SL14 Lugares Controlados: privatização e financeirização do espaço da cidade neoliberal

  • Manoel Antônio Lopes Rodrigues Alves
  • Cesar Simoni
  • Glauco Bienenstein
  • Regina Bienenstein
  • Rodrigo Firmino
Palavras-chave: financeirização, cidade, espaço público, urbanismo neoliberal, privatização urbana

Resumo

Lugares Controlados: privatização e financeirização do espaço da cidade neoliberal Lugares Controlados: privatização e financeirização do espaço da cidade neoliberal

Coordenador: Manoel Antonio Lopes Rodrigues Alves, IAU-USP, mra@sc.usp.br

Debatedor: Cesar Simoni - FFLCH/USP –PPGH, : cesarsimoni@usp.br

 A reestruturação produtiva do espaço urbano contemporâneo, no bojo do processo de mundialização, se desenvolve social e espacialmente por meio de distintas relações,em certa medida novas, entre ossetores político e financeiro. De fato, processos recentesde reestruturação produtiva vem promovendo, em escala mundial, formas diferenciadas de articulação econômica e política entre o Estado e o capital na produção do espaço urbano.

Em um contexto de práticas que transbordam para além de seus campos e limites, táticas e estratégias, em respostas ao fluxo dos mercados globais e suas atuações concretas no momento socioeconômico de cada localização geográfica,combinam-se com novos ou reformulados padrões. Nesse contexto, se observa a transformação dos processos de produção da cidade e da paisagem urbana em mercadoria para consumo imediato (Alves e Tapia, 2014). Passamos dos programas e processos modernistas controlados pelo Estado, da época do pós-guerra, para, a partir dos anos 80, o desenvolvimento de propostas representativas de uma agenda neoliberal orientada ao mercado – agenda essa, por um lado, cada vez mais mundializada e hegemônica e, por outro, promotora e indutora de processos de privatização, domínio e controle do espaço urbano. Lugares e territórios tornam-se instrumentos de mercantilização do espaço urbano, em uma cidade que deve priorizar relações de consumo e gestão focadas na eficiência de infraestruturas urbanas pela redução de perdas, otimização de recursos e o funcionamento eficaz do próprio mercado. Em um contexto de práticas que transbordam para além de seus campos e limites, táticas e estratégias, em respostas ao fluxo dos mercados globais e suas atuações concretas no momento socioeconômico de cada localização geográfica,combinam-se com novos ou reformulados padrões. Nesse contexto, se observa a transformação dos processos de produção da cidade e da paisagem urbana em mercadoria para consumo imediato (Alves e Tapia, 2014). Passamos dos programas e processos modernistas controlados pelo Estado, da época do pós-guerra, para, a partir dos anos 80, o desenvolvimento de propostas representativas de uma agenda neoliberal orientada ao mercado – agenda essa, por um lado, cada vez mais mundializada e hegemônica e, por outro, promotora e indutora de processos de privatização, domínio e controle do espaço urbano. Lugares e territórios tornam-se instrumentos de mercantilização do espaço urbano, em uma cidade que deve priorizar relações de consumo e gestão focadas na eficiência de infraestruturas urbanas pela redução de perdas, otimização de recursos e o funcionamento eficaz do próprio mercado.

Mas que parâmetros empírico ou temporais, que processos de urbanização, que mecanismos de cooptação e que circuitos de circulação de capital constituem a produção do espaço urbano atual, privatizado e de paisagens urbanas para o consumo imediato e constante? Autores como Harvey e Brenner apontam para uma urbanização planetária em crise (social, política e ambiental), para a qual, aparentemente, ainda não nos demos conta. Em complementaridade, para Pardo, " [....] o que está sucedendo é que o paradigma em virtude do qual se construiu a cidade em sua configuração anterior já é um paradigma antiquado e inútil para que a cidade possa fazer frente a seus desafios de futuro e, sem dúvida, todavia não terminou de instalar-se o novo paradigma [....] em um mundo que estará completamente transformado". (Pardo, 2011:357).

Nesse cenário(de mudança de paradigma), a promoção do lucro urbano para poucos ('urbanprofit for few', Brenner) tem sido a tendência predominante em um cenário condicionado por um urbanismo neoliberal em que tanto o Estado quanto o mercado tem falhado no oferecimento de bens públicos. Todavia, esse urbanismo neoliberal não é uno, uma vez que representativo de amplo espectro de instituições, processos, políticas e estratégias de regulação condicionadas pelo mercado que, por outro lado, são também representações de táticas e estratégias distintas.

Para Brenner, a análise crítica de políticas estatais orientadas ao mercado, que compreendem a promoção da privatização, desregulamentação e liberalização do espaço urbano, se faz necessária para compreender em que medida negligenciam e fragilizam instituições e processos públicos em favor de formas de apropriação urbana privatizada.

É necessário ter em mente que a estrutura de transformações urbanas contemporâneas - sociais, políticas e econômicas - definem uma nova problemática que demanda estratégias analíticas que questionem a pertinência de nossos conceitos.O questionamento de marcos conceituais referentes a processos de urbanização em transformação(ou mutação?) se constitue, a nosso ver, em uma abordagem necessária para a análise de quadro conjuntural que condiciona as mudanças socio-espaciais de práticas e morfologias urbanas.

Em diferentes localizações geográficas, apresentando singularidades e especificidades, esse urbanismo neoliberal revela particularidades na definição de negociações do 'fazer a cidade', de suas políticas públicas e de planejamento, de suas estratégias de desenho e intervenção. Apesar de suas diferenças, apresentam muito em comum, ao promoverem um espaço urbano financeirizado, condicionado pelo mercado e caracterizado pelo empoderamento de organizações e atores privados, de modo a implementar processos de comodificação do espaço urbano. Dessa forma, conformando a vida citadina por relações de mercado.

A consequência direta desses processos para o planejamento e redesenho sociopolítico da morfologia urbana se manifesta de forma evidente em vários fenômenos contemporâneos, dentre os quais pode-se citar como exemplo, por um lado, o que tem sido chamado de “urbanismo inteligente” (Luque-Ayalae Marvin, 2015) em que sistemas tecnológicos ditos eficientes e confiáveis atribuem códigos de conduta e ações esperadas para o funcionamento da cidade, e passam a determinar o controle de espaços de fixos e de fluxos pautados pela eficácia da estrutura urbana segundo o atendimento prioritário das forças de mercado. Dados, informações, gestão eficiente, algoritmos e sistemas inteligentes fazem parte do repertório de suporte sociotécnico deste tipo de reprodução do espaço urbano. A consequência direta desses processos para o planejamento e redesenho sociopolítico da morfologia urbana se manifesta de forma evidente em vários fenômenos contemporâneos, dentre os quais pode-se citar como exemplo, por um lado, o que tem sido chamado de “urbanismo inteligente” (Luque-Ayalae Marvin, 2015) em que sistemas tecnológicos ditos eficientes e confiáveis atribuem códigos de conduta e ações esperadas para o funcionamento da cidade, e passam a determinar o controle de espaços de fixos e de fluxos pautados pela eficácia da estrutura urbana segundo o atendimento prioritário das forças de mercado. Dados, informações, gestão eficiente, algoritmos e sistemas inteligentes fazem parte do repertório de suporte sociotécnico deste tipo de reprodução do espaço urbano.

Por outro lado, mas também focado na eficiência econômica de lugares e territórios em reproduzir e ampliar escalas de consumo constante e imediato, a privatização de setores da cidade se presta a uma visível tendência de securitização e vigilância do espaço urbano (em particular, espaços públicos). Segundo Minton e Aked (2012), a ampliação de propriedades privadas (em quantidade e área) e privatizações na cidade demanda um aumento proporcional no controle de acessos e ações no espaço por meio de estratégias de vigilância e securitização. Ainda segundo os autores, a privatização de espaços transforma a lógica do controle do território.

Se sob o domínio do Estado a segurança se dá para o cumprimento da lei e proteção dos cidadãos, a privatização do espaço urbano e a securitização de áreas privadas se dá tanto pelo aumento do domínio e controle sobre o patrimônio privado, quanto pela preservação do mesmo (patrimônio privado). O ponto comum dessas duas tendências, além da origem nos processos globais já citados, é, em certa medida, contraditória: por uma lado, o endurecimento dos limites e fronteiras territoriais urbanas; por outro, o desenvolvimento de espacialidades e espaços públicos híbridos - processos híbridos enquanto questão a ser pensada não apenas do ponto de vista de sua produção, mas também de sua recepção e contínua elaboração.

A análise de processos de urbanização de características globais, de intervenções urbanas em diferentes contextos, considerando que respondem a uma mesma lógica mundializada de produção do espaço urbano, nos permite indagar quanto e em que medida é ainda possível consideramos a perspectiva de uma cidade inclusiva. Considerando que contextos urbanos, histórica e geograficamente determinados, vem sendo redefinidos e reformatados por formas específicas de urbanização neoliberal que restringem a noção de direito à cidade de Lefebvre, esta sessão promoveum questionamento crítico de aspectos do urbanismo contemporâneo. Para tanto, investiga e propõe o debate pautado pela transversalidade de pontos como:

- processos de privatização do espaço urbano em experiências recentes do urbanismo neoliberal (POPs, BIDse outras intervenções);

- a articulação entre Estado e mercado na promoção de processos urbanos financeirizados, associados apromoção de legislações e dispositivos legais que flexibilizam usos e apropriações do espaço urbano;

- o emprego de tecnologias e práticas de vigilância, monitoramento e controle no uso do, ou acesso ao, espaço público urbano;

- o fenômeno da cidade neoliberal "inteligente" e o uso do controle eficiente dos espaços e infraestruturas urbanas para a maximização da eficácia da circulação do capital.

Palavras-chave: espaço público, urbanismo neoliberal, privatização urbana

DA CIDADE DE TODOS À CIDADE DE ALGUNS: DISPUTAS SOCIOESPACIAIS EM PLENA DEMOCRACIA DIRETA DO CAPITAL

Glauco Bienenstein e Regina Bienenstein

É truísmo afirmar que o processo urbano contemporâneo é efetivamente orientado pela lógica da forma mercadoria. Desta forma, espaço urbano constitui um locus privilegiado da acumulação. Tal constatação nada mais representa do que tendências pretéritas do desenvolvimento capitalista, especialmente, desde o fim do século passado, quando a crescente mercantilização do espaço foi sendo progressivamente orientada pelas novas formas de gestão e realização da riqueza capitalista, que, por sua vez, têm delineado as diversas dimensões da vida e da sociabilidade urbanas. Assim sendo, argumenta-se sob o atual padrão de acumulação financeirizado, cuja dinâmica tem progressivamente demandado uma racionalidade e um controle das formas de gestão e produção do ambiente construído, sob o inaudito domínio daquilo que Vainer (2011) denomina de “democracia direta do capital”. Neste contexto, as disputas e/ou lutas pelo direito à cidade, no âmbito do crescente incremento dos padrões de miséria e de exclusão, têm revelado a problemática coexistência de cidadelas, as quais, por sua vez, encarnam o que Miraftab (2009) intitula “espaços inventados” e “espaços convidados”. O Rio de Janeiro, dos grandes projetos e dos megaeventos esportivos, materializa um interessante campo empírico na medida em que a complexidade de formas e processos presentes na produção do seu espaço urbano, oferece uma profícua possibilidade de desvelamento dos modos como as contradições presentes nas grandes aglomerações urbanas dos países da periferia vêm sendo tratadas. É truísmo afirmar que o processo urbano contemporâneo é efetivamente orientado pela lógica da forma mercadoria. Desta forma, espaço urbano constitui um locus privilegiado da acumulação. Tal constatação nada mais representa do que tendências pretéritas do desenvolvimento capitalista, especialmente, desde o fim do século passado, quando a crescente mercantilização do espaço foi sendo progressivamente orientada pelas novas formas de gestão e realização da riqueza capitalista, que, por sua vez, têm delineado as diversas dimensões da vida e da sociabilidade urbanas. Assim sendo, argumenta-se sob o atual padrão de acumulação financeirizado, cuja dinâmica tem progressivamente demandado uma racionalidade e um controle das formas de gestão e produção do ambiente construído, sob o inaudito domínio daquilo que Vainer (2011) denomina de “democracia direta do capital”. Neste contexto, as disputas e/ou lutas pelo direito à cidade, no âmbito do crescente incremento dos padrões de miséria e de exclusão, têm revelado a problemática coexistência de cidadelas, as quais, por sua vez, encarnam o que Miraftab (2009) intitula “espaços inventados” e “espaços convidados”. O Rio de Janeiro, dos grandes projetos e dos megaeventos esportivos, materializa um interessante campo empírico na medida em que a complexidade de formas e processos presentes na produção do seu espaço urbano, oferece uma profícua possibilidade de desvelamento dos modos como as contradições presentes nas grandes aglomerações urbanas dos países da periferia vêm sendo tratadas.

Palavras-chave: (I) Disputas socioespaciais; (II) Megaeventos; (III) Mercantilização do espaço; (IV) Financeirização; (V) Rio de Janeiro.

CIDADE DO CAPITAL, ESPAÇO PÚBLICO E TEMPOS PRIVADOS

Manoel Rodrigues Alves

Numa cidade que responde a parâmetros próprios de uma época de transição, a produção do espaço urbano e suas vinculações ao modo de produçãodizem respeito a uma míriade de processosque frequentemente se justapõem e/ou interpenetram na produção privada do espaço, onde formas e espacialidades remetem a três aspectos: a redução de suas relações específicas, o duo segregação/securitização e a tematização e mercantilização da paisagem. Observa-se uma funcionalização da desarticulação do Estado a serviço e através do capital privado na própria produção do espaço urbano. Nesse contexto, a constituição do espaço público, por sua natureza e essência ambíguo, incerto elocus do conflito, tem, paulatinamente, dado lugar a outras formas.Como aponta Arendt, a perda da autonomia do público no social, em um espaço público em transformação em tempos privatizados, condiciona a conversão da vida pública frente as determinações do âmbito da necessidade, consolidando (o espaço público)em negativo como espacialidades do ócio e do consumo - espaços multiplex para serem consumidos em tempo parcial (Muñoz, 2010). Para além da redefinição da noção de espaço público ou o redesenho de suas fronteiras, mais e mais constata-se um social condicionado pelo imperativo da satisfação da necessidade (Keinert 2007), em que espaços públicos, (ou de domínio público), com o pretexto de proteção do público, (re)produzem-se enquanto espaços excludentes, privatizados e controlados. Esta comunicação problematiza a produção do espaço público contemporâneo e seu alinhamento às lógicas globais privatistas tomando como referência exemplos da cidade de São Paulo.

Palavras-chave: espaço público; tempos privados; privatização e controle do espaço; mercantilização do espaço.

SECURITIZAÇÃO, VIGILÂNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO EM ESPAÇOS PÚBLICOS NA CIDADE NEOLIBERAL

Rodrigo Firmino

Além do entusiasmo com as possibilidades de uma capacidade crescente para o controle central do ambiente urbano, justificadas pelo sonho de um urbanismo inteligente, a cidade também é composta de uma série de práticas e sistemas tecnológicos dispersos. Estes formam uma rede fluida de dispositivos e sistemas que participam na formação de uma camada territorial intangível formada por apropriações efêmeras do espaço, com vários níveis de interconexão, sistematização e complexidade. Acredito que haja um tipo de territorialização informal e não negociado - parte do que David Lyon e ZygmuntBauman chamam de "vigilância líquida” - isto é, fundamentalmente suportada pelas possibilidades de um controle mais inteligente sobre as ações no espaço urbano, oferecidas por tecnologias cada vez menores e mais invisíveis. A constituição de territórios geográficos na cidade é um processo sociotécnico que envolve uma sobreposição de diferentes camadas físicas, jurídicas, culturais e tecnológicas interligadas. Um complexo arranjo de empresas e serviços de segurança privada - e em muitos casos, indivíduos - é responsável pelo monitoramento de espaços que deveriam ser públicos, livres de qualquer tipo de controle privado. Na lógica das camadas territoriais, esta gestão privada dos espaços públicos pode ser visto como mais um revestimento na confecção dos territórios urbanos. SECURITIZAÇÃO, VIGILÂNCIA E TERRITORIALIZAÇÃO EM ESPAÇOS PÚBLICOS NA CIDADE NEOLIBERAL Rodrigo Firmino Além do entusiasmo com as possibilidades de uma capacidade crescente para o controle central do ambiente urbano, justificadas pelo sonho de um urbanismo inteligente, a cidade também é composta de uma série de práticas e sistemas tecnológicos dispersos. Estes formam uma rede fluida de dispositivos e sistemas que participam na formação de uma camada territorial intangível formada por apropriações efêmeras do espaço, com vários níveis de interconexão, sistematização e complexidade. Acredito que haja um tipo de territorialização informal e não negociado - parte do que David Lyon e ZygmuntBauman chamam de "vigilância líquida” - isto é, fundamentalmente suportada pelas possibilidades de um controle mais inteligente sobre as ações no espaço urbano, oferecidas por tecnologias cada vez menores e mais invisíveis. A constituição de territórios geográficos na cidade é um processo sociotécnico que envolve uma sobreposição de diferentes camadas físicas, jurídicas, culturais e tecnológicas interligadas. Um complexo arranjo de empresas e serviços de segurança privada - e em muitos casos, indivíduos - é responsável pelo monitoramento de espaços que deveriam ser públicos, livres de qualquer tipo de controle privado. Na lógica das camadas territoriais, esta gestão privada dos espaços públicos pode ser visto como mais um revestimento na confecção dos territórios urbanos.

Palavras-chave: securitização; vigilância; controle; território

Publicado
2019-05-11
Seção
Sessão Livre