SL29 Urbanidades liminares: etnografias e disputas pela cidade

  • Thaís Troncon Rosa
  • Paola Berenstein Jacques
  • Heitor Frugoli Junior
  • Mariana Cavalcanti

Resumo

Urbanidades liminares: etnografias e disputas pela cidade

Liminal urbanities: ethnographies and disputes around the city

Coordenadora: Thaís Troncon Rosa, FAUFBA, Professora adjunta, thaisrosa@yahoo.com.

Debatedora: Paola Berenstein Jacques, PPG-AU/ FAUFBA, Professora associada, pbjacques@gmail.com

Tomando como referência empírica as transformações ocorridas nas cidades brasileiras na última década, esta sessão livre propõe tensionar, a partir de resultados de investigações etnográficas, algumas dimensões referentes à perspectiva totalizante de “cidade” que orienta, historicamente, abordagens dicotômicas calcadas em categorias como “informalidade”, “ilegalidade” ou “anomia”, que sequem encarando as diversas dinâmicas socioespaciais e territorialidades não hegemônicas exclusivamente pela chave da “ausência”, proclamando-as o “avesso da cidade” e legitimando intervenções e violências de toda ordem. Em contraponto, a cidade que emerge das pesquisas empíricas com as quais dialoga a presente sessão se apresenta como campo de trânsitos, mediações e disputas em que se articulam – não sem conflitos - temporalidades, espacialidades e universos sociais distintos. Tomando como referência empírica as transformações ocorridas nas cidades brasileiras na última década, esta sessão livre propõe tensionar, a partir de resultados de investigações etnográficas, algumas dimensões referentes à perspectiva totalizante de “cidade” que orienta, historicamente, abordagens dicotômicas calcadas em categorias como “informalidade”, “ilegalidade” ou “anomia”, que sequem encarando as diversas dinâmicas socioespaciais e territorialidades não hegemônicas exclusivamente pela chave da “ausência”, proclamando-as o “avesso da cidade” e legitimando intervenções e violências de toda ordem. Em contraponto, a cidade que emerge das pesquisas empíricas com as quais dialoga a presente sessão se apresenta como campo de trânsitos, mediações e disputas em que se articulam – não sem conflitos - temporalidades, espacialidades e universos sociais distintos. Isaac Joseph, conferindo importância “à tomada de partido rigorosamente descritivo de uma etnografia do deslocamento”, a qual possibilitaria apreender a própria “urbanidade em operação”, fornece algumas pistas para pensar a dimensão dos trânsitos e mediações aqui referidos: seria possível pensar a cidade a partir das categorias da liminaridade, da passagem, da instabilidade, do espaçamento e da contiguidade? Ou, ainda, a partir da ideia de “um espaço descontínuo constituído de várias regiões de significação, com seus recursos cognitivos e normativos próprios”, articuladas entre si por eventos de mobilidade, práticas coletivas, cursos de ação singular? Buscando apreender formas mais complexas do desenho das desigualdades (e sua reprodução) no espaço urbano para além das surradas dicotomias e categorias auto-explicativas (como segregação ou exclusão) e sob a perspectiva de que há dinâmicas socioespaciais em constante movimento, produzindo e disputando a cidade em suas margens (Agier, 2011) e, portanto, deslocando-as continuamente, esta sessão propõe refletir sobre um modo de interrogar o espaço urbano contemporâneo a partir, simultaneamente, de sua capacidade de aproximar e de seu efeito de discriminar e distanciar (Joseph, 1999): uma abordagem das “margens” socioespaciais a partir dos cruzamentos, tensionamentos, deslocamentos, mediações que elas ensejam. Não se pretende afirmar, com isso, a inexistência de fronteiras socioespaciais a delimitar os territórios, os processos e as experiências em foco. Mas nos propomos, aqui, a refletir em termos da noção de “limiar”. Limiares sugerem relações, passagens, transições - noções que pertencem às ordens do espaço, mas também do tempo. É dessa perspectiva que Walter Benjamin propõe uma rigorosa diferenciação entre fronteira e limiar: mais do que conter e manter, delimitar e separar (como o faz a fronteira), o limiar se configuraria como uma zona de transição, não estritamente definida, remetendo a fluxos e contrafluxos, lugares e tempos indeterminados e de extensão indefinida, “um entre, uma zona cinzenta que funde categorias e mistura oposições” (Rizek, 2012). Situam-se entre a possibilidade de um futuro em aberto - “zonas de transição” - e o achatamento gestionário da vida - “zonas de detenção”: estas últimas corresponderiam ao progressivo encolhimento da potência contida nas transições, nos limiares e nas experiências a eles atrelados, tornando-se uma caricatura de si mesmo, lugar de permanência, de paralisia, e não mais de passagem e transição. Antonio Arantes (2000), refletindo sobre as cidades contemporâneas brasileiras, propõe a noção de “zonas limiares”: lugares sociais conformados por uma diversidade de categorias e sujeitos sociais, territorialidades e sociabilidades que se superpõem e se entrecruzam de modo complexo, não apenas no espaço, mas também no tempo. Essas zonas resultariam de referenciais de tempo-espaço “produzidos nos conflitos e sociabilidades chamadas marginais”. Ou, nas palavras de Ana Clara Torres Ribeiro (2010) a criação de “instáveis territorialidades” em meio (ou por sobre) políticas urbanas excludentes e sua materialidade na cidade, as quais se associam à emergência de relações e tensionamentos entre diferentes racionalidades, normatividades e territorialidades nas cidades contemporâneas. e tensionamentos entre diferentes racionalidades, normatividades e territorialidades nas cidades contemporâneas. Não se trata, obviamente, de ignorar as múltiplas violências - físicas e simbólicas - que incidem sobre tais zonas, práticas e corpos que conformam o que aqui denominamos “urbanidades liminares”, dentre as quais destacam-se políticas e gestões, práticas de planejamento e policiamento e suas reiteradas tentativas de normatização e de conversão de limiares em fronteiras, cuja “transposição sem acordo prévio ou sem controle regrado significa uma transgressão, interpretada no mais das vezes como uma agressão potencial” (Gagnebin, 2014). Entretanto, essas “instáveis territorialidades” ou “zonas limiares” (e os corpos e práticas que as conformam), ao abrigarem disputas e conflitos constitutivos da dinâmica urbana contemporânea, guardariam uma dimensão potencial, que residiria na possibilidade de dar novas conotações simbólicas ao suposto esvaziamento do espaço público nas cidades (ou a sua espetacularização), repolitizando-o. É nesse sentido que os trabalhos reunidos nesta sessão investigam práticas, processos e dinâmicas socioespaciais implicadas na tessitura de “urbanidades liminares” constitutivas das cidades contemporâneas brasileiras. Mariana Cavalcanti propõe refletir sobre os projetos e processos de produção de cidade no Rio de Janeiro às vésperas das Olimpíadas de 2016, enfocando o entrecruzamento de diversos agentes, suas práticas e desdobramentos socioespaciais em ato, que embaralham noções, escalas e arranjos comumente evocados nas reflexões sobre as cidades e intervenções urbanas contemporâneas. Heitor Frugoli irá abordar os desafios de uma pesquisa etnográfica em andamento sobre os ativismos urbanos em São Paulo, trazendo à tona a dimensão do conflito como inseparável do espaço público, a partir de dimensões como práticas e redes de relações de coletivos ativistas, as concepções de direitos (e de cidade) aí implicadas, as complexas relações com o poder público, para citar algumas. Thaís Rosa pretende refletir sobre dinâmicas de produção de cidade e urbanidade em curso no país nas últimas décadas, a partir de investigação etnográfica de trajetórias urbanas de moradores de territórios populares, com ênfase nas dinâmicas socioespaciais que delas emergem e tomando a moradia como elemento heurístico privilegiado. Há ainda, nas três comunicações aqui reunidas, uma reflexão sobre o lugar do pensamento crítico e da produção do conhecimento, sobretudo no que tange à atenção aos limiares e às alteridades inerentes à produção das cidades e às disputas aí implicadas. Trata-se, portanto, de uma proposição que traz a alteridade para o centro da análise, demandando à produção de conhecimento sobre as cidades uma perspectiva relacional, a qual a noção de “limiar” parece necessariamente invocar: “O limiar designa, portanto, essa zona intermediária que a filosofia ocidental - bem como o assim chamado senso comum - custa a pensar, pois que é mais afeita às oposições demarcadas e claras (masculino/feminino, público/privado, sagrado/profano etc.), mesmo que haja, em alguns casos, um esforço em dialetizar tais dicotomias.” (Gagnebin, 2014). A presente sessão pretende contribuir com o esforço coletivo, em andamento no país, de investigação dos processos de produção das cidades brasileiras contemporâneas a partir de suas “margens”, propondo um enfoque ainda pouco explorado: aquele de suas dimensões socioespaciais e dos meandros da conformação de distintos “regimes de urbanidade” a serem considerados analítica e politicamente. Espera-se estabelecer uma reflexão ampliada sobre dinâmicas de produção de “urbanidades liminares” em curso atualmente no país, possibilitando desnudar as disjunções entre, de um lado, saberes e dispositivos técnicos de planejamento e gestão urbana (e social) e, de outro, as práticas de produção do urbano em ato (e suas representações), possibilitando criar e fortalecer novos campos de reflexão e problematização sobre o espaço urbano e seus modos de produção processual, que se somem aos ainda escassos estudos urbanos que vêm se atentando à existência de diferentes ‘regimes de urbanidade’ e múltiplas maneiras de ‘fazer cidade’.

ATIVISMOS URBANOS EM SÃO PAULO: DESAFIOS ETNOGRÁFICOS Heitor Frugoli Jr., FFLCH – USP,

Professor associado, hfrugoli@uol.com.br.

Pretende-se abordar desafios de uma pesquisa etnográfica em andamento sobre o tema do ativismo na cidade de São Paulo, dada a potencialidade que representam para enfoques renovados e aprofundados sobre a vida urbana e a dimensão do conflito, inseparável do espaço público. O olhar se volta sobretudo a agrupamentos que se organizam sob a forma de coletivos para ações com certa continuidade em determinados espaços públicos. Isso passa pela circunscrição das principais redes de relação envolvidas – incluindo as articulações entre agentes de vários coletivos –, das concepções de direitos (e de cidade) referenciais, das táticas praticadas pelos mesmos para os fins pretendidos, do tipo de intervenção realizada e suas linguagens específicas, do alcance dos usos de tecnologias de comunicação, da trajetória sociocultural dos principais organizadores, do exame das novas concepções de liderança num contexto de forte horizontalidade (o que não implica evidentemente uma completa des-hierarquização), do alcance e dos limites das polifonias pretendidas em tais práticas, das complexas relações com o poder público em suas distintas instâncias e planos decisórios e das articulações de tais práticas com conjunturas políticas mais abrangentes – períodos em que as reivindicações aumentam exponencialmente, com o risco de fragmentações que também as tornam bastante difusas. A própria nomeação de ativismo (ou ativista) deve ser examinada quanto ao seu alcance num plano êmico – no contraponto com outras autoconstruções identitárias –, o que reforça o exame cuidadoso da heterogeneidade e diversidade constitutivas de tais agentes e de suas práticas.

ENTRE GAMBIARRAS E RUÍNAS: NOTAS ETNOGRÁFICAS SOBRE O “URBANISMO OLÍMPICO” CARIOCA

Mariana Cavalcanti, IESP – UERJ, Professora adjunta, cavalcanti.m@gmail.com.

A comunicação tem como objetivo principal refletir sobre os projetos e processos de produção de cidade no Rio de Janeiro às vésperas das Olimpíadas de 2016, a partir de diversas escalas de análise. O fio narrativo da apresentação se constitui a partir do tema da moradia e dos processos em curso na região que o mercado imobiliário recentemente batizou de “Barra Olímpica”, no outrora longínquo entroncamento dos bairros de Curicica e Jacarepaguá. Focalizando as lógicas e as práticas de produção de cidade acionadas por empreiteiros como a Carvalho Hosken, por agentes imobiliários locais, e, ainda, pela prefeitura do Rio de Janeiro, o texto documenta a transformação dessa região, entre remoções de favelas, um boom de seus mercados imobiliários – condomínios de classe média, mas também as quitinetes em favelas e os rearranjos no mercado de moradia trazidos pelas próprias lógicas de remoção/reassentamento – tendo em vista, de um lado, as “gambiarras” políticas e de outro, as ruínas materiais e simbólicas constituintes e resultantes do “urbanismo olímpico” vigente na cidade nos últimos anos.

CIDADE E ALTERIDADE: ETNOGRAFANDO TRAJETÓRIAS URBANAS LIMINARES

Thaís Troncon Rosa, FAUFBA, Professora adjunta, thaisrosa@yahoo.com.

Esta comunicação pretende refletir sobre os nexos entre mobilidades socioespaciais, deslocamentos habitacionais, redes de relações e políticas urbanas nos processos recentes de produção dos espaços de moradia das camadas populares nas cidades. A partir de investigação etnográfica de trajetórias urbanas, com ênfase nas dinâmicas socioespaciais que delas emergem, propõe uma reflexão ampliada sobre dinâmicas de produção de cidade e urbanidade em curso atualmente no país. Tomando a moradia como elemento heurístico privilegiado, enfoca a relação de tensão e complementaridade entre o lugar da casa nessas trajetórias urbanas e os múltiplos trânsitos que as configuram: de um lado, as dimensões de territorialização e fixação presentes na concepção mesma de moradia, e, historicamente, nas políticas habitacionais (e sociais) no país; de outro, o caráter dinâmico inerente às trajetórias investigadas, que têm como cerne arranjos e redes de relações cambiantes que não se pautam pela estabilidade e rigidez dos vínculos, mas, ao contrário, por sua plasticidade, aí incluídas também a plasticidade das noções de moradia e cidade. Em diálogo com as proposições de Michel Agier, para quem existiriam diferentes “regimes de urbanidade”, e considerando a liminaridade que parece ser constitutiva das trajetórias e das experiências urbanas em foco, não seria possível refletir sobre os processos de produção dos espaços de moradia das camadas populares em termos da conformação de “urbanidades liminares”, uma vez que, ao transformarem reiterada e insistentemente “deserto” em “mundo”, as “margens” fazem “mover as fronteiras da ordem social até ao limite do qual se transplantou”.

Publicado
2019-05-11
Seção
Sessão Livre