SL1 Território, Desenvolvimento Territorial e Governança

  • Valdir Roque Dallabrida
  • Alcides dos Santos Caldas
  • Rogério Leandro Lima da Silveira
  • Ângela Cristina Trevisan Felippi
  • Sérgio Luís Allebrandt
  • Dieter Rugard Siedenberg
  • Luécia Pereira Silva
  • Waldecy Rodrigues
  • Airton Cardoso Cançado
  • Márcia Fernandes Rosa Neu
Palavras-chave: território, desenvolvimento territorial, governança

Resumo

SL-01. Território, Desenvolvimento Territorial e Governança.

Coordenador: Valdir Roque Dallabrida (Universidade do Contestado)

Resumo: O território é uma construção social resultante de relações de poder que, simultaneamente, contém a dimensão da unidade, da solidariedade e da conflitualidade. Trata-se de relações inseridas na história de uma sociedade situada territorialmente (DALLABRIDA et al, 2014). Refere-se a uma fração do espaço, historicamente construída pelas interrelações dos atores sociais, econômicos e institucionais que atuam neste recorte espacial, apropriada a partir de relações de poder sustentadas em motivações políticas, sociais, econômicas, culturais ou religiosas, oriundas do Estado, de grupos sociais ou corporativos, instituições ou indivíduos (DALLABRIDA, 2011). Concordamos com Haesbaert (2006), que o território precisa ser compreendido numa perspectiva integradora, ou seja, como um domínio politicamente estruturado e também como apropriação simbólica, identitária, inerente a certa classe social e ao produto gerado por ela.

É neste contexto, em que se expressam diferentes relações de poder frequentemente conflitantes, que seus atores têm a possibilidade pactuar alternativas de futuro resultantes de interesses minimamente convergentes. A possibilidade de convergência de interesses, não deve desconhecer ou subvalorizar a questão do conflito. Por isso, a busca de alternativas de futuro, em geral, não resulta em alternativas de desenvolvimento permanentes, sendo mais prudente considerarmos a possibilidade de construção de pactos socioterritoriais (DALLABRIDA, 2007).

Outra questão é a necessidade de considerar que os territórios são parte do contexto global, o que valoriza o alerta feito por Brandão (2007a, p. 2):

As modificações nas bases materiais e sociais e a mundialização do capital subverteu e aprimorou o uso que o capitalismo sempre fez do território. Desembocou-se no primado da lógica do mercado sem travas, impondo o tratamento analítico rigoroso das relações dialéticas entre as complexas relações entre fluidez/mobilidade do capital e sua crescente faculdade de captar e reagir às diferenciações territoriais.

Apesar dos desafios, acreditando na possibilidade de construir alternativas territoriais de futuro, Pollice (2010, p. 9) afirma que a identidade territorial gera e orienta os processos de territorialização. Por outro lado, estas mesmas ações de territorialização reforçam o processo de identificação entre a comunidade e o seu espaço vivido, gerando alternativas territoriais que estabeleçam uma relação identitária entre produto, população e território. Um produto específico, com certa tipicidade, resulta da interação dialética entre pessoas com sua cultura e os demais elementos que compõem o território, ou seja, o saber-fazer territorial, a paisagem natural, a tradição e história local (CHAMPREDONDE, 2012).

Pensar estratégias de futuro, mediante a valorização de produtos com identidade e especificidade territorial pode representar uma ferramenta para o desenvolvimento territorial. Assumimos o desenvolvimento territorial como processo de mudança continuada, situado histórica e territorialmente, integrado em dinâmicas intraterritoriais, supraterritoriais e globais, sustentado na potenciação dos recursos e ativos (materiais e imateriais, genéricos e específicos), com vistas à dinamização socioeconômica e à melhoria da qualidade de vida de sua população (DALLABRIDA, 2014).

Neste sentido, o Acordo TRIPS (Acordos sobre Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual relacionadas ao Comércio), resultado do fechamento da Rodada do Uruguai da Organização Mundial do Comércio, em 1994, estabeleceu as Indicações Geográficas no campo da propriedade intelectual, como ferramenta de valorização e proteção de produtos com especificidade territorial. Dessa forma os territórios que apresentam tais características, se tornam, na atual fase do capitalismo, espaços de apropriação de sua singularidade, a qual agrega valor à produção e consequentemente ao território produtor, abrindo brechas para que esse produto seja comercializado na escala planetária (CALDAS, 2004).

A normatização estabelecida no Acordo TRIPS também é reconhecida no âmbito do Mercosul, através do Protocolo de Harmonização de Normas sobre Propriedade Intelectual (Mercosul/CMC/Dec. n° 85/1995). No Brasil, o Decreto n° 1.355 de 30 de dezembro de 1994, promulga e incorpora as decisões estabelecidas na Rodada Uruguai e com isso abre-se o caminho para a organização do sistema de propriedade intelectual no país. Nesse sentido, em 1996, com a aprovação da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996), que regula os direitos e obrigações da propriedade industrial no Brasil, são introduzidos, nos artigos 176 a 182, os conceitos de Indicação de Procedência (área conhecida pela produção, extração ou fabricação de determinado produto) e Denominação de Origem (onde as características daquele território agregam um diferencial ao produto). Dessa forma, o Brasil começa a normatizar a implantação das Indicações Geográficas em todo o território nacional, tendo como órgão responsável pelo seu registro o Instituto Nacional da propriedade Industrial (INPI) (CALDAS, 2013).

Este passa a ser um tema de estudo nas universidades brasileiras desde 2005. No entanto, fazem-se necessárias reflexões sobre uma série de questões, tais como:

a) devemos considerar que existe um entusiasmo das correntes localistas em afirmar que o local é a instância de preocupação para o desenvolvimento socioeconômico e que o local pode tudo, o que deve ser revisto;

b) devemos considerar que existe um eficiente sistema de regulação transescalar (global, regional e local) que pressiona o território produtor a seguir as normas e procedimentos para que as mercadorias possam circular no mercado;

c) é necessário reconhecer a tendência do aumento do interesse dos países em adotar o sistema de Indicação Geográfica como diferencial de competitividade territorial;

d) é necessário reconhecer, também, que existe uma agregação de valor dos produtos resultante da cultura local tradicional, diferenciando-os das commodities, tendo implicações sobre os territórios e as pessoas envolvidas;

e) quanto ao envolvimento do produtores em experiências de Indicação Geográfica, estudos realizados recentemente demonstram que a estratégica do associativismo territorial é utilizada, quase que exclusivamente, como ferramenta para viabilizar negócios privados;

f) deve-se considerar que o marketing territorial é uma ferramenta importante de divulgação dos produtos de origem;

g) além de pequenos avanços, não é possível verificar a melhoria da qualidade de vida dos produtores, o fortalecimento do protagonismo da sociedade civil, a prática da democracia participativa e representativa, o exercício pleno da cidadania, condição sine qua non do desenvolvimento territorial, implicando na necessidade de alterar a correlação de forças políticas em benefício da maioria (CALDAS, 2013; DALLABRIDA e FERRÃO, 2014).

Por fim, é importante salientar que os processos de busca de alternativas de futuro situam-se histórica e territorialmente. Ou seja, recortes espaciais em construção, em que ocorrem relações de poder emanadas de atores com interesses diferenciados, portanto, que contém simultaneamente a dimensão da unidade, da solidariedade e da conflitualidade. Tais processos, além das experiências de Indicação Geográfica, incluem formas diversas de associativismo territorial, tais como, fóruns, comitês e conselhos de desenvolvimento.

Sem desconhecer a conflitualidade inerente a tais processos, apontamos como uma das possibilidades o planejamento e gestão de dinâmicas territoriais, como práticas de governança territorial, termo utilizado para se referir a um processo que prioriza uma ótica inovadora, partilhada e colaborativa, por meio de relações horizontais, que inclui lutas de poder, discussões, negociações e, por fim, deliberações, entre agentes estatais, representantes dos setores sociais e empresariais, com vistas ao desenvolvimento territorial (DALLABRIDA, 2014).

Ao entorno das questões aqui apontadas muitas interrogações podem nos motivar ao debate. Talvez a principal delas seja: quais as possibilidades e desafios na efetividade de processos de desenvolvimento e governança territorial, no contexto atual da globalização? Espera-se que esta Sessão Livre traga alguns indicativos sobre esta questão, seja a partir do debate teórico, ou pela avaliação de experiências.

Referências:

BRANDÃO, C. Territórios com Classes Sociais, Conflitos, Decisão e Poder. In: ORTEGA, A. C.; ALMEIDA F.; N. A. (organizadores). Desenvolvimento territorial, segurança alimentar e economia solidária. Campinas: Editora Alínea, p. 1-25, 2007a.

CALDAS, A. Indicações Geográficas: marco regulatório e distribuição espacial. In: CALDAS, A; BRITO, C.; FONSECA, A.; PERTILE, N. (Orgs.). Gestão do Território e desenvolvimento: novos olhares e tendências. Salvador: JM, p. 127-152, 2013. CALDAS, A. S. Novos usos do território: as indicações geográficas protegidas como unidades de desenvolvimento regional. Bahia Análise & Dados, Salvador, v.14, n. 3, p. 593-602, dez, 2004.

CHAMPREDONDE, M. La valorización de la tipicidad cultural y territorial de productos mediante certificaciones em países de América Latina. In: FROEHLICH, J. M. (Org.). Desenvolvimento Territorial – Produção, Identidade e Consumo. Ijuí: Editora Unijui, p. 119-141, 2012. DALLABRIDA, V. R. (Org.). Governança Territorial e Desenvolvimento: Descentralização Político-Administrativa, Estruturas Subnacionais de Gestão do Desenvolvimento e Capacidades Estatais. Rio de Janeiro: Garamond, 2011. 

DALLABRIDA, V. R. A gestão territorial através do diálogo e da participação. Scripta Nova. Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, Barcelona, vol. XI, núm. 245 (20), 1 de agosto de 2007. DALLABRIDA, V. R. et al. Indicação Geográfica da Erva Mate no Território do Contestado: reflexões e projeções. Desenvolvimento Regional em debate, v. 4, n. 2, p. 44-77, jul./dez. 2014.

DALLABRIDA, V. R. Governança Territorial: do debate teórico à avaliação da sua prática. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais/Universidade de Lisboa, 2014 (Inédito). DALLABRIDA, V. R.; FERRÃO, J. Governança Territorial em Arranjos Cooperativos Institucionais e Organizacionais: aportes teórico-metodológicos e avaliação de experiências brasileiras e portuguesas. XIII Seminário da RII, Salvador, 2014.

HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização, do fim dos “territórios” à multiterritorialidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. POLLICE, F. O papel da identidade territorial nos processos de desenvolvimento local. Espaço e Cultura, n. 27, p. 7-23, 2010.

Exposição: Governança e Desenvolvimento Territorial: constatações e desafios

Expositor: Valdir Roque Dallabrida (Universidade do Contestado)

Resumo: A governança territorial, como processo de planejamento e gestão de dinâmicas territoriais, transcorre em contextos de sociedades complexas, conflituosas e regidas por processos multiescalarmente interpenetrados, implicando desafios na sua prática. Ocorrem em âmbitos espaciais apropriados e construídos historicamente, os territórios. Exemplificando, os recortes territoriais podem ser regiões administrativas, ou áreas abrangidas por experiências de Indicação Geográfica (IGsBrasil), ou Denominação de Origem Controlada ou Protegida (DOC/DOP-Portugal). Em estudos realizados sobre experiências intraestaduais de descentralização políticoadministrativa no Brasil, tem-se observado vários desafios. Constatação semelhante foi observada no estudo de estruturas de governança territorial de experiências de IGs. Neste texto, apresentam-se análises de práticas de governança territorial brasileiras e portuguesas, com seus desafios, tais como: descentralizam-se funções ou serviços públicos, mas não poder de decisão; descentraliza-se, propondo recortes territoriais definidos por critérios políticos, desrespeitando construções com identidade territorial; produzem-se recortes de governança sobrepostos uns aos outros;substituem-se iniciativas históricas por estruturas de governo descentralizadas, com restrita participação social; utiliza-se estratégias de associativismo territorial para viabilizar negócios privados. É o tema que pretendemos abordar.

Exposição: Singularidade e seletividade do capital nas indicações geográficas

Expositor: Alcides dos Santos Caldas (UFBA)

Resumo: Um dos principais acordos estabelecidos com o fim da Rodada do Uruguai da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi sem dúvida o Acordo sobre os Aspectos dos Direitos da Propriedade Intelectual relacionadas com o Comércio, ou como ficou conhecido “Acordo TRIPS”, o qual teve como “objetivo reduzir as distorções e obstáculos ao comércio internacional e levando em consideração a necessidade de promover uma proteção eficaz e adequada dos direitos de propriedade intelectual e assegurar que as medidas e procedimentos destinados a fazê-los respeitar não se tornem, por sua vez, obstáculos ao comércio legítimo”. Essa decisão coloca em igualdade de posição a circulação da produção na escala mundial, ou seja, foram estabelecidos normas e procedimentos para que a produção circule, de forma normatizada, entre os países membros da OMC. Essa medida traz impactos territoriais significativos, os quais envolvem instituições no âmbito internacional, nacional, regional e local tendo como foco principal o setor produtivo. Nesse mesmo acordo, no artigo 21 as indicações geográficas ganham relevo. Nada mais são que a modernização do “terroir” já estudado nos primórdios da Geografia, tendo como uma das referências os estudos regionais de Vidal de la Blache, quando estudava a personalidade das regiões. A OMC resgata esse conceito e o traz como referência na circulação da produção, ou seja, um território que apresenta características singulares na forma e nos processos de produção, gestão, circulação e distribuição da mercadoria, que na atual fase do capitalismo torna-se uma vantagem competitiva territorial.

Exposição: Planejamento Regional e Governança Territorial no Rio Grande do Sul: Uma análise dos planos de desenvolvimento regional dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento Regional (COREDEs)

Expositores: Rogério Leandro Lima da Silveira (UNISC), Ângela Cristina Trevisan Felippi (UNISC), Sérgio Luís Allebrandt (UNIJUÍ), Dieter Rugard Siedenberg (UNIJUÍ) 

Resumo: O trabalho apresenta alguns dos resultados da pesquisa realizada pela equipe do Observatório do Desenvolvimento Regional sobre as estratégias recentes de planejamento e gestão do desenvolvimento regional realizadas pelos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDEs) de modo descentralizado no Estado do Rio Grande do Sul. A abordagem se realiza através da análise do processo de construção e implementação dos planos estratégicos de desenvolvimento regional pelos COREDEs, realizados no período entre 2009 e 2010. Para tanto, analisa-se os modelos de planejamento e os processos de elaboração dos planos regionais, em quatorze COREDEs selecionados, abordando as características comuns e particulares de como ocorreram a construção do diagnóstico territorial, a definição do plano de desenvolvimento, indicando os principais problemas, fortalezas e oportunidades regionais, a proposição de prioridades regionais e sua implementação e gestão. A análise dos dados permitiu observar que as distintas características históricas e socioculturais, e os distintos estoques de capital social e capacidade de articulação política existente em cada região, bem como as diferentes condições de produção e de acesso às informações nas regiões tendem em resultar em planos muito distintos em termos de conteúdos e compreensões sobre a ideia de região e de desenvolvimento regional, sobretudo no que se refere ao diagnóstico e aos planos de ação. Também apresentam distintos graus de organização, investimento e articulação interinstitucional dos COREDEs no processo de planejamento e gestão territorial.

Exposição: (Des)Governança na experiência de Indicação Geográfica do Capim Dourado no Jalapão (Tocantins)

Expositores: Luécia Pereira Silva (UFT), Waldecy Rodrigues (UFT), Airton Cardoso Cançado (UFT)

Resumo: A Região do Jalapão, no Estado do Tocantins, ficou conhecida mundialmente devido à notoriedade dos artesanatos em capim dourado. O reconhecimento abriu mercados, amenizou as mazelas sociais, expos a genuína técnica de produção, despertou interesses comerciais e fomentou o tráfico nacional desse vegetal. Em 2011 foi concedido o registro de Indicação de Procedência para os artesanatos locais. Contudo, até o momento a referida marca não foi implementada. A Indicação Geográfica (IG) distingue um produto ou serviço de seus semelhantes ou afins, por este apresentar peculiaridades atribuídas à sua origem geográfica, conferindo-lhe proteção. O estudo ora apresentado objetivou avaliar o processo de registro de IG deste caso, através de análise documental e entrevistas com os principais atores envolvidos no processo, visando esclarecer os motivos da não operacionalização das atividades da IG. Neste contexto, verificou-se que o título de Indicação de Procedência pertence à Associação dos Artesãos em Capim Dourado da Região do Jalapão do Estado do Tocantins (AREJA), representante de oito associações de artesãos. A Fundação Cultural do Tocantins, vinculada à Secretária da Educação e Cultura do Estado do Tocantins (SEDUC), pleiteou o registro e assumiu a certificação do processo produtivo. No entanto, a análise desta experiência revela o não empoderamento das especificidades do processo e dos efeitos da IG pelos artesãos, pois as principais decisões sobre a constituição e gestão do indicativo foram desenhadas institucionalmente, apontando a existência de entraves ligados à dificuldade de organização das associações, como empecilhos ao implemento da Indicação de Procedência do capim dourado.

Exposição: O patrimônio cultural como ativo no desenvolvimento territorial

Expositora: Márcia Fernandes Rosa Neu (SED-SC)

Resumo: A abordagem do tema patrimônio cultural como ativo no desenvolvimento territorial tem como objetivo refletir sobre o papel da cultura e da educação patrimonial no desenvolvimento regional, na medida que auxiliam no reconhecimento e valorização do patrimônio de uma comunidade. O patrimônio cultural é considerado como ativo no desenvolvimento territorial, mas pode ser uma possibilidade que precisa ser acessada, não como uma disciplina escolar ou como uma lista de conteúdos, mas com estratégias de sensibilização da comunidade para desvelar suas tradições, seus costumes e seus valores, ou seja, seu patrimônio cultural. Esse reconhecimento e valorização poderá elevar a auto-estima e, portanto, auxiliar na busca de soluções para o desenvolvimento regional solidário. 

Publicado
2019-05-19
Seção
Sessão Livre