GT5 - 168 NOTAS SOBRE CONSTRUTORES URBANOS NA BELLE ÉPOQUE
Resumo
A prática da construção como atividade que não necessariamente carecia de educação formal colaborou de modo expressivo para a edificação de extensos trechos urbanos durante o período de expansão de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro1 na virada do século XIX para o XX. Centenas de construtores participaram deste processo e o tempo relegou a maioria ao anonimato. Talvez não por acaso. A pertinência de sua atuação foi consolidada pela história no repertório do total da produção destes profissionais, cujas obras boa parte pertenciam ao crescente setor residencial destas cidades, ou na relevância particular do conjunto do trabalho de algumas figuras que se destacaram em seu ramo, como Antonio Januzzi no Rio de Janeiro ou Miguel Marzo em São Paulo.
As atribuições de cada uma das especialidades ligadas direta ou indiretamente ao setor da construção civil foram objeto de longas disputas durante mais de um século desde aproximadamente o terceiro quartel do século XIX no processo de institucionalização das profissões que atuavam neste nicho. E desta querela houve sequelas na conformação do tecido urbano, cujas características formais podem ainda nos dias de hoje ser reconhecidas em partes extensas de alguns bairros destas duas cidades.
Neste sentido, o presente artigo trata em que medida algumas questões ligadas ao ofício da construção entre o último quartel do século XIX e o primeiro do século XX, mapeando algumas das discussões em torno das atribuições profissionais, teve rebatimento na consolidação de uma tessitura urbana característica deste momento. Este período corresponde à belle époque, cujo termo evoca um momento social e cultural ligado essencialmente a uma vivência urbana e a novas descobertas científicas, de euforia e entusiasmo da sociedade capitalista durante as últimas décadas do século XIX e as primeiras do XX ocorrido especialmente pelas conquistas materiais, tecnológicas e pela crença de que este progresso resolveria tecnicamente todos os problemas da sociedade. Tempo também em que algumas cidades brasileiras espraiavam suas áreas urbanas, avançando sobre as antigas chácaras em seus arrabaldes, na busca por novos lugares para abrigar adequadamente, em termos técnicos e financeiros, sua crescente população. A este crescimento sucedeu o agravamento de um problema habitacional já existente, engrossado pelo contingente de ex-cativos e imigrantes, que chegaram em grandes levas para as principais capitais na virada do século. Paralelamente, o risco eminente de epidemias, formalizado nos relatórios oficiais realizados no último quartel do século XIX, que deixou em alerta os dirigentes municipais quanto às condições sanitárias das casas, foram associadas ao alastramento de doenças.