SL52 Sobre dispersão urbana –
múltiplas realidades e escalas espaciais no Brasil
Resumo
SL-52. Sobre dispersão urbana – múltiplas realidades e escalas espaciais no Brasil
Coordenador: Nestor Goulart Reis (USP)
Resumo:
A Sessão Livre proposta compreende as contribuições dos pesquisadores da rede que estuda as novas formas de urbanização no Brasil, em especial o processo de Dispersão Urbana. A rede surgiu a partir do Projeto Temático “Urbanização Dispersa e Mudanças no Tecido Urbano”, realizado entre 2005 e 2008, coordenado pelo Prof. Dr. Nestor Goulart Reis no Laboratório de Estudos sobre Urbanização, Arquitetura e Preservação – LAP, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU-USP.
A urbanização contemporânea tem assumido formas e ritmos surpreendentes, em escala planetária, variando seu conteúdo em cada continente, país, macro, meso ou microrregião, com suas diversidades e particularidades, abarcando espaços intraurbanos e regionais. O desenvolvimento da urbanização contemporânea tem demonstrado que as teorias até aqui vigentes, originárias em grande parte no urbanismo racionalista, não conseguem lidar com os novos acontecimentos, com a formação de novos tecidos urbanos, havendo necessidade de atualização de conceitos, sobretudo no que se refere ao processo de urbanização dispersa.
Essa é um processo de caráter geral. Não é específico de um país. Ao mesmo tempo, leva à superação dos conceitos de cidade e campo. O processo caracteriza-se pelo esgaçamento do tecido urbano dos principais centros, com a urbanização estendendose por um vasto território, com núcleos urbanos separados no espaço por vazios intersticiais, mantendo vínculos estreitos entre si, configurando um único sistema urbano. Formam-se assim constelações ou nebulosas de núcleos urbanos de diferentes dimensões, integrados às áreas metropolitanas, aglomerações urbanas e regiões, com o sistema de vias de transporte inter-regionais sendo utilizado como apoio ao transporte diário intrametropolitano de passageiros e cargas. Modos de vida e consumo metropolitanos são adotados pela população, com maior mobilidade, possibilitando a “regionalização do cotidiano”, com a organização dos hábitos de vida de maneira dispersa pelo território, abrangendo vários municípios (REIS, 2007).
A urbanização atual ampara e reflete as diferentes dimensões da vida social – econômica, política, cultural e ideológica, entre outras – que são orientadas ainda por alterações nas relações entre o rural e o campo, demonstrando também a necessidade de repensarmos as relações entre centro e periferia, em suas múltiplas escalas. A produção do espaço urbano e os modos de apropriação desse espaço passam a ser conduzidos por novos interesses, apoiados em novas condições tecnológicas e valores culturais, com estruturas sociais e espaciais mais complexas. Observam-se assim profundas transformações nos modos de articulação espacial e temporal, reveladores da reestruturação espacial e das dinâmicas urbanas contemporâneas, que tanto chamam atenção dos pesquisadores e planejadores.
As formas urbana dispersas, presentes na urbanização contemporânea, se sobrepõem aos padrões urbanos de períodos anteriores, combinando-se e compondo espaços urbanos estruturados em grande parte pela circulação e mobilidade, mais do que pela localização, com esses elementos e suas articulações continuando a ser importantes vetores dos processos espaciais. Com a dispersão das formas urbanas – suas rupturas e descontinuidades – verifica-se a tendência de redefinição da distribuição espacial dos diferentes usos urbanos – residenciais, industriais, comerciais e de serviços – indícios das profundas transformações que estão em curso. O processo de dispersão atinge tanto a população de maior renda, quanto os estratos sociais de baixo poder aquisitivo, como evidenciado nas contribuições aqui expostas.
No Brasil, a urbanização dispersa pode ser vista como um processo contínuo e crescente, que se mostra reestruturante no curso das últimas décadas do século XX e nas primeiras do XXI, com mudanças mais visíveis após 1990. Esse processo acompanha a transformação recente da sociedade brasileira. A dispersão urbana está claramente relacionada às transformações no tecido urbano que geram “novas territorialidades”, sendo complexo e diversificado (REIS, 2006). Grandes projetos regionais, complexos comerciais, culturais e conjuntos urbanísticos residenciais multiplicam-se pelo território nacional, com efeitos sobre os meios físico e social e o patrimônio construído, alterando ainda os núcleos, centralidades e atratividades. Ao mesmo tempo, aumentam as demandas por mobilidade e acessibilidade, equipamentos urbanos e infraestrutura.
Torna-se evidente que o processo de dispersão urbana necessita de respostas teóricas e reflexivas suficientes, próprias à proposição científica, bem como proposição de novas políticas urbanas, como um grande desafio para o controle da urbanização, do planejamento e da gestão urbana. Os novos conteúdos urbanos e suas novas formas espaciais demonstram o amplo desafio que temos diante de nós.
As contribuições presentes nesta Sessão Livre abrangem questões conceituais, metodológicas e empíricas. Suas abordagens são fundamentadas nos avanços reflexões provenientes da teoria, da prática e de relatos das experiências ocorridas em múltiplas e distintas realidades e escalas espaciais, segundo uma produção científica diversificada. Foram reunidas cinco contribuições de nove pesquisadores de seis instituições universitárias brasileiras, de diferentes regiões do país.
O primeiro trabalho estuda a dispersão urbana no estado do Rio de Janeiro, com a reestruturação espacial em curso e as novas dinâmicas urbanas que ocorrem tanto na região metropolitana, quanto no interior do estado, o que leva à formas dispersas estruturadas pelos grandes eixos viários inter-regionais e nacionais. O segundo estudo aborda detalhadamente o processo de dispersão na microrregião do Médio Vale do Paraíba fluminense, caracterizando as origens, motivações, desdobramentos e responsabilidades pela implantação das formas urbanas dispersas, relacionadas inicialmente à reindustrialização dessa região. Ambos os trabalhos demonstram os efeitos da globalização (em suas múltiplas dimensões) sobre o território, com a distribuição espacial dos investimentos privados e públicos e de seus impactos sobre diferentes escalas e instâncias político-administrativas, alterando ainda o perfil socioeconômico dos municípios.
A terceira contribuição analisa o avanço do processo de dispersão em cidades médias paulistas e paranaenses, cujas formas dispersas inicialmente concentravam-se nos usos residenciais e posteriormente foram ampliadas para as atividades de comércio e serviços. O quarto trabalho estuda os loteamentos e condomínios fechados nas regiões metropolitanas de Fortaleza e Maceió, que são formas de expansão urbana dispersa voltadas para o atendimento das classes de alta e média rendas. O quinto e último estudo trata dos conjuntos habitacionais dispersos construídos com recursos do Programa Minha Casa Minha Vida nos municípios de Campina Grande (PB) e Caruaru (PE), voltados para a baixa renda, transformando áreas rurais em urbanas. Observa-se que as formas urbanas dispersa estão correlacionadas nesses casos à segregação socioespacial e aos novos modos de vida que são dependentes da mobilidade urbana. Desse modo, a facilidade de acessibilidade e a presença de infraestrutura e de equipamentos de comércio e serviços estão diretamente vinculadas e são determinantes para a localização das populações dispersas de diferentes classes socioeconômicas.
As contribuições expostas nesta Sessão Livre procuram sistematizar, alinhar, indagar, e/ou orientar politicas favoráveis para o equacionamento dos problemas constatados, discernindo campos e complexidades inscritas nos muitos e diversificados tipos de materializações do processo de urbanização, que são rebatidos no espaço e ocorrem na atualidade, evidenciando ainda, os processos e agentes que sofrem as transformações motivadas pela urbanização dispersa. As contribuições, elencadas a seguir, apontam para a pertinência da Sessão Livre proposta para XVI ENANPUR, fornecendo subsídios e dando continuidade ao diálogo em torno do tema da Dispersão Urbana, com o debate efetivado em encontros anteriores (2009, 2011, 2013), em sessões dessa natureza.
Exposição: O processo de urbanização e sua vertente dispersão urbana – da metrópole ao interior fluminense
Expositora: Maria de Lourdes Pinto Machado Costa (UFF)
Resumo: As questões que envolvem o fenômeno da urbanização e de sua vertente dispersão urbana no território do Estado do Rio de Janeiro são abordadas no texto segundo um breve resgate do avanço da ocupação, em razão da formação e crescimento das aglomerações que compõem a rede urbana fluminense. A análise abrange do núcleo metropolitano à sua periferia, segue a expansão propiciada por projetos e grandes intervenções nos espaços urbano e regional e, mais recentemente, devido aos desdobramentos advindos da política de interiorização da economia no estado. O conjunto de fatores acentuou a (re)estruturação e uma outra organização sobre o território, seja pelo aparecimento de polos e novas dinâmicas, seja pela intensificação da dispersão urbana ao longo das vias estruturantes e de penetração em seu tecido, sobretudo pós anos 1990. Neste período, tornaram-se mais visíveis os efeitos da globalização sobre esta espacialização, distribuição e localização de investimentos sobre os solos intra e interurbanos, nas diferentes regiões de governo, com seus reflexos e impactos de naturezas física, social, cultural e ambiental, repercutindo em diversas escalas e instâncias político-administrativas. Novas configurações se revelam, sobretudo em resposta aos projetos urbano-regionais, nas articulações entre metrópole e interior do estado e nas modificações das relações que se estabeleceram entre as aglomerações, e entre estas e o núcleo metropolitano. Registra-se, no percurso, as ações institucionais concernentes.
Exposição: Dispersão urbana no Médio Paraíba Fluminense
Expositores: Júlio Cláudio da Gama Bentes (USP), Nestor Goulart Reis (USP)
Resumo: O trabalho apresenta as conclusões da pesquisa de doutorado sobre o processo dispersão urbana no Médio Paraíba Fluminense. Foram examinadas detalhadamente as origens, motivações e desdobramentos da urbanização dispersa nessa microrregião. A industrialização na região teve início nos anos 1930-1940. Em 1941 foi instalada a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), marco da industrialização brasileira e que polarizou a região. Após a privatização da CSN (1993), iniciou-se a reestruturação produtiva, econômica e espacial da microrregião, com atração de empreendimentos indústrias, implantados com formas dispersas – desconectadas dos núcleos urbanos tradicionais e fragmentadas no território regional. A dispersão nessa microrregião é induzida por entres públicos e privados. No caso dos públicos, não foram criadas políticas e planos de desenvolvimento regional e industrial. Já a CSN privatizada, conserva grandes áreas de terras e estimula os investimentos na microrregião, com as novas indústrias utilizando o aço da CSN. A urbanização dispersa desenvolve-se de maneira crescente nessa região, abrangendo também na atualidade as atividades comerciais, institucionais, de serviços e residenciais com caráter regional. A urbanização passou a ser estruturada, em grande parte, pela Via Dutra, que em conjunto com as redes informacionais e de comunicação têm maior destaque no dia-a-dia regional. Com isso, as novas formas de urbanização e mobilidade ganharam mais importância no cotidiano da população, em que as relações sociais e econômicas desenvolvem-se regionalmente. O perfil econômico dos municípios da região foi alterado, com aumento da renda nas cidades que receberam novas industriais, enquanto os antigos centros fabris tornaram-se polarizadores das atividades de comércio e serviços.
Exposição: Dispersão urbana e consumo: a fragmentação socioespacial em cidades médias
Expositoras: Maria Encarnação Beltrão Sposito (UNESP-PP), Catherine Chatel (UNESP)
Resumo: A dispersão urbana em cidades médias vem ocorrendo desde os anos de 1970, orientada tanto pelas escolhas locacionais dos programas habitacionais financiados pelo poder público, como pelas iniciativas privadas que vêm implantando loteamentos urbanos, alguns deles fechados e controlados por sistemas de segurança. Isto tem acentuado a segregação socioespacial, ao ampliar as formas de segmentação do uso residencial do espaço urbano e, ainda, ao aumentar a distância espaçotemporal dos citadinos em relação ao centro principal das cidades. Essas dinâmicas se aprofundam, na medida em que, também, vem ocorrendo novas escolhas locacionais dos grandes grupos comerciais e de serviços associados à instalação de hipermercados, shopping centers e diversos ramos comerciais que operam com base em cadeias de múltiplas filiais (por exemplo, o de eletrodomésticos) e sistema de franquia (por exemplo, confecções, calçados, perfumaria, etc). Tais escolhas têm sido preferenciais nos setores urbanos em que se concentram as áreas residenciais dos segmentos de maior poder aquisitivo, multiplicando a centralidade urbana e gerando movimentos que indicam fragmentação socioespacial. Analisamos tais tendências em seis cidades médias – Londrina, Marília, Presidente Prudente, Ribeirão Preto, São Carlos e São José do Reio Preto – buscando mostrar o quanto a dispersão urbana vem ocorrendo e se associa às novas localizações comerciais e de serviços.
Exposição: Os condomínios fechados na periferia metropolitana de Fortaleza e no litoral de Maceió
Expositoras: Beatriz Helena Nogueira Diógenes (UFC), Marcia Rocha Monteiro (UFAL)
Resumo: Desde meados dos anos 1970, mas principalmente a partir dos anos 1990, observou-se em diversas cidades brasileiras um movimento das classes média e alta em direção a áreas mais afastadas do núcleo central, por meio do fenômeno dos loteamentos e condomínios fechados, modalidades que se disseminaram na expansão das cidades brasileiras nos últimos 20 anos, constituindo uma das tendências recentes de produção do espaço metropolitano, configurando áreas de dispersão urbana. Conforme Reis (2006), esse fenômeno está relacionado à difusão de modos metropolitanos de vida e de consumo, também estes dispersos pela área metropolitana. No processo de expansão urbana de Fortaleza e de Maceió, verifica-se essa forma particular de metropolização, que se acentua cada vez mais: o surgimento de condomínios fechados, voltados para classes média e alta, evidenciando um novo padrão de urbanização. Esses condomínios, no caso de Fortaleza, localizam-se, em sua maioria, no setor sudeste da metrópole, já no Município do Eusébio, escolhido como território preferencial desse modo de expansão residencial. E, no caso de Maceió, em menor escala, verifica-se, preferencialmente na faixa litorânea. O objetivo do artigo é evidenciar como esse fenômeno ocorre nas duas RMs e estabelecer relações acerca dos diferentes processos, destacando questões relacionadas à acessibilidade urbana, segregação socioespacial e novos modos de vida da população, bem como as novas configurações espaciais decorrentes da implantação desses condomínios, que constituem importante fator no processo de transformação dos centros urbanos contemporâneos, ao definirem dinâmicas específicas de ocupação e ocorrerem em áreas que mantêm relações complexas com a cidade tradicional.
Exposição: Habitação popular e urbanização dispersa: análise da expansão das cidades de Campina Grande-PB e Cruaru-PE a partir da construção dos conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida
Expositores: Doralice Sátyro Maia (UFPB), Utaiguara da Nóbrega Borges (UFPB)
Resumo: A análise dá-se sobre o processo de urbanização/expansão das cidades de Campina Grande, PB e Caruaru, PE a partir da construção de conjuntos habitacionais pelo Programa Minha Casa Minha Vida. A implantação destas habitações corresponde a um conjunto de grandes empreendimentos imobiliários que têm produzido uma nova dinâmica urbana. As localizações destes têm correspondido em muitos casos a áreas distantes da malha urbana efetivamente ocupada, transformando áreas rurais em urbanas e criando novos espaços de moradia afastados, reproduzindo o que antes já se denominou de “urbanização em saltos” e que mais recentemente vem-se definindo como urbanização dispersa. Desta forma, o objetivo é mostrar o processo de urbanização e de expansão urbana a partir da produção de habitações populares em áreas anteriormente rurais, afastadas da cidade, ou como prefere denominar Reis (2006), do tecido urbano (urban fabric). Considera-se a produção da habitação popular como elemento de descontinuidade da área urbanizada, mas com continuidade espacial dada principalmente pela capacitação de equipamentos básicos: esgotamento sanitário, fornecimento de água e energia e coleta de lixo (Sposito, 2007). A pesquisa além da análise dos dados fornecidos pela Caixa Econômica Federal e pelo Ministério das Cidades utiliza-se do levantamento empírico. Para esta exposição busca-se revelar a partir da representação da malha urbana utilizando tecnologias da geoinformação. O tratamento digital de imagens de sensoriamento remoto orbital e as técnicas de análise espacial, envolvendo métodos de avaliação visam quantificar e acompanhar o processo de dispersão urbana, através de representações cartográficas.