SL10 DA REFORMA URBANA AO MINHA CASA, MINHA VIDA: BALANÇO E PERSPECTIVAS APÓS 30 ANOS DE LUTAS E POLÍTICAS URBANAS

  • Carlos Veiner
  • Fabrício Leal de Oliveira
  • Raquel Rolnik
  • Sérgio Baierle
  • Nabil Bonduki
  • Joviano Mayer
Palavras-chave: reforma urbana, minha casa minha vida

Resumo

DA REFORMA URBANA AO MINHA CASA, MINHA VIDA: BALANÇO E PERSPECTIVAS APÓS 30 ANOS DE LUTAS E POLÍTICAS URBANAS DA REFORMA URBANA AO MINHA CASA, MINHA VIDA: BALANÇO E PERSPECTIVAS APÓS 30 ANOS DE LUTAS E POLÍTICAS URBANAS Coordenador: Carlos Vainer, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor Titular, carlosvainer@ippur.ufrj.br Debatedor: Fabrício Leal de Oliveira, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professor

1. O golpe parlamentar-judicial que interrompeu o longo ciclo de governos de coalizão liderados pelo Partido dos Trabalhadores encerra um período de mais de 3 décadas que teve como marco inicial o despertar das lutas operárias e populares do final dos anos 1970. 1. O golpe parlamentar-judicial que interrompeu o longo ciclo de governos de coalizão liderados pelo Partido dos Trabalhadores encerra um período de mais de 3 décadas que teve como marco inicial o despertar das lutas operárias e populares do final dos anos 1970. A derrota das “Diretas Já” e o desenlace da “transição lenta, gradual e segura” frustraram as esperanças dos movimentos sociais dos anos 1980, que visavam uma democratização radical da sociedade brasileira. Permaneceram intactas muitas das heranças da ditadura militar, como a Lei de Segurança Nacional, a militarização das políticas militares, a inimputabilidade de crimes contra a humanidade, a legislação agrária, entre outras. Não é menos verdade, porém, que a Constituição de 1988 expressou, mesmo se de forma ambígua, um pacto em que se reconheciam e homologavam uma série de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais. Sintoma da crise deste pacto e tentativa reacionária de enfentá-la, o golpe de estado em curso foi deflagrado por ampla e compósita frente que inclui uma degradada e desmoralizada “classe política” (classe dirigente), a grande mídia e parte largamente majoritária das classes dominantes, com apoio muitas vezes agressivo de segmentos expressivos das camadas médias. O novo período inaugura-se com a entronização de um governo ilegal, que promete ataque direto às conquistas sociais e pilhagem do patrimônio público estatal (privatizações). As reformas constitucionais e legais em curso são apenas a expressão mais visível da crise final do regime de 1988 e do esgotamento do período histórico transcorrido desde o início da “transição democrática”. Qual o lugar e papel das lutas e políticas urbanas ao longo do período histórico que parece se encerrar? De que maneira constituíram elas, ao mesmo tempo, motor e resultado da transição democrática? De que forma evoluíram ao longo do período? Quais os desafios que lhe colocam a crise e a inauguração de um novo período histórico? De onde viemos e para onde estamos indo? Que fazer? 2. No início do período, as lutas e movimentos sociais urbanos tensionaram a ampla frente antiditadura e interpelaram seus setores mais conservadores, inscrevendo no debate nacional (e constitucional) a agenda urbana. Consagrada como Reforma Urbana, esta agenda alinhava propostas e reivindicações em torno à descentralização e fortalecimento do poder local, participação e democratização na definição dos rumos das políticas e intervenções urbanas, combate à especulação imobiliaria, direito à moradia e urbanização de favelas e bairros populares informais, direito ao saneamento e demais serviços urbanos. Nos anos 1990 e 2000, a plataforma da Reforma Urbana passou a ser enunciada como um conjunto de direitos sintetizados no slogan “Direito à Cidade”. Muitos e não desprezíveis foram os avanços legais-institucionais alcançados neste periodo. Usucapião urbano, experiências inovadoras de orçamentos participativos, conselhos locais, criação do Ministério das Cidades, conferências nacionais da cidade, Estatuto da Cidade, Lei 11.124/2015 sobre Sistema Nacional de Habitaçao de Interesse Social, a simples listagem destas inegáveis conquistas parece apontar para a concretização das muitos dos anseios nascidos quando a transição democrática ensaiava seus primeiros passos. 3. Isso não obstante, em junho e julho de 2013, cerca de 10 milhões de pessoas foram às ruas em mais de 500 cidades brasileiras. E diferentemente do que aconteceu em outros grandes momentos da nossa história (Diretas Já, Fora Collor, 1968), as cidades não foram apenas o palco das manifestações, mas constituíram o objeto e alvo dos protestos. As cidades foram às ruas para falar de cidades (Vainer, 2014; Maricato, 2014), para dar vazão à inconformidade com a precariedade e custo do transporte público, com os serviços públicos de péssima qualidade, com os enormes manifestações, mas constituíram o objeto e alvo dos protestos. As cidades foram às ruas para falar de cidades (Vainer, 2014; Maricato, 2014), para dar vazão à inconformidade com a precariedade e custo do transporte público, com os serviços públicos de péssima qualidade, com os enormes investimentos em estádios e obras suntuárias, com as remoções forçadas de populações faveladas em nome da realização da Copa e das Olimpíadas. Após quase 30 anos da Constituição Cidadã e da redemocratização, as pessoas iam à ruas reivindicar democracia, como reconhecia a própria presidente Dilma Roussef, quando afirmava em pronunciamento à nação que a “mensagem direta das ruas é por mais cidadania <...> pelo direito de influir nas decisões de todos os governos, do legislativo e do judiciário. <...> É a cidadania e não o poder econômico que deve ser ouvido em primeiro lugar”. (Pronunciamento à Nação, 21 de junho de 2013) 4. As jornadas de 2013 colocavam em evidência não apenas a quase total ineficácia dos instrumentos legais-institucionais na efetivação da tão ansiada Reforma Urbana, tal como concebida nos anos 1980, como também indicavam uma progressiva perda de protagonismo dos (novos) movimentos sociais urbanos nascidos na e da transição democrática. Por outro lado, essas manifestações homologavam a crítica de alguns grupos acadêmicos ao processo de empresariamento urbano, que transformava a cidade em empresa e mercadoria, arrastada pela ofensiva político-ideológica neo-liberal. As grandes operações urbanas, as parcerias públicoprivadas, a financeirização em marcha acelerada, na contramão dos novos e promissores instumentos legais-institucionais, asfixiavam e esterelizavam muito do que havia sido visto como grandes conquistas. Representantes de movimentos enredados em infinitos conselhos assistem a participação perder vitalidade, cedendo lugar a processos decisórios que configuram uma espécie de “democracia direta do capital” (Vainer, 2016). Progressivamente, o “modo petista de governar” entre em ocaso, e a participação quase desaparece das plataformas dos candidatos a prefeito, inclusive do campo progressista. Nas mais diferentes cidades, prefeitos de praticamente todos os partidos e matizes adotam o planejamento empresarial competitivo (planejamento estratégico), e grandes operações urbanas contam com o financiamento de bancos estatais. Até mesmo as remoções forçadas de favelas e bairros populares, que pareciam definitivamente abandonadas e substituídas pela “urbanização”, retornam com força ao repertório de governos em escala federal, estadual e municipal. 5. A sessão pretende trazer elementos para um mais que necessário balanço das últimas 3 décadas. Por que razão, após 30 anos de democracia, os citadinos foram às ruas para reivindicar democracia? Por que razão, após 30 anos de conquistas legais, conferências locais e nacionais, conselhos de todo o tipo, explodem protestos contra um processo de urbanização que condena parcelas imensas da população trabalhadora a serviços urbanos precários, e, de modo mais geral, a condições de urbanização que em muitos casos parecem reproduzir em escala ampliada a cidade desigual e injusta de 30 anos atrás? Por que razão as conquistas legais e institucionais mostraramse incapazes de contribuir, como se esperava, para quebrar o circuito perverso de produção sempre ampliada das desigualdades urbanas? Se a perspectiva analítica pretendida não pretende descobrir e invectivar “culpados”, ela exige que a reflexão seja ampliada para que se examinem os processos sociais e políticos no contexto mais amplo das transformações por que passaram nossas cidades. Em que medida a agenda da Reforma Urbana herdada dos anos 1980 permence vigente face à financeirização, às parcerias públicoprivadas, às grandes operações urbanas, aos novos modos empresariais e competitivos de planejamento urbano? Em que medida a questão da moradia e da mobilidade deveria ser repensada à luz de novas e desafiantes lógicas que estruturam a dinâmica urbana? Como enfrentar os novos desafios que se colocam para as lutas e movimentos urbanos nas novas condições políticas, econômicas e sociais decorrentes da inauguração de um novo período histórico? Que novos potenciais e sujeitos coletivos emergem do ativismo cultural dos bairros populares, do movimentos identitários? Que pontes e diálogos é possível construir entre velhos, novos e novíssimos movimentos sociais? repensada à luz de novas e desafiantes lógicas que estruturam a dinâmica urbana? Como enfrentar os novos desafios que se colocam para as lutas e movimentos urbanos nas novas condições políticas, econômicas e sociais decorrentes da inauguração de um novo período histórico? Que novos potenciais e sujeitos coletivos emergem do ativismo cultural dos bairros populares, do movimentos identitários? Que pontes e diálogos é possível construir entre velhos, novos e novíssimos movimentos sociais? Referências Bibliográficas Maricato, Ermínia (2014); "É a questão urbana, estúpido¹"; in Maricato et al. Cidades Rebeldes: passe livre e as manifetações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo, pp. 1926. Vainer, Carlos (2014). "Quando a cidade vai às ruas"; in Maricato et al. Cidades Rebeldes: passe livre e as manifetações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo, Boitempo, pp. 35-40. Vainer, Carlos (2016). “Mega-eventos, Cidade de Exceção e Democracia Direta do Capital: reflexões a partir do Rio de Janeiro”; in Vainer, Carlos; Broudehoux, Anne Marie; Sánchez, Fernanda; Oliveira, Fabrício Leal (orgs). Os Megaeventos e a Cidade: perspectivas críticas. Rio de Janeiro, Letra Capital, pp. 19-46.

AGENDA DA REFORMA URBANA: ATUALIDADE OU ANACRONISMO Raquel Rolnik AGENDA DA REFORMA URBANA: ATUALIDADE OU ANACRONISMO Raquel Rolnik A formulação da "Agenda da Reforma Urbana" se constituiu, de um lado, a partir de uma leitura acerca do processo de urbanização brasileira como modelo excludente, e, de outro lado, de uma coalizão que articulou as vítimas deste modelo a setores profissionais, de classes médias, ligados à questão urbana, como arquitetos e engenheiros. A pouca incidência desta agenda nas transformações urbanas ocorridas principalmente a partir do final dos anos 1990, quando o país retoma uma trajetória de crescimento econômico, só pode ser compreendida se analisadas as razões de sua derrota no interior da coalisão política que inicialmente a abrigou – leia-se os partidos do campo democrático-popular. Para entender esta derrota é necessário levar em consideração o peso do mimentismo Estado/mercado e sua influência sobre o modelo políticoeleitoral, que estruturam o Estado brasileiro na área de desenvolvimento urbano e não sofreram qualquer tipo de reforma; mas também as profundas transformações político-culturais ocorridas nos territórios populares. É necessário compreender, também de que forma a lógica da financeirização penetra nesta coalisão, através, por exemplo , da ação das lideranças sindicais envolvidas com os fundos de pensão. Finalmente, no cenário atual, esta agenda,assim como suas estratégias de ação perdem não apenas aderência às questões colocadas, mas sobretudo eficácia e representatividade. Por outro lado, as lutas pelo direito à cidade se multiplicam em todo o país – compreendê-las, assim como formular uma nova narrativa sobre a cidade que temos é fundamental para que uma nova articulação pelo direito à cidade ganhe força e capacidade transformadora. 

DA CRISE DO PARTICIPACIONISMO COMUNITÁRIO CIDADÃO À PRECIFICAÇÃO DA COESÃO SOCIAL Sérgio Baierle DA CRISE DO PARTICIPACIONISMO COMUNITÁRIO CIDADÃO À PRECIFICAÇÃO DA COESÃO SOCIAL Sérgio Baierle A dupla agenda constitutiva do frágil pacto democrático da Nova República (1985-2016) caracterizou-se pela erosão progressiva da agenda social (garantia e institucionalização de direitos através do Estado, com participação popular) em favor da agenda neoliberal (totalitarismo do mercado sob hegemonia do capital financeiro). O desfecho da sexta república brasileira foi de certa forma a crônica de uma morte anunciada. Orçamentos participativos, conselhos gestores, congressos e conferências acumularam toneladas de papel em propostas de políticas públicas que regulassem o poder das classes proprietárias. Na hora de definição efetiva de políticas nacionais, entretanto, estas propostas eram incorporadas apenas residualmente, sendo emblemática a implantação do Programa Minha Casa Minha Vida, onde prevaleceu o interesse das grandes incorporadoras. O Estado de Exceção em que vivemos não começou em 2016. O participacionismo da agenda social já implicava desde o princípio o monopólio político-administrativo da participação pela via partidária-estatal. Na utopia de um Estado que se abre para os projetos da sociedade residia, de um lado, a dependência de um governo cujo poder executivo honrasse o fio do bigode e, de outro, uma governamentalidade cívica sobre questões urbanas tradicionalmente tratadas de forma clientelista. O resultado, como sabemos, foi não apenas a gradual reapropriação do monopólio de representação territorial por oligarquias comunitárias detentoras de contratos de terceirização de serviços públicos, como também a reconversão de agendas como a da reforma urbana através de jurisprudências que praticamente inviabilizaram o Estatuto da Cidade. A questão que permanece é a da democracia enquanto possibilidade no contexto do capitalismo de crise.

DO “MODO PETISTA DE GOVERNAR” AO PROGRAMA HABITACIONAL DA GESTÃO DILMA: O DERRETIMENTO DE UMA UTOPIA? Nabil Bonduki DO “MODO PETISTA DE GOVERNAR” AO PROGRAMA HABITACIONAL DA GESTÃO DILMA: O DERRETIMENTO DE UMA UTOPIA? Nabil Bonduki A apresentação buscará resgatar a gênese dos princípios, propostas e objetivos formulados e implementados nos programas de governo do Partido dos trabalhadores (municipal, estadual e federal) e nas administrações municipais de prefeitos eleitos pelo partido e analisar em que medida foram absorvidos e implementados pelos governos Lula e Dilma. Inicialmente, será feita uma recuperação histórica daquilo que se convencionou chamar de "Modo Petista de Governar" as cidades, avaliando se de fato poderia ser considerado um método próprio e inovador de gerir a questão habitacional brasileira. Serão observados os programas de governo e as administrações municipais no período 1980-2002, tendo como referência final o Projeto Moradia, programa de governo de Lula em 2002. Em seguida será feita uma análise dos 13 anos dos governos Lula e Dilma nessa área, analisando avanços, limites e desafios, considerando os instrumentos institucionais, amplamente debatidos e alinhados com as proposta original do PT, como a "Política Nacional de Habitação", a Lei do Sistema e Fundo de Habitação de Interesse Social e o "Plano Nacional de Habitação (PlanHab)" e os programas e ações efetivamente implementadas pelo governo.

A apresentação buscará problematizar em que medida a busca de uma produção massiva de habitação, o pragmatismo eleitoral, as dificuldades institucionais, as alianças partidárias ou o crescimento da relação entre os governos petistas e o setor empresarial, em todos os níveis a partir de 2003, foram determinantes para um progressivo processo de abandono dos princípios e da propostas originais do "Modo Petista de Governar" na área da habitação.

O QUE TRAZEM DE NOVOS OS MOVIMENTOS PÓS-2013? Joviano Mayer O QUE TRAZEM DE NOVOS OS MOVIMENTOS PÓS-2013? Joviano Mayer Os novos movimentos urbanos e as resistências positivas que se contrapõem ao paradigma da cidade-empresa, sobretudo a partir das jornadas de junho de 2013, não aparentam conceber o Estado planejador moderno como depositário de suas expectativas para a libertação da produção do espaço do jugo do capital. Recusam assim, a um só tempo, tanto o autoritarismo de mercado próprio do neoliberalismo, quanto o autoritarismo de Estado típico do planejamento moderno. Em muitas metrópoles brasileiras resistências potentes e amplas redes de mobilização têm, em alguma medida, logrado postergar ou mesmo obstruir grandes projetos e intervenções estruturais, parcerias público-privadas e atos administrativos anti-democráticos que ameaçam os bens comuns. Lutas e resistências positivam novas narrativas, princípios e formas organizativas emergem sob o prisma do comum, compreendido tanto como campo privilegiado de enfrentamento ao Estado-capital, da defesa dos bens comuns no contexto da cidade-empresa planejada estrategicamente, quanto como expressão de formas organizativas cada vez mais conectadas em redes colaborativas, caracterizadas pelo desejo coletivo de democracia real, autonomia, horizontalidade, produção de afetos, novas subjetividades, relações e modos de existência não capitalistas. Apreender as lutas travadas na metrópole a partir do comum evidencia tanto a urgência de se superar o domínio espacial exercido pelo controle da propriedade (pública e privada), quanto a proliferação de novas práticas socioespaciais autogestionadas, loci de resistência orientados pelas singularidades (coexistência) e pelo exercício da democracia real. Nosso horizonte deve ser a construção do comum, como modalidade de convivência, cooperação e produção de uma nova sociabilidade urbana em oposição à cidade-empresa.

Publicado
2019-05-08
Seção
Sessão Livre