos uma análise das características de cada uma das sociedades por meio da periodização do capitalismo em estágios de desenvolvimento como chave para interpretar as diferentes abordagens sobre as alternativas de estruturação do espaço no ReVISIONS Project.

Exposição: A visão de longo prazo em contextos sociais diferentes

Expositor: Csaba Deák (USP)

Resumo: O título do projeto ReVisions levanta a questão assinalada no título desta apresentação: o significado, ou a contundência do futuro varia em cada sociedade de acordo com o contexto de desenvolvimento em que a mesma se encontra. Em particular, taxas de juros altos, estagnação e crises diminuem a percepção do longo prazo, enquanto estabilidade a rápido crescimento aguçam a visão de longo prazo e valorizam as perspectivas futuras. Desse modo, Inglaterra, China e Brasil terão visões diferentes de suas perspectivas de desenvolvimento a longo prazo, que serão mais valorizadas nos dois primeiros países, enquanto virtualmente desaparecem no último. As perspectivas de desenvolvimento social assim diferenciadas devem ser contra uma visão de longo prazo do esgotamento dos recursos naturais do planeta Terra. Uma primeira alerta por Malthus já no século XIX foi ignorada e escamoteada, mas a partir dos anos 1970, que coincide com a exaustão do 'boom' da reconstrução pós-guerra,
uma nova onda de alerta surgiu com o Clube de Roma – novamente silenciada para ressurgir com nova urgência pela virada do milênio. Esta crise independe dos contextos individuais das nações que vivem no planeta. Seus contornos são mal apreciados no entanto e as últimas consequências da limitação dos recursos naturais são sistemáticamente ignorados e/ou escamoteados pela recusa em reconhecer que elas implicam no fim do crescimento –- vale dizer, do capitalismo e mais geralmente, do própria reprodução ampliada. Pela via da perspectiva ou da utopia, o longo prazo desemboca na necessidade da construção de uma sociedade planetária planejada.

Exposição: Economia e ambiente

Expositora: Klara Kaiser Mori (USP)

Resumo: Decisões econômicas dizem respeito às condições de produção e de reprodução da sociedade; vale dizer, decidem sobre o presente e o futuro das pessoas que compõem as formações sociais. Em oposição a seu entendimento neoclássico como sistema de decisões visando guiar a alocação de recursos de acordo com seus retornos, é importante afirmar a dimensão histórica da economia, e deixar claro que suas diretrizes de cada momento não podem ser apreendidas sem o correspondente contexto social. O tema da sustentabilidade que assombra o nosso presente, e que simultaneamente reflete e oculta o agravamento paulatino das condições climáticas da terra, e o esgotamento de seus recursos, não é compatível com tomadas de decisões paroquiais, guiadas pela lógica particularista de algum setor produtivo, ou com as peculiaridades de uma região. O âmbito nacional – que desde a estruturação do modo de produção capitalista vinha constituindo a moldura clássica das diversas formações sociais, tampouco dá conta da correta abordagem desse tema. Os contornos nacionais ainda se impõem, no entanto, como esferas de decisão política, e tornam suas sociedades reféns de um duplo desafio referente aos respectivos processos de reprodução. No Brasil de hoje, esse desafio se manifesta como: a) a responsabilidade pela provisão do sustento de sua gente, e a partilha socialmente justa do produto social; e b) a responsabilidade pela preservação dos bens que estão sob sua guarda, mas cujo significado multidimensional aponta para horizontes bem mais abrangentes que os nacionais. A discussão desse tema é o objeto da minha comunicação.

Exposição: Crítica sobre a questão regional: uma agenda de estudos sobre a reprodução social brasileira

Expositor: Luiz Felipe Leão Maia Brandão (Universidade Federal da Fronteira Sul)

Resumo: O presente estudo propõe a formulação de uma crítica à chamada “questão regional”. A abordagem regionalista tende a explicar a heterogeneidade socioeconômica do espaço brasileiro mediante certos elementos constitutivos, como o coronelismo e o patrimonialismo, como evidenciado na obra de Celso Furtado (1967; 1983; 2013); ou dá enfoque à dinâmica urbano/rural, e ao conflito de classes a ela adjacente, como se observa no trabalho de Francisco de Oliveira (1993). Do ponto de vista da práxis, tais posições reforçam a ideia de que o atraso socioeconômico de determinadas regiões se daria como resultado da falta de políticas específicas, capazes de equalizar as heterogeneidades socioeconômicas do país (a criação da SUDENE é o exemplo de maior evidência entre as políticas dessa natureza). A crítica aqui formulada entende que, sob tal enfoque, perde-se a perspectiva de que as desigualdades do espaço nacional são constitutivas de uma totalidade. As regiões com piores indicadores socioeconômicos (notadamente Norte e Nordeste) não são escala reduzida daquelas que alcançaram maior desenvolvimento (Sul e Sudeste), mas componentes de uma mesma totalidade. Entende-se, aqui, que as disparidades brasileiras podem ser mais bem compreendidas caso sejam estudadas sob o enfoque da reprodução social, a partir dos aparelhos de Estado que operam para garantir o status quo.

Exposição: Crise e planejamento no brasil contemporâneo

Expositor: João Bonett Neto (Centro Universitário FIAM-FAAM)

Resumo: De acordo com eixo interpretativo que orienta esta sessão livre, a superação da precariedade urbana no Brasil e da crise que seu processo social apresenta perpassa, necessariamente, uma ação coletiva centralizada que, por meio da provisão de infraestruturas e do planejamento, deve reorientar o desenvolvimento brasileiro. Assim, não seria demasia considerar o momento atual o grande momento do planejamento, de modo que construir elementos para o debate acerca de seu significado e sentido constitui o intuito central desta exposição. Tais elementos são buscados, especificamente, no questionamento sobre as características e limitações das diferentes experiências brasileiras de planejamento empreendidas desde meados do século XX, compreendendo-as como reflexos de contextos ideológicos e como condicionadas, em termos de efetividade prática, à evolução da base material que dá existência concreta à formação social brasileira. Com isso, espera-se discutir o encaminhamento das questões urbanas no Brasil mediante uma análise mais ampla das condicionantes históricas – materiais e sociais – do desenvolvimento do País, evitando, dessa forma, um recorte de pouca profundidade crítica e criando oportunidade para interpretações conjuntas e interdisciplinares.

Publicado
2019-05-20
Seção
Sessão Livre