GT6 - 106 DESCONSTRUINDO A CIDADE. CENÁRIOS PARA UMA NOVA LITERATURA URBANA
Resumo
A constituição de uma literatura nacional, já se disse, tem por base o território. A literatura brasileira, portanto, aquela que tematizou o país a partir do território, nasce na primeira metade do século XIX, depois de muito procurar a paisagem e o homem local que jaziam intactos nos fundos de um Brasil profundo ainda intocado pela pena do escritor branco. Quanto mais verde e amarelo, fosse essa paisagem, mais brasileira ela se configuraria: o Brasil era um lugar e a literatura brasileira nasceu da descoberta desse lugar e da exploração de sua topografia. Um ‘topos’, de que se serviriam os escritores, mas também os historiadores para inventar não só uma literatura, mas também uma história nacional.
Minha questão não é, entretanto, a literatura nacional, mas a nossa literatura urbana. Remexo na literatura com carteira de identidade brasileira porque ela colocou em cena o tema do lugar, do chão, do território, o ‘topos’ sobre o qual se moldaria a identidade nacional.
Nesse sentido é fácil constatar que a literatura urbana brasileira dos últimos 30 anos, na contramão da tradição literária nacional, tem desprezado os chãos da cidade que dão suporte (material, cultural, simbólico, imaginário) a seus personagens e os tem substituído por cenários (CORDEIRO, 2006), que não remetem mais ao espaço geográfico que produz essas marcas identitárias localistas. Ou seja, trata-se de entender quais são as novas referências da cidade que sustentam os modos de subjetivação dos personagens da literatura contemporânea e o que isso tem a ver com as transformações atuais das metrópoles e do imaginário sobre a urbanidade dos seus moradores.
Começo, portanto, me indagando sobre como se constituiu entre nós essa literatura que fez da cidade, e mais do que isso, da experiência urbana e até mais ainda, da convivialidade na cidade, o palco, o sujeito e o objeto de sua criação. Assim, ainda no século XIX, depois de inventar um Brasil que emanava do campo, depois de lhe dar contornos e palpabilidade, depois de assegurar sua existência material, mas também imaginária, o homem de letras do império precisou girar sobre seus calcanhares em 180° dando as costas ao Brasil profundo e mirando o litoral, onde estavam suas principais cidades.