SL8 Resistências urbanas biopotentes

Biopotent urban resistances

  • Marcela Silviano Brandão Lopes
  • Liza Andrade
  • Mariana de Moura Cruz
  • João B. M. Tonucci Filho
  • Clara Luiza Miranda
  • Natacha Rena
  • Marília Pimenta
  • Hernan Espinoza
  • Janaina Marx
Palavras-chave: resistências urbanas, ocupar

Resumo

Resistências urbanas biopotentesResistências urbanas biopotentes Biopotent urban resistances Coordenadora: Marcela Silviano Brandão Lopes1, UFMG, marcelasbl.arq@gmail.com Debatedora: Liza Andrade2, FAU-UNB, lizamsa@gmail.com

DESENVOLVIMENTO, CRISE E RESISTÊNCIA: QUAIS OS CAMINHOS DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL? 2 A sessão que aqui se apresenta tem como objetivo provocar discussões a respeito das práticas de resistência que se opõem às formas de gestão movidas por uma racionalidade neoliberal. Entender o neoliberalismo como racionalidade - um conceito foucaultiano - é percebê-lo como “razão do capitalismo contemporâneo”, ou seja, é entender que “o neoliberalismo é precisamente o desenvolvimento da lógica do mercado como lógica normativa generalizada, desde o Estado até o mais íntimo da subjetividade a estruturar e organizar não apenas a ação dos governantes, mas até a própria conduta dos governados” (DARDOT, LAVAL, 2016). Será a partir desse entendimento que se abordará aqui o “urbanismo neoliberal”: uma atividade oriunda dessa racionalidade, cujo efeito é a transformação das cidades em empresas regidas pela eficiência produtivista e pela competividade. E, do mesmo modo, se afirmará que essa atividade não é produzida apenas pelos gestores das cidades, mas também pelos processos de subjetivação acionados na produção de um novo sujeito, também empresarial e competitivo, cujo desejo é “o alvo do novo poder”, visto que ele é “ponto de aplicação desse poder” e “substituto dos dispositivos de direção de condutas” (DARDOT, LAVAL, 2016). Em outras palavras, há um sujeito neoliberal, submetido à lógica do capital, mas ao mesmo tempo ativo na produção de um “governo de si” e na produção de sociedade, unificadas por um mesmo discurso, uma mesma racionalidade: a da empresa e a da competição. Será também diante da constatação da aceleração dos processos de neoliberalização e privatização acelerada dos territórios urbanos e subjetivos, que surge a pergunta: seria ainda possível apostar em resistências e e subversões potentes? O que fazer? O que pode a Universidade? Como pesquisadores arquitetos e urbanistas podem colaborar com as lutas urbanas? Segundo, Pelbart (2008), a resposta está justamente no efeito paradoxal do funcionamento desse sistema. Se, cada vez mais, o poder do capital nos invade por dentro, é justamente de dentro que ele poderá ser enfrentado. ao poder sobre a vida responde a potência da vida, ao biopoder responde a biopotência, mas esse “responde” não significa uma reação, já que o que se vai constatando é que tal potência de vida já estava lá desde o início. A vitalidade social, quando iluminada pelos poderes que a pretendem vampirizar, aparece subitamente na sua primazia ontológica. Aquilo que parecia inteiramente submetido ao capital, ou reduzido à mera passividade, a “vida”, aparece agora como reservatório inesgotável de sentido, manancial de formas de existência, germe de direções que extrapolam as estruturas de comando e os cálculos dos poderes constituídos. (PELBART, 2008) Foi, então, a partir do conceito de “biopotência” que a composição dessa sessão foi pensada. Todas as apresentações são fruto de investigações sobre as formas de resistência urbanas que se contrapõem à lógica neoliberal e que de alguma maneira subvertem o imperativo do consumo e da acumulação. O primeiro texto, escrito pelos pesquisadores e doutorandos João Tonucci e Mariana Moura da UFMG, aproxima as formas atuais de ocupações urbanas com a luta pela produção do “comum”, conceito desenvolvido pelos mesmos filósofos Dardot e Laval (2015). A perspectiva dos pesquisadores é de identificar nas diversas ocupações de resistência mapeadas práticas que se afirmam em torno de procedimentos regidos pelo compartilhamento e pela distribuição do “comum”. Os pesquisadores, entretanto, não se contentam com uma narrativa plana, e por isso, não se esquivam de elencar as diferenças das várias lutas e de discutir possíveis contradições internas. Afinal, como diriam os escritores do “comitê invisível”, os gestos decisórios são inseparáveis dos efeitos que produzem. ontradições internas. Afinal, como diriam os escritores do “comitê invisível”, os gestos decisórios são inseparáveis dos efeitos que produzem. Um movimento só vive pela série de deslocamentos que opera ao longo do tempo. Ele é a todo o momento, portanto, certa distância entre o seu estado e o seu potencial (...) O gesto decisivo é aquele que se encontra um passo à frente do estado do movimento e que, rompendo com o status quo, abre o acesso a seu próprio potencial. Esse gesto pode ser o de ocupar, de esmagar, de atacar, ou apenas de falar com a verdade; é o estado de movimento que decide. (COMITÊ INVISÍVEL, 2016) O segundo texto, escrito pela professora Clara Miranda da UFES, dialoga com o primeiro na medida em que reconhece a potência das ocupações, e avança a discussão trazendo para a sessão uma reflexão sobre as ocupações estudantis, que no momento políitico atual brasileiro, marcado pelo retrocesso de várias pautas conquistadas ao longo dos últimos anos, se anunciam como uma forma de resistência outra, regida por critérios de organização horizontais e autogestionados. Como no primeiro texto, a complexidade da investigação está presente e é posta sob a forma de uma pergunta: como a potência dessas ocupações podem se transmutar em prática política de enfrentamento real ao poder vigente? Citando novamente os escritores do comitê invisível: “A verdadeira questão para os revolucionários é fazer crescer as potências vivas das quais participam, de cuidar dos devires-revolucionários com o propósito de se chegar a uma situação revolucionária”. (COMITÊ INVISÍVEL, 2016) E sobre esse enfrentamento, os dispositivos desenvolvidos pelo grupo Indisciplinar UFMG abrem uma possibilidade de ampliação da resistência no campo político. Representada nessa sessão pelo texto da professora Natacha Rena e da graduanda Marília Pimenta, a proposta do grupo se configura em duas vertentes. A primeira, baseada em uma atuação trans-escalar, busca intervir nos pontos cegos das lutas, a partir do estudo de legislações complexas envolvidas nos GPUs - grandes projetos urbanos - e da tradução sintética e diagramática dessas legislações, tornando-as mais acessíveis, inclusive, aos movimentos sociais parceiros do grupo, que atuam, em geral, em escala local. Além de desvelar e denunciar os pontos obscuros de planos e de legislações urbanas, a segunda vertente proposta tem como estratégia de resistência uma atuação “infiltrada” no poder público, realizada, por exemplo, na participação de pesquisadores em conselhos municipais. É possível afirmar que tal estratégia se aproxima do deslocamento proposto pelo filósofo Lazzarato no que diz respeito à definição do que sejam as fortes questões da política, do âmbito da solução para o da elaboração dos problemas. Apresentá-los é o mesmo que “introduzir novos objetos e novos sujeitos dentro do espaço da política e de torná-los as balizas de uma polêmica e de uma luta” (LAZZARATO, 2014, p. 127). Por fim, a inclusão nessa sessão de um texto escrito por pesquisadores do grupo Indisciplinar Equador, Hernán Espinoza e Janaína Marx, tem como objetivo ampliar a discussão para o âmbito da América Latina. Naquele país, as políticas governamentais estão sendo construídas em oposição às formas extrativistas de produção e em busca da implementação de uma “sociedade do conhecimento”, com uma forte interação da sociedade com a academia. A experiência relatada pelos pesquisadores é fruto dessa interação, e sua dimensão tecnológica indica como a aproximação dos saberes científicos dos saberes não-científicos - aqui representados pelos saberes tradicionais dos indígenas equatorianos- podem contribuir para a legitimação das diversas formas de produção de conhecimentos e para a afirmação de outras subjetividades. Essa proposta faz interlocucação com o pensamento de Boaventura de Souza Santos sobre a importância de em uma “ecologia de saberes”: “O lugar de enunciação da ecologia de saberes são todos os lugares onde o saber é convocado a converter-se em experiência transformadora. Ou seja, são todos os lugares que estão para além do saber como prática social separada. (...) É esse o terreno da artesania das práticas, o terreno da ecologia de saberes”. (SOUSA SANTOS, 2008, p.33) saber é convocado a converter-se em experiência transformadora. Ou seja, são todos os lugares que estão para além do saber como prática social separada. (...) É esse o terreno da artesania das práticas, o terreno da ecologia de saberes”. (SOUSA SANTOS, 2008, p.33) Para a mediação do debate, a sessão contará com a pesquisadora Liza Andrade, professora adjunta da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UNB, cuja trajetória acadêmica é pautada justamente por investigações e ações direcionadas à construção de práticas de resistência que visam a produção biopotente do espaço urbano. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: DARDOT, Pierre. LAVAL, Chistian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016. ----------------------------------------------Común. Barcelona: Editora Gedisa, 2015. LAZZARATO, Maurizio. Signos, Máquinas e Subjetividades. São Paulo: Edições Sesc São Paulo: n-1 edições, 2014. PELBART, Peter Pál. Vida e morte em contexto de dominação biopolítica. Conferência proferida no dia 3 de outubro de 2008 no Ciclo "O Fundamentalismo Contemporâneo em Questão", organizado pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. Disponível em <http://www.iea.usp.br/publicacoes/textos/pelbartdominacaobiopolitica.pdf. >Acesso: 25/11/2016 COMITÊ INVISÍVEL. Aos nossos amigos: crise e insurreição. São Paulo: n-1, edições, 2016. SOUSA SANTOS, Boaventura. A filosofia à venda, a douta ignorância e a aposta de Pascal. Revista Crítica de Ciências Sociais, número 80, paginas 11-43, março 2008. Disponível em: <http://www.ces.uc.pt/myces/UserFiles/livros/47_Douta%20Ignorancia.pdf>. Acesso em 27/03/2012. 

OCUPAR, RESISTIR E... PRODUZIR O COMUM? REFLEXÕES A PARTIR DE BELO HORIZONTE Mariana de Moura Cruz, João B. M. Tonucci Filho OCUPAR, RESISTIR E... PRODUZIR O COMUM? REFLEXÕES A PARTIR DE BELO HORIZONTE Mariana de Moura Cruz, João B. M. Tonucci Filho É possível acompanhar, desde 2011, o desenrolar de um novo ciclo de lutas e resistências que sucedem a crise global do capital. Protestos de ampla envergadura – como a Primavera Árabe, o Occupy e as Jornadas de Junho de 2013 – trouxeram às ruas um conjunto múltiplo e heterogêneo de reivindicações e de táticas de mobilização, dentre as quais a manifestação por meio da ocupação de espaços urbanos e a luta pelo comum. Colocando-se em flagrante oposição à racionalidade neoliberal que procura estender os imperativos do mercado e da propriedade privada a todas as esferas da vida, o comum delineia a construção de novas formas democráticas de produção e gestão de recursos compartilhados, não redutíveis às políticas de Estado nem à propriedade pública. Sob essa perspectiva, muitos movimentos passam a reivindicar a apropriação de espaços e recursos pelo seu valor de uso coletivo, perturbando os arranjos vigentes de propriedade que restringem o acesso e a utilização dos mesmos pela comunidade. As novas ocupações, seja para fins de moradia, de cultivo, de reivindicação de direitos (como educação) etc., apontam para um novo ciclo de lutas não apenas no espaço, mas pelo próprio espaço como comum. A reflexão que aqui se quer fazer, a partir da experiência concreta de ocupações que emergiram em Belo Horizonte nos últimos anos, é pensar o quanto as mesmas têm resistido aos cercamentos e criado oportunidades para a produção de novos comuns urbanos, assim como apontar as contradições e diferenças envolvidos em tais processos.

AS ESCOLAS OCUPADAS PELOS ESTUDANTES NO ESPÍRITO SANTO, 2016. Clara Luiza Miranda Em 2016, os secundaristas brasileiros ocuparam mais de 1000 unidades de ensino médio e universidades em oposição à PEC 55/2016, à MP 746 (do ensino médio) e a PL 193/2016 denominado “Escola sem partido”, no Espírito Santo, foram mais de 70. O contexto é de retrocesso da democracia política e da democracia social, mas também, indicativo do malogro do capitalismo cognitivo per se. A máquina social tecnológica do capitalismo cognitivo, amplia incomensuravelmente o potencial produtivo cooperativo humano, que, contudo, tem sido capturado pelo neoliberalismo. Nesse quadro, as relações sociais atuam para o aumento do capital humano e a escola contribui para o auto investimento dos indivíduos. O avanço da financeirização, coligada à austeridade, incide na pauta dos estudantes, que inclui a defesa de direitos sociais e a afirmação do conhecimento como produção social. A ocupação da escola constitui uma trincheira em prol da potência da criatividade coletiva, de modos de vida e de relações produtivas alternativas, é uma afirmação da revolta, a rejeição do destino da operação rotineira e da precariedade. Os ocupas são tachados de “desocupados” pelos que instigam a desocupação, inclusive armados. Pois, os ocupas não apenas ousam emancipar-se, invocam a escola repensar-se, confrontando toda a programação desse território existencial. Entretanto, os procedimentos policiais e jurídicos utilizados pelo poder público e as ações praticadas pelos desocupas nos conflitos com os ocupas concernem ao âmbito da política e da agonística (em termos logocêntricos)? O que legam as ocupações, em seu enfrentamento com forças descomunais do poder vigente?

OCUPAR A ZONA CULTURAL Natacha Rena, Marília Pimenta OCUPAR A ZONA CULTURAL Natacha Rena, Marília Pimenta O centro degradado e abandonado de Belo Horizonte deve ser recuperado por meio de grandes projetos urbanos que darão nova vida àquele território, atraindo novos moradores, frequentadores e investimentos”. Esse é o discurso que sustenta projetos urbanos propostos recentemente para a região central de Belo Horizonte, que pertence à região central da Operação Urbana Consorciada ACLO. Em 2012 essa região central, recebeu uma proposta de intervenção por parte da Prefeitura Municipal denominada “Corredor Cultural Praça da Estação”, sofrendo forte resistência por parte de diversos movimentos da cidade, e ganhando a nomenclatura Zona Cultural após inúmeros enfrentamentos com a Fundação Municipal de Cultura. O aumento exponencial de vazios e a ausência de cuidados cotidianos com o território, o desvaloriza propositalmente para que, após a compra barata dos imóveis e a transferência de terrenos para o mercado, possa justificar novos investimentos. A perversidade desta lógica gentrificadora torna-se explícita. Conforme já assinalou Smith (1979; 2006), “… o investimento nas áreas periurbanas em detrimento da região central, dominante no século XX, criou condições espaciais de reinvestimentos sobre locais específicos do centro, tomando a forma de gentrificação. ” Mas, através de muitas frentes de luta, os movimentos de resistência conseguiram mudar os rumos do projeto original, afirmando, insistentemente, que já existe ali cultura e vida. Além de intervenções festivas e ocupações como o Viaduto Ocupado, a nova fase da luta ganha contornos institucionais através da participação de pesquisadores e ativistas no Conselho Consultivo da Zona Cultural, que será responsável por um plano diretor para a região.

ARTESANÍAS URBANAS EQUADOR: O ENSINO DA ARQUITETURA E URBANISMO POR MEIO DA VINCULAÇÃO COMUNITÁRIA. Hernan Espinoza, Janaina Marx ARTESANÍAS URBANAS EQUADOR: O ENSINO DA ARQUITETURA E URBANISMO POR MEIO DA VINCULAÇÃO COMUNITÁRIA. Hernan Espinoza, Janaina Marx O governo do Equador tem realizado mudanças significativas no âmbito territorial, produtivo e educacional com o intuito de propiciar uma mudança na matriz produtiva do país, passando do atual extrativismo para uma sociedade do conhecimento. Para gerar esta mudança o governo aposta na sinergia entre academia e sociedade através do fortalecimento da extensão universitária (atualmente chamada vinculación con la sociedad). Esta proposta é fortalecida por políticas públicas e leis como a nova Constituição da República de 2008 que possui enfoque progressista e o Plan Nacional del Buen Vivir (2013) que busca fortalecer a interculturalidade e o direito à natureza. Dentro deste novo paradigma, o projeto “Artesanías Urbanas Equador” propõe uma metodología de ação no territorio que vincula o ensino da arquitetura e urbanismo com a comunidade. Através desta experiência comprovamos como a interação entre alunos e comunidade por meio da ativação de processos culturais como a Minga, uma antiga tradição indígena de trabalho comunitário, pode potencializar a aprendizagem. Desta maneira as questões urbanas se apresentam na sua complexidade real, onde são evidenciadas relações sociais e conflitos, que aproximam o estudante da sua verdadeira atuação como arquiteto e urbanista, e exige dos mesmos uma postura crítica frente à realidade.

 

Publicado
2019-05-08
Seção
Sessão Livre