SL12 Assessoria e assistência técnica em territórios de resistência: São Paulo, Salvador e Belo Horizonte

Technical assistance and technical advice in territories of resistance: São Paulo, Salvador and Belo Horizonte

  • Caio Santo Amore
  • Raúl Vallés
  • Rafael Borges Pereira
  • Maria Rita Horigoshi
  • Wagner Moreira
  • Thais Rosa
  • Gabriela Leandro Pereira
  • Tiago Castelo Branco Lourenço
Palavras-chave: territórios de resistência, ocupação, assessoria popular

Resumo

Assessoria e assistência técnica em territórios de resistência: São Paulo, Salvador e Belo Horizonte

Technical assistance and technical advice in territories of resistance: São Paulo, Salvador and Belo Horizonte

Coordenador: Caio Santo Amore, Professor da FAUUSP / arquiteto e urbanista da Peabiru. caiosantoamore@gmail.com Coordenador: Caio Santo Amore, Professor da FAUUSP / arquiteto e urbanista da Peabiru. caiosantoamore@gmail.com Debatedor: Raúl Vallés, Professor da Udelar – Uruguai. ravalles@gmail.com

A origem da assessoria e da assistência técnica pode ser imputada à atuação de arquitetos, advogados, assistentes sociais e de outros profissionais junto a populações pobres e periféricas que se organizavam em movimentos sociais urbanos na luta pela de redemocratização do país, num contexto em que a luta era “contra” o Estado autoritário. A construção das políticas públicas voltadas à população mais pobre, que incorporavam a participação popular e que procuravam lidar com a cidade real, com as melhorias e reconhecimento dos assentamentos populares, surgiram dessa ação, dessa proximidade. Tratou-se de uma ação autônoma, que precedeu muitas das políticas que temos atualmente. A origem da assessoria e da assistência técnica pode ser imputada à atuação de arquitetos, advogados, assistentes sociais e de outros profissionais junto a populações pobres e periféricas que se organizavam em movimentos sociais urbanos na luta pela de redemocratização do país, num contexto em que a luta era “contra” o Estado autoritário. A construção das políticas públicas voltadas à população mais pobre, que incorporavam a participação popular e que procuravam lidar com a cidade real, com as melhorias e reconhecimento dos assentamentos populares, surgiram dessa ação, dessa proximidade. Tratou-se de uma ação autônoma, que precedeu muitas das políticas que temos atualmente. O momento de “fim de ciclo”na luta pela Reforma Urbana, nos termos de Ermínia Maricato, requer reflexões e revisões das políticas urbanas que construímos nos últimos vinte ou trinta anos. Muitos grupos de moradores das favelas e periferias não se sentem representados nos já tradicionais movimentos de moradia que ajudaram a construir as políticas habitacionais e urbanas e que tem voltado suas energias para a produção habitacional de unidades novas em terrenos vazios – ainda que parte desses grupos discuta de forma absolutamente pertinente a qualidade dessa moradia, a apropriação dos processos produtivos, a gestão física e financeira dos empreendimentos como meios para formação política da base social, para a “construção de cidadania para além da construção da casa”, como se diz. A cidade e as alternativas de moradia para a grande massa de trabalhadoras e trabalhadores, entretanto, são produzidas nas favelas e assentamentos precários (para usar a nomenclatura genérica, recentemente institucionalizada nas políticas empreendidas pelo Ministério das Cidades), em territórios populares que são “autorizados” a existir em determinadas localizações, enquanto os interesses dominantes não são afrontados. Megaeventos, renovações de centros históricos, operações urbanas, obras estruturais de mobilidade, parques públicos, urbanização de assentamentos precários, projetos e obras de desenvolvimento econômico e urbano... são diversos os motivos alegados para a extinção física de bairros populares, que aparecem como entraves ao dito “interesse público” (afinal, quem seria contra um parque, uma via estruturante com transporte público de massa, um pólo tecnológico, uma recuperação do patrimônio histórico ou uma urbanização de favela?). De outro lado, ocupações de terra e de edifícios têm sido uma tática frequente de acesso das classes populares à terra e a organização dessas práticas se confundem com as próprias origens de muitos dos movimentos de luta por moradia no país. Já nos anos de 1980, denunciava-se a retenção de vazios especulativos na periferia da cidade, reivindicava-se a urbanização e o provimento de infraestruturas, atendia-se a uma demanda objetiva de provisão habitacional para uma grande massa de trabalhadoras e trabalhadores que chegavam às grandes cidades e que autoconstruíam suas casas, num processo de sobretrabalho bastante funcional à acumulação capitalista à brasileira, que fora captado por Francisco de Oliveira nos anos de 1970. Muitos dos bairros que resultaram dessas ocupações se consolidaram e conformam a real paisagem urbana brasileira. No final da década de 1990 e ao longo dos anos 2000, ganharam força as táticas de ocupação de edifícios ociosos em áreas centrais de muitas metrópoles, denunciando, então, o esvaziamento populacional dessas regiões, dotadas de infraestrutura e equipamentos, onde a não utilização e a deterioração progressiva de edifícios acabava operando em lógicas semelhantes de retenção especulativa para os seus proprietários. Na atualidade, essas ocupações se multiplicaram, como também se multiplicaram os movimentos de luta, com designações diversas, fruto de rachas e discidências entre organizações. As ocupações “não organizadas” também se mantiveram no radar das camadas populares, como mais uma autosolução do problema da moradia. Consideram-se territórios de resistência essas áreas, esses assentamentos que se mantêm em regiões em transformação ou valorizadas pelo capital imobiliário, bem como aqueles que são fruto de ações diretas de movimentos de luta, que tomam as ocupações e o enfrentamento como um meio para formação política, para formação da base na chave da “pedagogia do confronto”, segundo Benedito Barbosa. O “planejamento conflitual”, nos termos de Carlos Vainer, ou “insurgente”, conforme de Faranak Miraftab, surge de experiências concretas de resistência – contra a ação do Estado ou do mercado, contra processos de remoção forçada, contra projetos de desenvolvimento – vem se tornando um campo de reflexão e trabalho fundamental para a construção de novas gramáticas, novas propostas, novos atores, novas políticas e novos arranjos institucionais que sejam capazes de ouvir e dar publicidade para situações diversas de vulnerabilidade e para potencialidades politicas das populações que não são reconhecidas como pessoas de direito na cidade. de ações diretas de movimentos de luta, que tomam as ocupações e o enfrentamento como um meio para formação política, para formação da base na chave da “pedagogia do confronto”, segundo Benedito Barbosa. O “planejamento conflitual”, nos termos de Carlos Vainer, ou “insurgente”, conforme de Faranak Miraftab, surge de experiências concretas de resistência – contra a ação do Estado ou do mercado, contra processos de remoção forçada, contra projetos de desenvolvimento – vem se tornando um campo de reflexão e trabalho fundamental para a construção de novas gramáticas, novas propostas, novos atores, novas políticas e novos arranjos institucionais que sejam capazes de ouvir e dar publicidade para situações diversas de vulnerabilidade e para potencialidades politicas das populações que não são reconhecidas como pessoas de direito na cidade. O trabalho de assessoria a movimentos sociais e a tais populações, prestada por grupos de professores e estudantes ligados a universidade, por associações de profissionais ou por profissionais autônomos das áreas da arquitetura e urbanismo, direito e trabalho social, ajuda a constituir esse campo teórico e prático. Planos populares, projetos alternativos, análise de documentos, contra-laudos, participação em negociações com os agentes públicos e privados são formas de apropriação e redefinição de técnicas frequentemente utilizadas na chave do “discurso competente”, como ensinou Marilena Chauí. O apoio a ocupações, por sua vez, permite que estratégias de consolidação sejam estabelecidas, permite prever um futuro de regularização fundiária, garantir condições adequadas de habitabilidade, contribuir para a organização política de base, diante da mobilização de massa em torno da moradia. São ações urgentes e necessárias, em um momento em que as audiências públicas, conselhos gestores e demais espaços públicos institucionalizados de mediação e negociação de conflitos são esvaziados de sentido, já não respondem às necessidades de instauração do “dissenso” como possibilidade de construção política. A Sessão Livre proposta tratará de exemplos empíricos recentes, ocorridos em diferentes estados brasileiros (São Paulo, Bahia e Minas Gerais), no intuito de problematizar o alcance e os desafios deste tipo de trabalho de assessoria e assistência técnica (física, jurídica, social) e contará com um professor da Udelar (Universidad de la República em Montevideo) e assessor técnico de cooperativas no Uruguai como debatedor. A exposição da assessoria técnica Peabiru trará experiências em ações diretas com o MLB (Movimento de Lutas nos Bairros Vilas e Favelas) em Diadema-SP e com FLM (Frente de Luta pela Moradia) na região central da capital, além de um panorama sobre outros territórios de resistência que foram levantados nos processos de Oficinas de Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS) que a entidade realizou no estado de São Paulo entre novembro de 2015 e maio de 2016. De Salvador, Bahia, teremos a experiência de advogados populares organizados no grupo Ideas juntamente com grupo de estudantes e professores da UFBA no apoio ao MSTB (Movimento Sem Teto da Bahia) e a moradores de territórios populares no centro antigo de Salvador. De Belo Horizonte, Minas Gerais, traremos ao debate algumas práticas de apoio ao planejamento de ocupações das Brigadas Populares, do MLB e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), com um olhar especial sobre o potencial político da autoconstrução da moradia nos processos de consolidação das ocupações. Como assessores técnicos trabalham nos processos de planejamento, de projeto do loteamento, dos espaços públicos e comunitários, das divisões internas dos pavimentos ocupados, das casas e suas ampliações, dos sistemas de infraestrutura? Como colaboram na defesa e na argumentação técnica e jurídica junto a órgãos do poder público ou ao sistema de justiça? Como se arriscam, junto com os movimentos de luta, nos contextos recentes e crescentes de criminalização e judicialização da luta social? Como atuam numa relação dialética de autonomia e interdependência? Como as ocupações dialogam com as estratégias territoriais dos movimentos? Quais as perspectivas desse tipo de prática no contexto atual de retrocessos de políticas sociais, na redução dos subsídios habitacionais, numa provável retração da produção em escala? São algumas das questões que pretendemos debater nessa Sessão Livre.

Ocupação e permanência: desafios do trabalho de assessoria técnica em São Paulo

Rafael Borges Pereira (Peabiru / FAUUSP) e Maria Rita Horigoshi (Peabiru)

Os expositores tratarão de dois aspectos da assessoria técnica em territórios de resistência: apoio a ocupações e ações diretas de movimentos de luta por moradia e defesa pela permanência de territórios de moradia popular em áreas urbanas em disputa com interesses dominantes. No primeiro, serão apresentadas experiências de apoio a ocupações de movimentos na RMSP: com o MLB (Movimento de Lutas nos Bairros Vilas e Favelas), em terrenos em Diadema; outra com a FLM (Frente de Luta pela Moradia), em um edifício ocioso no Centro e em um terreno vazio na Zona Leste de São Paulo. Serão esmiuçadas as várias etapas que compuseram estes trabalhos (estratégia territorial, projeto da ocupação, ação direta e consolidação) e discutido o papel da assessoria técnica cada uma delas. No segundo aspecto, serão trazidas algumas situações de resistência identificadas e debatidas nas Oficinas ATHIS – realizadas pela Peabiru entre 2015 e 2016 em municípios-polo do estado – propondo um olhar para lutas que escapam aos contextos metropolitanos, mas onde a extinção física dos assentamentos populares aparece como um pressuposto das políticas públicas. Trata-se de situações em que contra-laudos, planos alternativos e outras formas de publicização de conflitos são parte do apoio técnico necessário para organizar a luta pela permanência. Os riscos de atuação profissional, a responsabilização técnica e civil por eventuais danos à integridade física dos moradores, o conflito e a negociação de expectativas entre a coordenação do movimento, base e assessoria técnica, são alguns dos desafios a serem enfrentados nesse debate e nessa prática.

Articulação entre assessoria popular e universidade: limites e possibilidades de atuação nas disputas pela cidade em Salvador

Wagner Moreira (UFBA/Ideas), Thaís Rosa e Gabriela Leandro Pereira (UFBA)

A relação entre movimentos sociais, comunidades ameaçadas de expulsão e assessorias populares é o foco desta comunicação. A partir da reflexão sobre a atuação do IDEAS - Assessoria Popular (BA) desdobram-se as questões propostas para esta sessão, cuja problematização passa pelas possíveis articulações entre as dimensões jurídicas e socioespaciais da assessoria popular, bem como por experiências de diálogo, troca e aproximação com a universidade. Em Salvador, o espaço urbano foi historicamente conformado a partir de conflitos e disputas pela inserção e permanência das camadas populares na cidade, cujos territórios encontram-se capilarizados em sua extensão. As lutas se deram com mais força contra os despejos e com menor peso em torno da urbanização, ou do modelo construtivo, tanto em áreas periféricas (como Alagados e Bairro da Paz), quanto em áreas centrais, marcadas pela resistência da população negra (como Gamboa de Baixo ou Artífices da Ladeira da Conceição). Com a reconfiguração política e social do país nos anos 2000, e a emergência de inúmeros conflitos territoriais em Salvador, os movimentos sociais reconfiguram-se, culminando na conformação do MSTB (Movimento Sem Teto da Bahia). Por esse contexto passa também o redimensionamento das atuações de assessorias populares na cidade. Nos propomos a refletir em que medida a aproximação entre assessoria, professores, estudantes e profissionais de arquitetura, urbanismo e geografia, poderia contribuir no tensionamento das condições desiguais de produção das cidades contemporâneas no Brasil? Que possibilidades de atuação podem ser construídas junto a movimentos como MSTB e suas ocupações, ou junto aos territórios históricos de resistência?

Os movimentos sociais de luta por moradia de Belo Horizonte e os processos de autoconstrução

Tiago Castelo Branco Lourenço (UFMG/PUC-Minas)

Esta apresentação é dedicada à leitura de ações dos movimentos sociais de luta por moradia que organizaram e promoveram algumas importantes ocupações urbanas em Belo Horizonte nos últimos anos. Trata-se das Brigadas Populares, do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e da Comissão Pastoral da Terra – Seção Minas Gerais (CPT-MG), que realizaram as ocupações Dandara, Eliana Silva, Emanuel Guarani Kaiowá e Izidora. Esses movimentos contam com apoio e parceria de ativistas sociais – advogados, arquitetos, geográfos, sociólogos, religiosos, dentre outros – que não são vinculados organicamente aos mesmos, mas cujo apoio tem sido importante para que essas ocupações ocorram e se consolidem. Nas experiências que têm acontecido na capital de Minas Gerais, a autoconstrução tem se apresentado como instrumento de luta política, pois potencializa a possibilidade de posse do terreno ocupado, já que a moradia em alvenaria é um indicativo da consolidação da ocupação aos olhos dos agentes públicos, que, em muitos casos, podem determinar a reintegração de posse e consequente remoção das famílias. Este é, portanto, um aspecto que pode pautar a decisão desses agentes e favorecer a permanência das famílias. Contudo, a prática apresenta ainda algumas contradições, já que nos procedimentos adotados pelos movimentos e ativistas sociais, o potencial de apropriação dos territórios é usualmente minimizado como processo de formação política de suas bases. No diálogo com outras experiências nacionais presentes nessa SL, buscar-se-á construir uma crítica à autoconstrução, a partir desse potencial que ainda não é plenamente aproveitado dentro das lutas urbanas da cidade.

Publicado
2019-05-08
Seção
Sessão Livre