SL16 Apropriação da terra e cidades na Amazônia
Resumo
Apropriação da terra e cidades na Amazônia
Land appropriation and cities in Amazonia
Coordenador: Henrique Barandier, IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal, Arquiteto e Urbanista / Pesquisador, henrique.barandier@ibam.org.br.
Debatebor: João Langüéns, IBAM – Instituto Brasileiro de Administração Municipal, Geógrafo / Pesquisador, joão@ibam.org.br
A Sessão Livre “Apropriação da Terra e Cidades na Amazõnia” aqui apresentada foi concebida com o objetivo de contribuir para o debate sobre questões próprias do Bioma Amazônia neste ENANPUR que se propõe a discutir caminhos do planejamento urbano e regional. Sessão Livre “Apropriação da Terra e Cidades na Amazõnia” aqui apresentada foi concebida com o objetivo de contribuir para o debate sobre questões próprias do Bioma Amazônia neste ENANPUR que se propõe a discutir caminhos do planejamento urbano e regional.
Desde 2013, o Insttituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) coordena a implementação do Programa de Qualificação da Gestão Ambiental (PQGA) dirigido aos Municípios do Bioma Amazônia1, tendo por objetivo contribuir para o desenvolvimento sustentável da região com base na qualificação de gestores públicos, servidores municipais e atores da sociedade civil. A percepção inicial que motivou a formulação do programa, de que o fortalecimento institucional dos Órgãos Municipais de Meio Ambiente era fundamental para o controle do desmatamento, se mostrou verdadeira e o trabalho com os municípios revelou a complexidade do problema de manter a floresta em pé.
Após mais de três anos de atividades, o PQGA produziu importante acúmulo de conhecimentos sobre a Amazônia Brasileira, os desafios para o controle do desmantamento, para preservação da floresta e da biodiversidade do bioma e sobre o próprio papel dos Municípios na gestão territorial/ambiental na região. Tal acúmulo de conhecimentos resulta tanto da ação direta do Instituto nos Municípios que integram o Bioma Amazônia e interlocução com gestores e técnicos municipais, como da interação com um sem número de instituições que desenvolvem ações de diversas naturezas e escalas de intervenção buscando igualmente a construção de alternativas de sustentabilidade para a região. A proposta desta Sessão Livre resulta justamente dessa articulação de atores que atuam na Amazônia. Por essa razão, é composta por quatro apresentações sendo: uma do próprio IBAM; outra de uma importante ONG da região – a da Fundação Vitória Amazônica (FVA); a terceira de um centro de pesquisa do estado do Pará – o Laboratório Cidades Amazônicas (LABCAM); e a última de um gestor municipal. Dessa forma, buscou-se reunir diferentes olhares sobre os desafios da Amazônia.
O problema do desmatamento tem causas e geografias distintas, que são resultado de processos e dinâmicas sociais igualmente distintas. Assim, são esses processos e dinâmicas sociais que devem ser analisadas e enfrentadas para buscar soluções para o desmatamento e manutenção do ecossistema amazônico. Nesta sessão, entretanto, o foco recai sobre as cidades, sobre o significado do urbano na Amazônia e nas interações das cidades com a floresta, com os recursos naturais de modo geral e, em última instância, com o bioma. Dada a extensão da região e as dimensões dos municípios ali situados, pode se dizer que a ocupação urbana na região se concentra em alguns pontos de um vasto território. Embora verdadeira, tal constatação é insuficiente para entender o fenômeno urbano na Amazônia e, sobretudo, para se compreender o significado dos impactos da urbanização no bioma e na manutenção da floresta.
Os processos de especulação fundiária na Amazônia se inscrevem numa cadeia que envolve desmatamento, grilagem de terras, introdução da pecuária, expansão da fronteira agrícola, consolidação de monoculturas e transformação do solo rural em urbano. Frequentemente estão associados a grandes projetos econômicos para exploração de recursos naturais que também são indutores da urbanização em diferentes escalas. Assim, por um lado, a urbanização na Amazônia deve ser entendida em associação a outros processos de apropriação do território. Por outro, é importante observar que as cidades na Amazônia, elas mesmas, no seu conjunto, exercem pressões sobre o meio ambiente que não são apenas localizadas, mas impactam o bioma como um todo.
Dentre os impactos da urbanização, se pode destacar a contaminação de rios e lençol freático por efluentes não tratados de atividades urbanas e/ou pela inadequação da disposição final de resíduos sólidos; efeitos sobre fauna e flora da intensificação da circulação transportes de passageiros e cargas, tanto pelas vias rodoviárias como fluviais; aumento da pressão sobre a floresta pela expansão dispersa de áreas urbanizadas; descaracterização de modos tradicionais de moradia da região, entre outros aspectos. Dentre os impactos da urbanização, se pode destacar a contaminação de rios e lençol freático por efluentes não tratados de atividades urbanas e/ou pela inadequação da disposição final de resíduos sólidos; efeitos sobre fauna e flora da intensificação da circulação transportes de passageiros e cargas, tanto pelas vias rodoviárias como fluviais; aumento da pressão sobre a floresta pela expansão dispersa de áreas urbanizadas; descaracterização de modos tradicionais de moradia da região, entre outros aspectos.
Ao considera-los, se observa também que a Região Norte do Brasil, integralmente inserida no bioma Amazônia, foi a que registrou a maior taxa de crescimento da população urbana (29,89%) no último período intercensitário. Ou seja, a tendência é de que os elementos de pressão identificados acima se intensifiquem no curto prazo. Tanto pelo aumento da taxa de urbanização na região como pelos fluxos migratórios na direção centro-oeste / norte que se confirmam como principal tendência dos deslocamentos populacionais no país, ainda que a década de 2000 tenha registrado diminuição das taxas de crescimento populacional em todas as regiões, inclusive a norte.
Apesar da urbanização da Amazônia ter hoje uma expressão relevante e as condições de interligação (e potencialmente de integração) com o restante do país serem bem melhores que décadas atrás, a consolidação das cidades na região nunca esteve atrelada a um modelo de desenvolvimento regional que promovesse avanços sociais e tivesse como premissa a preservação do bioma. Becker (2013) destaca que, historicamente, a região “ficou à margem do Estado brasileiro, na dependência das demandas das metrópoles e países estrangeiros, passando por curtos períodos de crescimento seguidos de longos intervalos de estagnação”.
A ocupação urbana na Amazônia tem na década de 60 um marco temporal importante, pois essa se caracteriza como momento de inflexão. É a partir de então que, com as políticas de integração nacional e de colonização da Amazônia, se introduz novas lógicas de ocupação do território. Ou, melhor dizendo, as condições para exploração da região numa escala mais ampliada, que vêm alterando significativamente os modos de se construir cidades e de se morar na Amazônia. Até os anos 60, pode se dizer que eram os rios que determinavam a localização de cidades na Amazônia e algumas delas exerciam maior centralidade por se constituírem como entrepostos comerciais na circulação fluvial. A partir dos anos 60, com a abertura de rodovias, implantação de assentamentos rurais, criação de núcleos urbanos, fomento à exploração mineral e, mais recentemente, dos recursos hídricos para geração de energia, novas formas de urbanização foram introduzidas na região, ligadas às rodovias e não mais necessariamente aos rios, e multiplicaram-se os centros urbanos.
A primeira apresentação desta Sessão Livre, de Hélio Beiroz do IBAM, aborda a questão da terra na Amazônia de uma forma ampla, com análise dos principais processos fundiários na região. Constitui, dessa forma, um plano de fundo para compreensão das questões socioambientais da Amazônia e das interaçãos entre os meios urbano e não urbano na região.
Em seguida, Roberta Marques Rodrigues e Juliano Pamplona Ximenes Pontes do LABCAM, tratam das formas tradicionais de construção de cidades na Amazônia, nas várzeas de rios, como contraposição e, ao mesmo alternativa possível, ao padrão contemporâneo de construção de cidade capitalista que se instala e se reproduz também nessa região.
A terceira apresentação, de Marcelo Augusto dos Santos Junior e Fabiano Lopez Silva da FVA, é dedicada à construção de um Índice Global de Risco Socioambiental (IGRSA) que os autores propõe para analisar padrões de urbanização e qualidade nos municípios da Região Metropolitana de Manaus, de modo a subsidiar o processo de planejamento urbano e territorial.
Por fim, Luís Eustórgio, Secretário Municipal de Meio Ambiente de Bragança (PA) e primeiro presidente do Fórum de Secretários Municipais de Meio Ambiente do Estado do Pará, explana sobre avanços e desafios do processo de descentralização do licenciamento ambiental, destacando o papel do município para gestão ambiental a partir da LC 140 de 2011 e do novo Código Florestal de 2012.
A Questão da Terra e o Cenário Socioambiental Atual na Amazônia
Hélio Beiroz, IBAM ( Instituto Brasileiro de Administração Municipal), helio.beiroz@ibam.org.br
A questão da terra e sua apropriação, na Amazônia, está cercada de características e processos que causam impactos negativos sobre o cenário socioambiental da região. Há uma relação direta entre a produção do espaço agropastoril e o desmatamento, a perda de sociobiodiversidade e as mudanças climáticas adversas. O avanço da fronteira agropecuária tem como plano de fundo a especulação imobiliária executada, em parte muito significativa, através de práticas ilegais e irregulares, onde se destaca a grilagem de terras. Os desafios de planejamento, monitoramento e gestão fundiária na Amazônia está associada diretamente ao rompimento do ciclo caracterizado pela: i) exploração de madeira através de corte seletivo; ii) grilagem e apropriação ilegítima de terras; iii) exploração de madeira por corte raso; iv) implantação de pecuária extensiva; v) implantação de monoculturas – principalmente soja. Ao longo das etapas desse processo à terra vais e agregando valor, posto que a “floresta em pé” é menos valorizada que a terra “limpa”. A possibilidade de regularização das terras que foram sujeitas a práticas irregulares/ilegais de apropriação, acaba tendo como resultado um incremento na valorização dos lotes oriundos de práticas ilegais, posto que viabilizam a sua entrada no mercado formal de terras, para ser comercializado regularmente. Apesar de a regularização fundiária ser imprescindível para se enfrentar diversos problemas de ordem socioambiental e socioeconômica, caso não seja realizada de forma muito criteriosa, acaba colaborando para a especulação imobiliária e agrava as pressões sobre o meio ambiente e recursos naturais da Amazônia.
Urbanização em áreas de várzea na Amazônia
Roberta Menezes Rodrigues, Universidade Federal do Pará – UFPA, robertamr@ufpa.br
Juliano Pamplona Ximenes Ponte, PPGAU, Universidade Federal do Pará – UFPA, jximenes@ufpa.br
Todas as cidades seculares mais antigas da Amazônia brasileira são ribeirinhas, lacustres, estuarinas ou litorâneas. Todas essas cidades, núcleos urbanos mais antigos da região, frequentemente assentadas sobre antigos aldeamentos indígenas, eventualmente comportando milhares de pessoas como população. O acesso à água é um requisito histórico da ocupação territorial humana na região. As cidades que se estruturaram a partir desta condição fisiográfica, frequentemente associando portos, feiras e mercados públicos, garantiam seu papel de entreposto comercial articulado a uma rede urbana de mercadorias, bens, serviços e pessoas. Os padrões tecnológicos, morfológicos e socioeconômicos da urbanização contemporânea, contudo, apresentam graves contradições diante da lógica compreensiva, tradicional e cabocla, de assentamento nas áreas ribeirinhas e assemelhadas da região. As formas tradicionais de assentamento, menos sujeitas a impactos negativos das variações de níveis das águas, da sazonalidade e das chuvas, são progressivamente abandonadas em direção a padrões hegemônicos, baseados em pavimentos como o concreto ciclópico e os diversos tipos de asfalto. Tais tecnologias, viáveis comercialmente e tornadas de grande escala na produção industrial, impermeabilizam o solo, reduzem ainda mais as já baixas declividades médias de sítio da região e, portanto, implicam em supressão vegetal. O padrão especulativo da expansão urbana no Brasil, criando manchas urbanas espraiadas com hiato de infraestrutura e áreas de moradia precária, tende a agravar este problema. Deste modo, discute-se a possibilidade de associar a revisitação de técnicas tradicionais, reabilitadas como compreensivas ou não-estruturais, a técnicas tradicionais caboclas, regionais, de modo a fazer uma crítica às formas e técnicas da urbanização na Amazônia e, ao mesmo tempo, propor diretrizes urbanísticas de intervenção, relativas a seu aspecto socioambiental.
Mapeamento para o monitoramento de Riscos Socioambientais na Região Metropolitana de Manaus (RMM)
Marcelo Augusto dos Santos Junior, FVA (Fundação Vitória Amazônica), brasa@fva.org.br
Fabiano Lopez Silva, FVA (Fundação Vitória Amazônica), fabiano@fva.org.br
A Região Metropolitana de Manaus (RMM) é a maior metrópole da região Norte com 2.568.817 habitantes destacada como a 11a maior aglomeração urbana brasileira. É composta pelos municípios de Autazes, Careiro, Careiro da Várzea, Iranduba, Itacoatiara, Itapiranga, Manacapuru, Manaquiri, Manaus, Novo Airão, Presidente Figueiredo, Rio Preto da Eva e Silves, e devido a sua vasta extensão territorial, processo histórico de ocupação e localização em meio a floresta amazônica, possui baixa densidade demográfica e acentuada segregação sócioeconomica. Visando o monitoramento de riscos socioambientais associados a processos de desenvolvimento econômico, crescimento urbano e padrões de uso e ocupação do solo, utilizamos análises de Sistema de Informações Geográficas e Sensoriamento Remoto. Geramos índices aglomerados em três eixos centrais: Índice de Exposição (Índices: Cobertura Vegetal, Desastres Naturais, Fragilidade Ambiental); Índice de Sensibilidade (Índices: Epidemiológico, Pobreza, Sensibilidade Sóciodemográfica); e Índice de Capacidade Adaptativa (Índices: Estruturas Socioenômicas, Instituições, Serviços e Infraestruturas para adaptação, Organização Sociopolítica), e derivamos um Índice Global de Risco Socioambiental (IGRSA) a partir destes três eixos. Concluimos que os municípios da margem direita dos rios Solimões e Amazonas possuem maior risco socioambiental, principalmente, por possuírem as maiores áreas relativas (km2) à: fitofisionomias de florestas alagáveis (várzeas), solos aluviais, e desmatamento acumulado; as maiores densidades de focos de queimadas e estradas, e as maiores proporções de casos, taxas de incidência e tendências crescentes das epidemiologias. Com estes resultados e futuras pesquisas, esperamos subsidiar o planejamento territorial, a gestão ambiental e a promoção, adequação e melhoria das politicas públicas relativas à Região Metropolitana de Manaus.
Processo de Descentralização da Gestão Ambiental: desafios do controle ambiental e gestão do território para as secretarias municipais de meio ambiente
Luís Eustórgio, Secretário Municipal de Meio Ambiente de Bragança – PA e 1º presidente do Fórum de Secretários Municipais de Meio Ambiente do Estado do Pará, luis_eustorgio@yahoo.com.br
Nos anos recentes vem se delineando um significativo processo de descentralização da gestão ambiental, especialmente a partir da regulamentação das competências de controle ambiental municipal (LC 140/2011) e do novo Código Florestal (e implementação do Cadastro Ambiental Rural, a partir de 2012). Para as secretarias municipais de meio ambiente esse processo representou um significativo ganho de responsabilidades e capacidade de intervenção, mas também um grande desafio. A proposta desta apresentação é refletir o significado e potenciais consequências do processo de descentralização da gestão ambiental, levando em consideração as condições institucionais e possibilidades de atuação política dos secretários de municipais de meio ambiente do Estado do Pará. O enfreamento das questões ambientais e da apropriação do território a partir de outra escala implica numa profunda mudança dos leques de relações e dispositivos de poder acionados por órgãos estatais e atores envolvidos nas disputas socioambientais.