SL - 10 BRASIL, CHINA: DISPARIDADES REGIONAIS E SOCIAIS NO NOVO DESENVOLVIMENTISMO
Resumo
O Brasil atravessou período de intenso crescimento econômico, nos anos 1970, quando se observou a diversificação de sua indústria, liderada pelos setores de bens intermediários, de consumo durável e de capital, e a interiorização da urbanização, sob a condução de um estado autoritário, às custas de intensificadas desigualdades sociais e regionais. Fragilidades estruturais da estratégia adotada levaram à interrupção do crescimento, na década seguinte, produzindo um longo período de estagnação e inflação elevada, e forçando o país a focar a política econômica em esforços de curto prazo orientados para conter a inflação. Em vista da abrupta queda das taxas de crescimento, diminui o investimento e o dinamismo da indústria da região dinâmica, o sudeste liderado pela indústria paulista, levantando expectativas de que estaria em curso a redução das disparidades. Enquanto isso, nos países mais desenvolvidos, intensificava-se a inovação tecnológica como fator de retomada do crescimento, após a crise do petróleo, o que levou à revolução da microeletrônica e a nova ampliação do hiato entre o Brasil e as economias mais avançadas. A estabilização da moeda nos anos 1990 pavimentou a retomada do crescimento e, especialmente, do planejamento nos anos 2000. Liderado pelo estado, o chamado novo desenvolvimentismo brasileiro do século XXI se distingue daquele ocorrido nos anos 1970 não pela menor importância do estado, mas por seu caráter mais inclusivo, à medida que propiciou redução de desigualdades tanto sociais quanto espaciais.
A China, por sua vez, apresentou trajetória marcadamente distinta da brasileira no mesmo período. Assentada numa civilização bem mais antiga, a nação entra nos anos 1970 como uma sociedade organizada em bases comunistas com a maior parte de sua população residindo em áreas rurais. Como o Brasil, entretanto, tinha no litoral as principais cidades de sua rede urbana, em torno das quais se consolidava a base da alimentação, a cultura de arroz. Os anos 1980 vão testemunhar o início das grandes transformações que caracterizarão o país e o levariam à condição de grande potência. As reformas do governo de Deng Xiao Ping levariam o país em direção à economia de mercado, tirando proveito da multinacionalização desencadeada pelos grandes capitais de origem europeia, norte-americana e japonesa. Investimentos elevados em infraestrutura de transportes, energia e comunicações propiciam, ao lado da mão de obra barata e da taxa de câmbio desvalorizada, atratividade considerável à localização no país asiático. Em poucos anos, a China se consolida como grande produtor de bens industrializados, ainda que de pequeno valor agregado. Mais importante, a China se distinguia ao longo do tempo por seus planos quinquenais, propostos e efetivamente implementados. A cada cinco anos, novos objetivos a serem alcançados, metas anteriores atingidas. Elevadas taxas de crescimento perdurando por três décadas, configurando um nacional desenvolvimentismo de grande escala.
Ao longo deste período, fez parte das metas realizar parcerias com as empresas estrangeiras com vistas à aprendizagem de novas tecnologias e, com isso, ganhar competência para poder produzir produtos cada vez mais sofisticados para abastecer o mercado mundial. Em paralelo, fortes investimentos em educação e em pesquisa eram realizados. As chamadas zonas especiais de exportação, localizadas em diversas cidades do litoral, que inicialmente produziam bens de consumo não durável de baixo valor agregado, aos poucos e firmemente adquiriam competência e passavam a produzir produtos de maior valor, inserindo cada vez mais fornecedores chineses em cadeias de valor globais.
A China atravessa o período praticando fortes taxas de crescimento econômico, chegando aos anos 2000 como principal destino dos capitais estrangeiros diretos em busca de elevados retornos. As cidades do litoral são as que mais crescem neste processo, notadamente Shangai, recebendo migrantes de várias regiões, em busca de melhores condições de vida, atraídos pela oferta de empregos nas multinacionais e pelo alto nível da educação. Diante do crescimento acentuado do eixo litorâneo, chama a atenção de governo e estudiosos a pobreza rural ainda expressiva em algumas regiões do país, assim como as disparidades entre ricos e pobres nas grandes cidades. Desta forma, sucessivos planos preparam a economia e a sociedade para elevar a renda nacional, embora cerca de 60% da população ainda habitem o vasto interior. O plano mais recente destaca metas expressivas: elevar o conteúdo de inovação dos produtos produzidos no país, elevar a renda das famílias de modo a propiciar mercado interno como principal fonte de crescimento, em substituição ao mercado europeu e norteamericano, em forte crise desde 2008, elevar a participação do setor de serviços no total do PIB, acentuar a migração campo-cidade e reduzir as desigualdades sociais e espaciais que esse processo de crescimento acelerado vem produzindo, monitorando seus impactos ambientais.
Serão esses apenas os desafios que o país enfrenta ao longo de seu processo de desenvolvimento? Em que medida o controle social interfere na organização da produção e da sociedade? Que peso desempenha o estado e em que medida os chineses estariam atentos para construindo uma “sociedade para todos”? Até que ponto a “armadilha do país de renda média” estaria impondo limites ao crescimento e ao nacional desenvolvimentismo à moda chinesa? Quais os impactos desse crescimento sobre a atual configuração da indústria brasileira? Em que medida o processo de distribuição de renda aqui iniciado pode ser interrompido pela concorrência do grande país asiático?
Países de industrialização pioneira, como a Inglaterra, que enfrentam trajetória tão distinta, poderiam propiciar aprendizados para a superação da armadilha mencionada? Estariam os chineses perseguindo o padrão de consumo e os valores da sociedade norteamericana? Que lições a se obter analisando o grande país asiático na perspectiva da sociedade e interesses ingleses e da União Europeia?
A presente Sessão Livre objetiva compreender as características deste chamado capitalismo de estado chinês, contrapondo-o ao atual nacional desenvolvimentismo brasileiro, procurando identificar suas distinções, traços que lhes marcam mudanças e permanências em tempos de globalização. Para tanto, serão exploradas as percepções de dois pesquisadores, sendo um brasileiro (Profa. Ana Cristina de Almeida Fernandes, do Departamento de Ciências Geográficas da UFPE, em Recife) e um chinês (Prof. Liu Weidong, do Instituto de Ciências Geográficas e Pesquisa em Recursos Naturais da Academia Chinesa de Ciências em Pequim). Ao mesmo tempo, a partir da visão de pesquisadores europeus especialistas em China e Brasil (respectivamente, Prof. Mick Dunford, da Universidade de Sussex, Inglaterra, e Prof. Andreas Novy, da Universidade de Economia de Viena, Áustria) presentes na Sessão Livre, pretende-se lançar olhares estrangeiros sobre a trajetória recente de cada país estudado. Este esforço de compreensão da importância do estado, da urbanização e das desigualdades sociais e regionais na trajetória de desenvolvimento de dois países emergentes do chamado BRICS contará ainda com o trabalho de síntese propiciada pela contribuição do Prof. Marcos Costa Lima (Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco).
Estima-se alcançar um variado público, interessado na dinâmica recente dos BRICS na economia-mundo e seus desdobramentos no Brasil, considerando o renovado interesse pelo planejamento regional atualmente observado no país.