SL33 A financeirização em escalas múltiplas: da metrópole à PEC 241/55

  • Felipe Nunes Coelho Magalhães
  • Daniel de Mello Sanfelici
  • Marcos Barcellos de Souza
  • Carlos Antônio Brandão
  • Mariana Fix
  • Leda Paulani
  • Luciana de Oliveira Royer
  • Felipe Nunes Coelho Magalhães
Palavras-chave: financeirização da cidade e do espaço, neoliberalização, ajuste neoliberal

Resumo

A financeirização em escalas múltiplas: da metrópole à PEC 241/55

Financialization in multiple scales: from the metropolis to the PEC 241/55

Coordenador: Felipe Nunes Coelho Magalhães, UFMG, Professor Adjunto do Departamento de Geografia, felmagalhaes@gmail.com

Debatedor: Daniel de Mello Sanfelici, UFF, Professor Adjunto do Departamento de Geografia, danielsanfelici@gmail.com

A conjuntura macroeconômica e política atual no Brasil apresenta traços marcantes da transescalaridade dos processos que vinculam financeirização, neoliberalismo e os embates políticos na metrópole, sendo de grande envergadura e profundidade os efeitos socioespaciais dos cruzamentos de trajetórias relacionadas a tais processos. A conjuntura macroeconômica e política atual no Brasil apresenta traços marcantes da transescalaridade dos processos que vinculam financeirização, neoliberalismo e os embates políticos na metrópole, sendo de grande envergadura e profundidade os efeitos socioespaciais dos cruzamentos de trajetórias relacionadas a tais processos. Nos últimos vinte anos no Brasil tivemos os governos FHC (1995/2002); o Lulismo (2003/2015) e o regime de mercado autorregulado Temer (2016…), que lançam mão de dispositivos, mecanismos e instrumentos bastante diferenciados de experimentações re-regulatórias, com variadas repercussões, nas três mercadorias fictícias: terra, dinheiro e trabalho. Durante os conservadores anos 1990, marcados pelo Consenso de Washington, tivemos dois governos FHC (1995/2002), em que foram realizadas típicas estratégias de Roll-Back, de ataque ofensivo e desmantelamento de instituições públicas que regulavam o mercado, liberando suas forças para agir mais livremente. Foi um momento de privatizações, internacionalização da economia, destruição de postos de trabalho, de direitos e de garantia, com vigorosa repressão aos movimentos sociais. Durante os governos Lula e Dilma reestruturações regulatórias de grande alcance foram implementadas em uma rodada de Roll-Out, de re-regulação, reentrincheiramento, enfrentando modos de governança anteriores e criando refúgios de defesa que mesclaram conformação aos mercados com defesa de alguns direitos sociais. As propostas de restruturação regulatória em curso na escala nacional (com a PEC 241/55 e as propostas de reforma da CLT e da previdência) se relacionam claramente a uma nova rodada de ajuste neoliberal, com vínculos diretos ao setor financeiro, e permeiam processos que interligam a macroeconomia à metrópole tanto no nível da dimensão geoeconômica desta relação quanto à sua faceta política. Neste contexto, os processos neoliberalizantes se estendem e se arraigam, em mais uma rodada de liberar o “moinho satânico” (nos termos de Karl Polanyi) do mercado para funcionar sem peias, em um momento de re-des-construção institucional e ataque à democracia. O que é impressionante é que como, em cerca de 20 anos, o Brasil, demonstrando a fragilidade de sua jovem experiência democrática, construiu três rodadas de neoliberalização bastante distintas, um Roll-Back, um Roll-Out e um novo Roll-Back ainda mais radical que o primeiro. A reconstituição das trajetórias que levam ao quadro atual na escala nacional perpassa dinâmicas metropolitanas em seu bojo – desde os vínculos entre a política econômica pautada pelo retorno às vantagens comparativas dos setores primário-exportadores e a reprodução da crise metropolitana até as Jornadas de Junho de 2013 e seus desdobramentos múltiplos em direções diversas. O pacote de reajuste do governo atual envolve formas de expansão e aprofundamento do processo de financeirização da sociedade, que tem na metrópole um terreno privilegiado de expansão. Há uma profusão de canais que vinculam atividades econômicas e formas de extração de valor e renda numa base de grande ampliação e heterogeneidade à remuneração dos capitais financeiros, lógica que se fortalece e se amplia através da restruturação regulatória em curso. Traçar estas ligações passa pela necessidade de revisitar a história de ajustes semelhantes no passado recente e seus efeitos. Há, deste modo, uma necessidade de enfoque transescalar na pesquisa acerca das ligações entre os processos de financeirização da política urbana e habitacional, dos capitais imobiliários que atuam nas metrópoles, e da cidade de forma geral, com estes processos nacionais de reajuste que abrem espaço para o aprofundamento da atuação das finanças na sociedade. Há um acúmulo de estudos avançados realizados na última década em torno do aprofundamento das finanças na produção do espaço na metrópole – sendo o momento atual um importante ponto de inflexão no que diz respeito à escala nacional, podendo gerar rebatimentos importantes nas cidades, tornando-se pertinente assim uma nova agenda de pesquisa em torno do tema, a partir da guinada de conjuntura em curso. ue diz respeito à escala nacional, podendo gerar rebatimentos importantes nas cidades, tornando-se pertinente assim uma nova agenda de pesquisa em torno do tema, a partir da guinada de conjuntura em curso. Desde a crise financeira de 2008 – deflagrada a partir de dinâmicas inseridas no âmbito da financeirização do mercado imobiliário estadunidense – há uma série de intervenções e arranjos regulatórios específicos para esta relação entre finanças e produção imobiliário no mundo, sendo o Programa Minha Casa Minha Vida um proeminente exemplo da centralidade destes pacotes para a conjuntura posterior à crise. Mas obviamente, não se trata de um elemento novo, sendo longas as trajetórias da política habitacional no que diz respeito aos arranjos estatais que a inserem no âmbito do setor financeiro. As apresentações abordam o legado destas linhagens na política habitacional brasileira no contexto anterior à virada atual, com especial atenção ao MCMV e à utilização do FGTS Nos interessa nesta discussão algumas características deste vínculo no neoliberalismo e sua inserção como peça importante no próprio processo de neoliberalização – que envolve, como a conjuntura em curso denota de forma cristalina, uma primazia dos interesses do setor financeiro na definição do aparato regulatório que define regras e parâmetros para o funcionamento da variação de capitalismo (e de neoliberalismo) que se pretende constituir. As apresentações propostas refletem não somente a proposta da transescalaridade necessária nos estudos sobre financeirização em suas relações com o aparato regulatório e seus (re)ajustes, mas a diversidade com que o tema vem sendo tratado na literatura. Há também um esforço voltado para o entendimento das especificidades brasileiras e às possibilidades de se traçar uma agenda de pesquisa em torno do tema de acordo com estas particularidades (históricas, sociais, institucionais), não sem perder de vista as discussões teóricas e a pesquisa já estabelecida no cenário internacional. Embora seja um processo ainda de difícil avaliação, por estar em curso e não ter se apresentado em sua completude e com a clareza que possibilita uma análise crítica mais aprofundada, pode-se avaliar o período do chamado Lulismo como constituindo um padrão específico de relação com o setor financeiro e que imprime formas com que seus agentes se interligam aos processos urbanos, tendo esta experiência chegado ao fim em 2016. No momento, desenha-se um reajuste que pode ser analisado em alguns pontos mais claramente delineados, como é o caso da PEC 241/55, que envolve uma ampliação em potencial do processo de financeirização a partir da relação deste setor com a oferta privada de saúde e educação, sendo o congelamento do provimento público destes serviços uma garantia de expansão do investimento privado nos setores. Uma extensão deste processo nos remete a uma discussão que vem sendo levada a cabo no terreno da teoria social em searas marxianas e pós-estruturalistas (muitas vezes em conjunto, com nos trabalhos de Michael Hardt e Antonio Negri) acerca da dívida como um modo de controle, de exercício difuso do poder, de disciplinamento e de gestão da oferta de mão de obra. Deste modo, há uma extensão do processo de financeirização na metrópole para além dos vínculos que este setor engendra através do mercado imobiliário e a altíssima demanda por financiamentos que ele é capaz de induzir, em continuidade ao processo já assistido nas últimas décadas, de ampliação do endividamento relacionado ao consumo. Esta abordagem ilustra o caráter multifacetado do processo de financeirização, bem como sua relação com a produção do espaço em suas muitas dimensões, havendo aí uma agenda de pesquisa de igual heterogeneidade e amplitude, que atravessa um momento de implicações potencialmente muito significativas para os processos que se busca compreender.

Palavras Chave: financeirização da cidade e do espaço, neoliberalização, ajuste neoliberal

Financeirização, Neoliberalização e Austeridade: uma agenda para estudos urbanos no Brasil

Marcos Barcellos de Souza (UFABC), Carlos Antônio Brandão (IPPUR-UFRJ)

O debate sobre financeirização na literatura internacional tem amadurecido bastante nos últimos anos, a ponto de recentemente ter sido posto em dúvida a validade desta noção do ponto de vista analítico e político. Em geral, os estudos sobre o tema têm evoluído nas três seguintes vertentes: economia política, contabilidade crítica e estudos culturais. Embora a primeira vertente tenha maior disseminação nos estudos no Brasil, isso ocorre num quadro geralmente pouco sensível às mudanças nas relações entre escalas espaciais. Ademais, no âmbito dos estudos regionais e urbanos as temáticas mais recorrentes ao problema da financeirização têm sido a habitacional, ou a relacionada às estratégias de incorporadoras imobiliárias. Por outro lado, avançando de forma paralela, é possível identificar um corpo significativo de trabalhos voltados para a reestruturação espacial do Estado sob a lente da neoliberalização. O objetivo desta discussão é a proposição de diversos diálogos ainda incompletos: i) entre as vertentes da financeirização e seu potencial de desenvolvimento na economia espacial brasileira; ii) entre as manifestações concretas e potenciais de disseminação do fênomeno, sobretudo na infraestrutura urbana; iii) entre financeirização e neoliberalização. Quanto ao último ponto, argumentamos que o debate sobre austeridade fiscal, em especial a austeridade urbana, tem o potencial de juntar estes dois importantes referenciais sobre a reestruturação espacial da economia e do Estado. Para isso, será necessário trazer a discussão para as especificidades do federalismo fiscal brasileiro, de modo a desvendar a nova matriz de política urbana que emerge, bem com as variações do “empreendedorismo fiscal”.

Circuitos imobiliário, rentismo e finanças

Mariana Fix (IE-Unicamp), Leda Paulani (FEA-USP)

Ao longo de séculos, o capitalismo passou por diferentes fases reservando, em cada uma delas, distintos papéis à periferia do sistema. De sua posição inicial como território de espoliação no contexto da fase de acumulação primitiva, o Brasil alcança o começo do século XXI como uma plataforma internacional de valorização financeira, no contexto do capitalismo financeirizado hoje vigente. Analisaremos a etapa mais recente investigando a fração do capital especializada na promoção imobiliária. O capital imobiliário oferece dificuldades de conceituação. Ao incluir, além das empresas de construção propriamente ditas, proprietários de terra, incorporadores e agentes de crédito, entre outros, exige uma discussão acurada das categorias de rendimento associadas com a propriedade e não com a produção, como os juros, os dividendos e a própria renda da terra. De outro lado, o circuito imobiliário formal não atende, em formações sociais periféricas, grande parte da população, gerando o fenômeno falsamente nomeado “déficit habitacional”. Se o imobiliário já apresenta, de per si, características rentistas pelo lugar que ocupa na economia política e em seu desdobramento na produção do espaço urbano, tem-se de considerar ainda, considerando a etapa histórica do capitalismo na qual vivemos, o fato de o certificado de propriedade ser potencialmente uma forma de capital fictício, um título jurídico que dá direito a seu detentor de se apropriar de uma parte da riqueza social. É a especificidade desse tipo de mercado e sua adequação à lógica do capitalismo financeirizado no Brasil que pretendemos explorar.

Relação entre fundos públicos e provisão habitacional na dominância do capital financeiro

Luciana de Oliveira Royer (FAU-USP)

O estudo sobre os fundos públicos e provisão habitacional tem se mostrado fundamental para compreender o processo de dominância do capital financeiro no país. A utilização dos recursos dos chamados fundos parafiscais, o SBPE e o FGTS, Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, tem importância crucial no debate sobre o assunto. Em especial o investimento do FGTS, fundo que historicamente tem conseguido atingir parte da renda media e parte da baixa renda no crédito habitacional e é responsável por importantes investimentos em infraestrutura urbana. Desde 1998, o FGTS vem também dando lastro para operações típicas de mercado de capitais, investindo continuamente em títulos de base imobiliária. As contratações efetuadas com recursos do FGTS para compra desses títulos acabaram por alavancar esse mercado no país, constituindo-se em um mecanismo gerador de uma liquidez mínima para seu funcionamento. O FGTS acabou se tornando um importante player desse mercado, no contexto da inserção do Brasil no capitalismo financeirizado. O acompanhamento dos investimentos do Fundo, voltados para a valorização e retorno financeiro do investimento, a crise de recursos fiscais para investir em politica habitacional e as tendências desses investimentos nos próximos anos no contexto da crise econômica vivida pelo país devem ser abordados na sessão livre.

A PEC 241/55 e a financeirização da sociedade

Felipe Nunes Coelho Magalhães (IGC-UFMG)

As propostas de reajuste regulatório do governo atual refletem claramente a predominância do capital financeiro enquanto agente hegemônico no neoliberalismo (enquanto forma de governo e agenciamento de poder). Trata-se de uma nova rodada do predomínio do discurso tecnocrático por sobre o processo decisório democrático, envolvendo justamente as medidas rechaçadas nas urnas, num processo diretamente relacionado ao Estado de exceção que caracteriza o governo atual. Os serviços de grande capilaridade sócio-territorial cujo provimento público tem seu orçamento congelado através da PEC 241/55 constituem grandes mercados em potencial para os oligopólios privados que atuam nestes setores, sendo o congelamento uma forma de garantir a expansão destes mercados num contexto futuro de crescimento econômico. Ademais, são setores diretamente relacionados às finanças, por gerarem grande demanda em potencial por crédito – ampliando-se assim, de forma indireta, o próprio mercado de crédito, e as relações entre as finanças e a sociedade de forma geral. É importante ressaltar, neste procedimento, as ligações entre esta financeirização e aquilo que David Harvey denomina “acumulação por despossessão” (como novas rodadas de acumulação primitiva e ampliação da oferta de mão de obra), bem como a dimensão da sociologia política da dívida, tal qual abordada, dentre outros, por Michael Hardt e Antonio Negri, enquanto forma de controle, comando e disciplinamento, ou seja, de exercício difuso e indireto do poder neoliberal.

Publicado
2019-05-11
Seção
Sessão Livre