SL15 Estado, agentes e espaços constituintes da financeirização no Brasil urbano

State, agents and spaces in the financialization of urban Brazil

  • Daniel M Sanfelici
  • Ivana Socoloff
  • Flávia E.S. Martins
  • Jeroen Klink
Palavras-chave: financeirização, cidade, urbanismo

Resumo

Estado, agentes e espaços constituintes da financeirização no Brasil urbano State, agents and spaces in the financialization of urban Brazil Estado, agentes e espaços constituintes da financeirização no Brasil urbano State, agents and spaces in the financialization of urban Brazil

Coordenador: Daniel M Sanfelici Universidade Federal Fluminense, Professor Adjunto, danielsanfelici@gmail.com

Debatedora: Ivana Socoloff, CONICET (Argentina), Pesquisadora, ivisoc@gmail.com

O termo "financeirização" proliferou-se significativamente nos debates sobre o capitalismo contemporâneo e suas transformações (Arrighi, 1994; Krippner, 2005; Lapavitsas, 2009). A financeirização vem sendo amplamente identificada como elemento propulsor e desdobramento do processo de reestruturação do capitalismo mundial iniciado nos anos 1970, sendo frequentemente abordada como um fenômeno imbricado com a ascensão do neoliberalismo, a globalização, a desregulamentação, entre outros. Nesse contexto, surgiram diferentes linhas de abordagem sobre o tema da financeirização, centradas em diferentes escalas geográficas, agentes e perspectivas teórico-conceituais. Mais recentemente, alguns autores vêm chamando atenção para uma tendência de banalização do uso do termo “financeirização" (Christophers, 2015), destacando a importância de se buscar uma conceituação mais precisa para que esta categoria possa de fato exercer algum papel explicativo relevante. As formulações teóricas sobre a financeirização no capitalismo contemporâneo têm como denominador comum o reconhecimento de uma influência crescente do assim chamado "capital financeiro" na organização dos processos econômicos e sociais. No entanto, nem sempre se preocupam em construir reflexões sobre o que caracterizaria, em sua essência, o "capital financeiro", quais seriam suas especificidades, o que o diferenciaria de outras formas de capital e como ele se entrelaça com outras dimensões ou circuitos da economia, do Estado e da vida social. O termo "financeirização" proliferou-se significativamente nos debates sobre o capitalismo contemporâneo e suas transformações (Arrighi, 1994; Krippner, 2005; Lapavitsas, 2009). A financeirização vem sendo amplamente identificada como elemento propulsor e desdobramento do processo de reestruturação do capitalismo mundial iniciado nos anos 1970, sendo frequentemente abordada como um fenômeno imbricado com a ascensão do neoliberalismo, a globalização, a desregulamentação, entre outros. Nesse contexto, surgiram diferentes linhas de abordagem sobre o tema da financeirização, centradas em diferentes escalas geográficas, agentes e perspectivas teórico-conceituais. Mais recentemente, alguns autores vêm chamando atenção para uma tendência de banalização do uso do termo “financeirização" (Christophers, 2015), destacando a importância de se buscar uma conceituação mais precisa para que esta categoria possa de fato exercer algum papel explicativo relevante. As formulações teóricas sobre a financeirização no capitalismo contemporâneo têm como denominador comum o reconhecimento de uma influência crescente do assim chamado "capital financeiro" na organização dos processos econômicos e sociais. No entanto, nem sempre se preocupam em construir reflexões sobre o que caracterizaria, em sua essência, o "capital financeiro", quais seriam suas especificidades, o que o diferenciaria de outras formas de capital e como ele se entrelaça com outras dimensões ou circuitos da economia, do Estado e da vida social.

Pretende-se, nesta sessão livre, contribuir para atar alguns nós frouxos na compreensão do processo de financeirização, voltando o olhar para as diferentes facetas de financeirização da vida urbana e do processo urbano. Nos últimos vinte a trinta anos, em diferentes países do mundo, a produção material e simbólica das cidades ficou mais permeável aos ritmos, expectativas, estratégias e decisões de investimento dos atores financeiros. Na esteira de mudanças regulatórias que facilitaram a conversão do estoque imobiliário em papéis financeiros negociados em mercados globais (Gotham, 2006), as cidades se renderam, cada vez mais, à volatilidade de curto prazo dos mercados financeiros, com consequências importantes para aspectos tão diversos como o acesso à moradia, o planejamento urbano, a segmentação do espaço urbano e a distribuição espacial dos investimentos privados — questões investigadas por uma relativamente extensa produção acadêmica (Aalbers, 2008; Newman, 2009; Rolnik, 2013; Halbert et al, 2015; Martins, 2010; Sanfelici & Halbert, 2015; Klink & Denaldi, 2014; Pereira, 2016). Entende-se, contudo, que a compreensão do processo de financeirização tem muito a ganhar se lançar um olhar mais detido para dimensões à primeira vista menos evidentes da relação entre finanças e cidades, sobretudo se acompanhado de uma atenção às particularidades sociais e geográficas dos processos — muitas vezes ignoradas por uma produção acadêmica centrada, majoritariamente, nos países do Norte global. Com este espírito, a sessão aqui proposta pretende lançar luz sobre as múltiplas interfaces entre finanças e cidades no Brasil, norteada por algumas indagações que permeiam e conectam as pesquisas dos proponentes:

(1) Desenvolvimento geográfico desigual: teorias sobre a financeirização foram concebidas sobretudo a partir da realidade das economias centrais do capitalismo mundial, e particularmente da experiência de alguns países específicos dentro desse grupo. Nesse sentido, é importante refletir sobre a pertinência do uso desta categoria para se pensar processos econômicos na periferia do capitalismo. Estaríamos "importando" categorias de análise inapropriadas e aplicando as chamadas "ideias fora do lugar"? Se admitirmos que esta categoria traz elementos relevantes para se pensar as economias periféricas, quais seriam as especificidades da financeirização nesses contextos? Haveria traços distintivos do processo de financeirização observáveis em economias periféricas em geral, relacionados intrinsecamente à condição periférica? E como estas especificidades se manifestam no processo urbano? Em outras palavras, de que forma a financeirização das cidades ganha contornos diferenciados em um país como o Brasil?

(2) Temporalidades dissonantes: a possibilidade de comparação instantânea entre ativos financeiros emitidos por setores/regiões/países diferentes e o caráter fluido da forma monetária confere uma temporalidade mais veloz ao capital financeiro. A securitização dos ativos de base imobiliária, e outras inovações financeiras afins, colocaram a produção do ambiente construído urbano cada vez mais à mercê do ritmo frenético das finanças globalizadas. Caberia, neste sentido, indagar como esta temporalidade efêmera do capital financeiro confronta o tempo mais lento do capital investido no ambiente construído urbano? De que forma as expectativas de rentabilidade de curto prazo influem sobre as práticas dominantes do setor imobiliário? Como os ritmos e tempos financeiros formatam ou cerceiam a vida cotidiana das famílias endividadas e recompõem a sociabilidade na escala local?

(3) Agentes e ação na criação de “produtos financeiros": complementarmente à compreensão das dinâmicas estruturais de circulação do capital a juros — as transferências de capital de um circuito ao outro, determinadas por processos de sobreacumulação e variabilidade nas taxas de retorno — cumpre elucidar o papel ativo da comunidade financeira em criar novos mercados/produtos financeiros e direcionar investimentos para segmentos e cidades/regiões diferentes. Neste contexto, que importância detém concepções particulares de rentabilidade, que circulam no mundo financeiro, em favorecer a produção e consumo de bens imobiliários de determinado perfil em detrimento de outros? De que forma as preferências dos investidores financeiros são filtradas e ganham expressão nas práticas dominantes no setor imobiliário ou na escolha de investimentos dos proprietários de carteiras de imóveis? Como o confronto entre a racionalidade financeira com outras formas de conceber a produção e consumo do ambiente construído acaba por modificar as práticas e decisões no âmbito da esfera financeira?

(4) Influências sobre o Estado e o planejamento urbano: por fim, é preciso atentar para como as finanças exercem influência sobre as diferentes escalas de governança da cidade, o que levanta algumas questões relevantes: como as expectativas dos investidores financeiros repercutem sobre as formas de intervenção do setor público no espaço urbano? Como a governança urbana se adapta aos ciclos (voláteis) de investimento liderados pelas grandes construtoras de capital aberto, capazes de obter recursos com a venda de ações e títulos privados a investidores internacionais? E, por fim, visto que os próprios planos de intervenção urbanística preveem, cada vez mais, o uso de instrumentos de captação de recursos concebidos originalmente no mundo das finanças, quais são as implicações deste processo para o ordenamento territorial urbano? Haveria ainda espaço para elaborar políticas urbanas que confrontem ou desviem dos interesses das finanças?

Longe de esgotar a diversidade de ângulos a partir dos quais examinar a dinâmica da financeirização em relação às cidades e ao espaço, estas indagações, e as reflexões que suscitam, são vias exploratórias para atualizar o potencial analítico do conceito de financeirização, buscando refiná-lo a fim de que possa iluminar dinâmicas ainda pouco compreendidas do processo urbano no Brasil.

Referências

Aalbers, M. B. (2008). The financialization of home and the mortgage market crisis. competition & change, 12(2), 148-166.

Arrighi, G. (1994). The long twentieth century: Money, power, and the origins of our times. New York: Verso.

Christophers, B. (2015). The limits to financialization. Dialogues in Human Geography, 5(2), 183200.

Christophers, B. (2015). The limits to financialization. Dialogues in Human Geography, 5(2), 183200.

Gotham, K. F. (2006). The Secondary Circuit of Capital Reconsidered: Globalization and the US Real Estate Sector1. American Journal of Sociology, 112(1), 231-275.

Halbert, L., Henneberry, J., & Mouzakis, F. (2014). Finance, business property and urban and regional development. Regional Studies, 48(3), 421-424.

Klink, J., & Denaldi, R. (2014). On financialization and state spatial fixes in Brazil. A geographical and historical interpretation of the housing program My House My Life. Habitat International, 44, 220-226.

Krippner, G. R. (2005). The financialization of the American economy. Socio-economic review, 3(2), 173-208.

Lapavitsas, C. (2009). Financialised capitalism: Crisis and financial expropriation. Historical Materialism, 17(2), 114-148.

Martins, F. E. S. (2010). A (re) produção social da escala metropolitana: um estudo sobre a abertura de capitais nas incorporadoras e sobre o endividamento imobiliário urbano em São Paulo. São Paulo: FFLCH/USP (Tese de Doutorado).

Newman, K. (2009). Post-Industrial Widgets: Capital Flows and the Production of the Urban. International Journal of Urban and Regional Research, 33(2), 314-331.

Pereira, A (2016). Intervenções em centros urbanos e conflitos distributivos: modelos regulatórios, circuitos de valorização e estratégias discursivas. São Paulo: Faculdade de Direito.

Rolnik, R. (2013). Late neoliberalism: the financialization of homeownership and housing rights. International Journal of Urban and Regional Research, 37(3), 1058-1066.

Sanfelici, D. & Halbert, L. (2016). Financial markets, developers, and the geographies of housing in Brazil: a supply-side account. Urban Studies, v. 53, n. 7, pp. 1465-1485.

NÍVEIS E DIMENSÕES DO ENDIVIDAMENTO IMOBILIÁRIO URBANO: DESAFIOS EPISTEMOLÓGICOS RECENTES

Flávia E. S. Martins

Esta pesquisa busca apresentar o processo de ampliação do acesso à habitação generalizado em cidades e metrópoles brasileiras na última década. Este acesso vem se realizando por meio do endividamento imobiliário de longa duração, com contratos que podem chegar aos 30 anos, em uma sociedade com ampliação de postos de trabalhos em regime precarizado. Desta forma, o endividamento imobiliário aparece como importante mediador entre processos de mundialização financeira e intensificação da exploração dos trabalhadores, tornando-se um elemento de ritmanálise fundamental de ser compreendido em suas contradições. Para a metrópole de São Paulo, os dados coletados possibilitaram a análise das dimensões geográficas do endividamento imobiliário urbano, além de permitirem a abordagem tipológica de parte dos imóveis leiloados, evidenciando a substituição de práticas de autoconstrução, com ritmos combinados aos ganhos dos trabalhadores, pelo consumo de um produto imobiliário pronto, homogêneo, que inverte e domina a relação entre o acesso á habitação e as possibilidades de pagamento da mesma. Para a metrópole do Rio de Janeiro, novas questões surgem, resultantes de outra historicidade da urbanização, revelando conflitos entre comunidades quilombolas e de pescadores, dentre outras, e a substituição de suas moradas, complexas e potentes na reprodução de sentidos e práticas espaciais no urbano, por condomínios homogêneos e em processo de esvaziamento, intensificando a relação entre exploração e dominação, a partir da redefinição compulsória de modos de vida.

COMUNIDADES PROFISSIONAIS, CONVENÇÕES E PRÁTICAS: DECIFRANDO O MUNDO FINANCEIRO E SUAS INSTITUIÇÕES PARA ELUCIDAR A FINANCEIRIZAÇÃO DO IMOBILIÁRIO

Daniel M. Sanfelici

A teorização acerca da financeirização do setor imobiliário e, mais amplamente, das cidades no capitalismo contemporâneo encontra importante suporte conceitual na formulação de David Harvey acerca da transferência de capital entre circuitos de acumulação. Segundo a concepção de Harvey, ao se deparar com sinais de sobreacumulação no circuito primário (produção industrial), o capital tende a se deslocar para o circuito secundário — que inclui, entre outros, o investimento imobiliário — a fim de manter seus patamares de lucratividade, movimento este que Harvey denominou capital-switching. Reconhecendo a importância da formulação de Harvey, argumentase, porém, que tanto efetivação do processo de transferência de capital (capital-switching) quanto as suas repercussões materiais e sociais são mediadas por uma comunidade profissional cujos atores compartilham e co-produzem determinadas concepções de mundo, convenções e rotinas. A compreensão destas últimas emerge, então, como um complemento necessário às formulações mais estruturais derivadas da economia política. O trabalho ilustra este processo ao se voltar para o papel ativo da indústria financeira, nos últimos quinze anos, em criar novos ativos financeiros de base imobiliária, atrair a poupança privada (interna e externa) para estes ativos, e direcionar os recursos captados para determinados segmentos imobiliários e regiões geográficas, produzindo, assim, geografias que refletem, em grande medida, as convenções e concepções de mundo que cimentam a comunidade financeira.

FINANCEIRIZAÇÃO URBANA. E O PLANEJAMENTO URBANO BRASILEIRO COM ISSO?

Jeroen Klink

Recentemente, Christophers ressaltou que chegou a hora de “fazer um intervalo, respirar, e (re)avaliar cuidadosamente” a literatura sobre financeirização. Argumento que, além disso, cabe uma reflexão sobre a sua (ir)relevância para o campo de planejamento urbano-metropolitano, por exemplo, para compreender melhor os impasses que cercam a agenda da Reforma Urbana, ou os limites e potencialidades de projetos urbanos contra-hegemónicos a partir da ideia da financeirização. Uma das criticas de Christophers é que, no formato atual, o debate sobre financeirização perdeu, de forma paradoxal, relevância política porque procurou investigar as consequências contraditórias do processo — no sentido de penetrar com os “seus tentáculos” na lógica do mundo não-financeiro — sem aprofundar a analise sobre o que é a financeirização e o seu processo constituinte. Isso requer deslocar o debate do tema de financeirização para as relações imbricadas entre a moeda, o crédito, o financiamento e o mundo das finanças. Referida crítica é pertinente, mas não invalida os esforços em torno do aperfeiçoamento da agenda de pesquisa, com recortes específicos para países como o Brasil e priorizando não apenas as consequências e efeitos, mas a própria natureza e os processos constituintes da financeirização no espaço urbano. Uma agenda desta natureza pode assumir maior relevância política, isto é, capacidade transformadora, no sentido de compreender melhor a geração e circulação de valor, as relações sociais, assim como os projetos e as estratégias materiais e imateriais dos agentes que atuam no complexo financeiro-imobiliário, e questionar a penetração das suas lógicas e métricas no planejamento e na (re)produção do espaço urbano e da própria vida. elações imbricadas entre a moeda, o crédito, o financiamento e o mundo das finanças. Referida crítica é pertinente, mas não invalida os esforços em torno do aperfeiçoamento da agenda de pesquisa, com recortes específicos para países como o Brasil e priorizando não apenas as consequências e efeitos, mas a própria natureza e os processos constituintes da financeirização no espaço urbano. Uma agenda desta natureza pode assumir maior relevância política, isto é, capacidade transformadora, no sentido de compreender melhor a geração e circulação de valor, as relações sociais, assim como os projetos e as estratégias materiais e imateriais dos agentes que atuam no complexo financeiro-imobiliário, e questionar a penetração das suas lógicas e métricas no planejamento e na (re)produção do espaço urbano e da própria vida.

FINANCEIRIZAÇÃO E ESPAÇO ABSTRATO

Álvaro Pereira

A categoria "financeirização" vem sendo amplamente utilizada como chave analítica em reflexões teóricas sobre o capitalismo contemporâneo. Mais recentemente, alguns autores vêm problematizando a difusão deste conceito, buscando ressaltar alguns de seus limites explicativos e provocar questionamentos acerca da efetiva contribuição que ele pode ou não trazer para se compreender a atual ordem social e econômica e suas contradições. Este trabalho busca oferecer uma contribuição para os debates sobre a financeirização por meio de um esforço de reflexão sobre três dimensões deste fenômeno: os nexos entre financeirização e produção material de valor; as semelhanças e diferenças entre o papel das finanças no liberalismo clássico e no neoliberalismo; e a manifestação espacialmente desigual da financeirização. É proposta uma leitura da financeirização como um processo cíclico de aprofundamento da abstração e da alienação no âmbito das relações sociais, configurações espaciais e processos cognitivos em que se assenta a acumulação capitalista. No entanto, mais do que buscar respostas acabadas para estes problemas teóricos de grande complexidade, o intuito do trabalho é contribuir no sentido de aprofundar reflexões e construir perguntas de pesquisa coletivamente.

Publicado
2019-05-11
Seção
Sessão Livre